Denúncias envolvendo filho mais velho e amigo pessoal do presidente ofuscam medidas anunciadas pelo governo e ameaçam erodir capital político do clã. Geralmente combativa nas redes, família evita falar sobre o tema.
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Prestes a completar três semanas, o governo Jair Bolsonaro enfrenta o seu primeiro escândalo, que já testa a "lua de mel" que os novos presidentes brasileiros costumam ter com as forças políticas e com os eleitores nos primeiros meses de mandato. O caso vem ofuscando a divulgação de novas medidas do Planalto.
Ao longo da última semana, tal como ocorria nos tempos da Lava Jato nos governos do PT e do MDB, o governo foi acossado por uma série de fatos negativos envolvendo figuras próximas do presidente. No caso, um dos filhos de Bolsonaro, o deputado estadual e senador eleito Flávio (PSL-RJ), e Fabrício Queiroz, um amigo do presidente e ex-assessor do seu filho, são suspeitos de operar um sistema que coletava parte dos salários de assessores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), uma prática ilegal conhecida como "rachadinha" ou "pedágio", típica de políticos do baixo clero pelo país.
Por enquanto, o presidente Jair Bolsonaro vem mantendo silêncio sobre as novas suspeitas envolvendo seu filho e seu amigo. Na última vez em que falou sobre o assunto, em uma entrevista no dia 9 de janeiro, Bolsonaro afirmou que segue confiando em Queiroz "até que provem o contrário” e que "se tiver algo errado, que pague a conta quem cometeu esse erro".
Porém, desde então, seu filho passou a ser implicado mais diretamente no caso. Bolsonaro escolheu o silêncio. Nesta semana, ele vai à Suíça para participar do Fórum de Davos, sua estreia nos palcos internacionais desde a posse. Uma coletiva de imprensa que estava prevista na agenda do presidente durante o evento foi cancelada.
Jair não é o único membro da família que tem evitado falar sobre o tema. O deputado Eduardo e o vereador Carlos Bolsonaro, sempre tão ativos nas redes sociais, não saíram diretamente nos últimos dias em defesa do irmão. Em vez disso, têm se concentrado em agitar a militância atacando a imprensa e chamar a atenção para ilegalidades de governos passados.
O escândalo também tem erodido o capital político de Flávio e afetado a dinâmica da eleição do novo presidente do Senado, prevista para ocorrer em fevereiro. Flávio e o PSL haviam se posicionado publicamente contra a eleição do veterano Renan Calheiros (MDB-AL) para o cargo. Agora, estreando fragilizado na Casa, Flávio deve pouco influenciar o processo de escolha.
Para o governo, os recentes desdobramentos do caso envolvendo o clã Bolsonaro também ofuscaram o anúncio de novas medidas e de jogadas publicitárias. Na sexta-feira, Bolsonaro assinou uma Medida Provisória com novas regras para a concessão de benefícios do INSS com o objetivo de coibir fraudes.
No mesmo dia, o BNDES publicou relações de concessões de empréstimos por parte do BNDES em gestões passadas, uma jogada anunciada como a abertura da "caixa-preta" do banco, mas que não passava de uma reciclagem de informações públicas e que já haviam sido exploradas pela imprensa nos últimos anos.
Tanto a MP do INSS quanto a propagandeada abertura da "caixa-preta" ficaram em segundo plano diante da escalada do caso envolvendo as suspeitas sobre Flávio e Queiroz. Membros do governo questionados sobre os problemas do filho do presidente têm evitado comentar o assuntou ou se limitam a afirmar que é um tema que diz respeito somente a Flávio.
A crise
A crise começou a surgir em dezembro, quando o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) divulgou um relatório que apontou volumosas movimentações financeiras suspeitas por parte de deputados e assessores da Alerj. Seria só mais um dos inúmeros casos de corrupção no mundo político do Rio de Janeiro, mas a trilha seguiu até a família do presidente.
O documento, divulgado no âmbito de uma investigação do Ministério Público estadual (MP-RJ), apontou inicialmente que Queiroz, o amigo de Jair e ex-assessor de Flávio na Alerj, movimentou 1,2 milhão de reais durante um ano, um valor incompatível com seus ganhos declarados. Entre os valores movimentados estava um depósito de 24 mil reais na conta da primeira-dama, Michelle.
Nas semanas seguintes, Queiroz se esquivou de comparecer ao MP-RJ, alegando problemas de saúde. Ele, porém, concedeu no período uma entrevista ao SBT - emissora que vem nutrindo simpatia pelo governo. Pouco depois, foi filmado dançando alegremente em um hospital de São Paulo.
Nos últimos dias, porém, o caso ganhou uma dimensão ainda maior quando Flávio acionou na quinta-feira o Supremo Tribunal Federal (STF) para interromper as investigações, usando da sua prerrogativa de senador eleito. Oficialmente, ele não era um investigado no caso. O ministro Luiz Fux, do STF, acabou aceitando o pedido de Bolsonaro.
Esse uso do foro privilegiado por parte de um membro da família Bolsonaro entrou em choque com o discurso do presidente, que nos últimos anos declarou ser contra a prerrogativa. Após o episódio, críticos do presidente voltaram a disseminar um vídeo de 2017 em que Jair aparece ao lado de Flávio e chama o foro privilegiado de "porcaria". O caso repercutiu mal até entre alguns apoiadores do presidente.
Na sexta-feira, Flávio rompeu o silêncio das últimas semanas e teve a chance de falar, quase sem ser interpelado, por uma jornalista da TV Record, emissora aliada do governo. Ele criticou o MP-RJ e disse que o órgão estava conduzindo uma investigação "oculta" contra ele. Flávio também afirmou que continua sendo contra o foro privilegiado, mas que recorreu à prerrogativa para que fossem "cumpridas obrigações legais" sobre a competência do caso. "Não quero foro, mas que a lei funcione para mim", disse. Apesar das críticas, ele pouco esclareceu sobre as movimentações do seu ex-assessor.
Para piorar, a entrevista acabou sendo atropelada pelos acontecimentos. Gravada previamente, ela foi ao ar após minutos depois de a concorrente TV Globo divulgar no Jornal Nacional que o Coaf também identificou depósitos suspeitos em uma conta do próprio Flávio. No total, foram 48 depósitos em espécie entre junho e julho de 2017 na conta do senador eleito, concentrados na agência bancária que fica dentro da Alerj e sempre no mesmo valor: 2 mil reais. O total movimentado chega a 96 mil reais. A forma como os depósitos foram feitos sugerem uma tentativa de ocultar as operações das autoridades fiscais. O foco não estava mais em Queiroz, mas em Flávio.
No sábado, um dia após a reportagem do Jornal Nacional, Flávio foi ao Palácio da Alvorada para se reunir com seu pai. Não era o fim da escalada de más notícias. Na noite de sábado, a TV Globo divulgou que o Coaf também havia identificado outra operação suspeita envolvendo Flávio: o pagamento de um título bancário da Caixa Econômica Federal no valor de 1 milhão de reais. O Coaf diz que não conseguiu identificar o favorecido. No domingo, foi a vez de o jornal O Globo publicar que a movimentação financeira de Queiroz foi a maior do que se supunha, e alcançou 7 milhões de reais entre 2015 e 2017.
Ao jornal O Globo, a defesa de Queiroz alegou não ter conhecimentos sobre a movimentação de 7 milhões de reais e afirmou que não teve acesso às informações coletadas pelo Coaf e nem aos extratos bancários do ex-assessor.
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Com diplomação, presidente eleito conclui primeira fase da transição e já tem o gabinete formado. Durante a campanha, ele prometeu reduzir número de ministros de 29 para 15, mas acabou com 22. Veja quem são.
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Redução modesta
Durante a campanha, Jair Bolsonaro prometeu reduzir o número de ministérios de 29 para 15. Mas, durante a transição, o presidente voltou atrás e promoveu uma redução bem menor do que a prometida. Ao todo, há 22 pastas no novo governo. Entre os ministros, há filiados do DEM, PSL e MDB, além de dez com laços militares, dois discípulos de Olavo de Carvalho e apenas duas mulheres.
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Paulo Guedes
Guru econômico e ministro anunciado ainda durante a campanha, Paulo Guedes comanda o superministério da Economia, formado pela junção das pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. O economista é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), suspeito de ter cometido fraudes na captação de recursos de fundos de pensão de estatais entre 2009 e 2013.
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Onyx Lorenzoni
Deputado federal do DEM, Onyx Lorenzoni articulou a campanha de Bolsonaro desde 2017 e foi indicado para assumir a Casa Civil. Em sua carreira política, já foi deputado estadual no Rio Grande do Sul e, desde 2003, tem mandatos na Câmara. Após ser citado na delação da JBS, ele admitiu ter recebido caixa dois de campanha, e está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República.
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Sérgio Moro
Juiz federal que foi responsável pela Lava Jato em primeira instância, Sérgio Moro comandará o Ministério da Justiça. Seu decisão de entrar para a política causou polêmica. Foi ele quem condenou Lula pela primeira vez em 2017, o que marcou o início dos problemas do ex-presidente em registrar sua nova candidatura ao Planalto em 2018. Fato que ajudou Bolsonaro a assumir a liderança nas pesquisas.
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Marcos Pontes
Astronauta que chegou a ser cotado para vice da chapa do PSL, Marcos Pontes chefiará o Ministério da Ciência Tecnologia. Formado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Pontes se tornou o primeiro astronauta brasileiro da história e foi enviado ao espaço pela Missão Centenário, em 2006, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é filiado ao PSL.
A deputada federal Tereza Cristina (DEM) comandará o Ministério da Agricultura. Engenharia agrônoma e empresária, Tereza Cristina foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e indicada pela bancada ruralista para o cargo. Ela defende a aprovação do projeto lei que flexibiliza as regras para a fiscalização e aplicação de agrotóxicos no país.
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Ernesto Araújo
Diplomata de carreira, Ernesto Araújo assumirá o Ministério das Relações Exteriores. Discípulo de Olavo de Carvalho, ele atuou no Itamaraty em várias áreas, porém, nunca chefiou uma embaixada. Araújo mantinha um blog no qual fez campanha para Bolsonaro, chamou o PT de "Partido Terrorista" e disse querer libertar o mundo da "ideologia globalista". Admira Donald Trump e nega o aquecimento global.
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Luiz Henrique Mandetta
Deputado federal do DEM (MS), Luiz Henrique Mandetta ficou com o comando do Ministério da Saúde. Médico ortopedista e ligado a Lorenzoni, ele era crítico do Programa Mais Médicos. Entre 2005 e 2010, Mandetta foi secretário municipal de saúde de Campo Grande. A passagem pelo cargo lhe rendeu um inquérito por suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois.
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Fernando Azevedo e Silva
O general da reserva Fernando Azevedo e Silva foi escolhido para o Ministério da Defesa. Natural do Rio, ele deixou o Alto Comando do Exército em 2018 e passou a assessorar o presidente do STF, Dias Toffoli. Azevedo e Silva foi chefe do Estado-Maior do Exército e comandante da Brigada Paraquedista, onde serviu ao lado de Bolsonaro. Chefiou ainda operações na Missão de Paz da ONU no Haiti.
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Ricardo Vélez Rodríguez
Escolha do colombiano antipetista Ricardo Vélez Rodríguez para assumir o Ministério da Educação foi indicação de Olavo de Carvalho. Nascido em Bogotá e naturalizado brasileiro, Vélez Rodríguez é formado em filosofia e mostrou apoiar várias das bandeiras defendidas por Bolsonaro, como a expansão de escolas militares no país e o combate a uma suposta predominância de ideias esquerdistas no ensino.
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Tarcísio Gomes de Freitas
O ex-diretor do Dnit Tarcísio Gomes de Freitas chefiará o novo Ministério da Infraestrutura, que deve englobar a atual pasta de Transportes, Portos e Aviação Civil. No governo Temer, Freitas foi secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parceria em Investimentos e consultor legislativo da Câmara dos Deputados. O engenheiro civil iniciou a carreira no Exército e atuou no Haiti.
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Gustavo Canuto
Servidor efetivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto comandará o novo Ministério do Desenvolvimento Regional. Servidor sem filiação partidária, Canuto é formado em engenharia da computação e direito e já atuou na Secretaria Geral da Presidência da República, na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e na Secretaria de Aviação Civil.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Osmar Terra
Ex-ministro do governo Temer, Osmar Terra assumiu o novo Ministério da Cidadania e Ação Social. Médico, Terra é deputado federal pelo MDB desde 2001. Já foi prefeito de Santa Rosa (RS) e secretário de Saúde do RS. Terra poderá ser um dos ministros que trará dor de cabeça a Bolsonaro. O deputado apareceu na superplanilha da Odebrecht, que indicaria propinas pagas a políticos.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Marcelo Álvaro Antônio
Deputado do PSL Marcelo Álvaro Antônio assumirá o Ministério do Turismo. Integrante da frente parlamentar evangélica, ele foi o candidato mais votado em Minas Gerais, reeleito para o segundo mandato neste ano. Antes de ser deputado, Antônio foi vereador de Belo Horizonte. Antônio é o segundo filiado do PSL escolhido por Bolsonaro para integrar seu governo.
Foto: Agência Brasil/Valter Campanato
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior
O almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior chefiará o Ministério de Minas e Energia. Ele atuou como diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, foi observador do Brasil na Força de Paz das Nações Unidas em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, e comandante de submarinos.
Foto: Getty Images/AFP/H. Retamal
Damares Alves
Pastora evangélica e assessora do senador Magno Malta (PR), Damares Alves foi escolhida para chefiar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A advogada trabalha há mais de 20 anos no Congresso. Ela já declarou que a mulher nasceu para ser mãe, se posicionou contra o feminismo e políticas voltadas a diminuir a discriminação de homossexuais. É contra a legalização do aborto e das drogas.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Ricardo de Aquino Salles
Advogado e criador do Endireita Brasil, Ricardo de Aquino Salles será o ministro do Meio Ambiente. Salles foi secretário estadual do Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin. É réu por improbidade administrativa, acusado de esconder alterações em mapas do zoneamento ambiental do rio Tietê, numa ação que teria favorecido mineradoras. Foi ainda diretor da Sociedade Rural Brasileira.
Foto: Imago/Fotoarena
Ministérios dentro do Planalto
Além da Casa Civil, outros três ministérios funcionam dentro do Planalto. Ex-presidente do PSL e aliado próximo de Bolsonaro, Gustavo Bebianno será o chefe da Secretaria-Geral. O general reformado que comandou a Missão ONU para a Estabilização no Haiti Augusto Heleno ficou com o Gabinete de Segurança Institucional. Já o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ficará com a Secretaria de Governo.
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AGU e CGU
A Advocacia-Geral da União (AGU) ficará sob o comando do advogado André Luiz de Almeida Mendonça, que, ao longo da carreira, atuou em áreas de transparência e combate à corrupção. O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) continuará a ser chefiado por Wagner Rosário (foto). O servidor de carreira ocupa o cargo desde junho de 2017, indicado pelo ex-presidente Michel Temer.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Roberto Campos Neto
O chefia do Banco Central ficou com o economista Roberto Campos Neto, neto do ex-ministro do Planejamento Roberto Campos, que comandou a pasta entre 1964 e 1967, durante a ditadura militar. Próximo de Paulo Guedes, já atuou no banco Santader, no banco Bonzano Simonsen e na gestora de fundos Claritas.