Escassez de camisinhas expõe crise maior na Venezuela
10 de fevereiro de 2015A falta de preservativos na Venezuela parece, num primeiro momento, ser motivo de piada. Mas a situação de engraçada não tem nada. Até porque infecções por HIV e gravidez indesejadas são graves problemas no país caribenho.
Relatos da imprensa de que um pacote de camisinhas é mais caro na Venezuela do que um iPhone devem ser vistos com cautela. Mas é verdade que uma plataforma de internet venezuelana especializada em bens de consumo escassos vem oferecendo 12 preservativos de marca por 1.600 bolívares (cerca de 250 dólares). Isso corresponde ao ganho semanal de um servidor público de cargo mais baixo.
Nas últimas semanas, procurar o produto em farmácias e drogarias do país costuma ser infrutífero. O problema é que na Venezuela não são fabricados contraceptivos, e a catastrófica situação econômica torna quase impossíveis importações que não são subvencionadas pelo Estado.
Além disso, o governo vem controlando severamente o mercado de câmbio. Ativistas temem agora que as taxas já elevadas de doenças venéreas e de casos de gravidez na adolescência aumentem ainda mais.
Adolescentes grávidas
De acordo com o Fundo de População das Nações Unidas, uma em cada cinco venezuelanas é mãe antes de completar os 18 anos. O Ministério da Saúde da Venezuela chega até a uma taxa de 25%. Com isso, o país ocupa o primeiro lugar na América do Sul. Em toda a América, somente em Nicarágua e Honduras há mais meninas grávidas em relação ao número de habitantes.
A principal razão, segundo a psicóloga Magdymar León, é a contínua falta de educação sexual na Venezuela. Ela é diretora da Associação Venezuelana para uma Educação Sexual Alternativa (Avesa), especializada em promover uma sexualidade refletida e responsável, que também inclui o uso de contraceptivos. "Desde o ano passado, há escassez de pílulas anticoncepcionais, agora está ainda difícil conseguir preservativos", afirma León.
Ainda não existem estatísticas para este período, mas León não precisa delas para saber que "deverá haver um aumento do número de casos de gravidez não desejada". Com isso, ela teme que aumente também a taxa de mortes maternas.
Como na maioria dos países latino-americanos, o aborto é proibido em quase todos os casos, só sendo permitido caso a vida da mãe esteja ameaçada. "Mais casos de gravidez não desejada significa mais abortos ilegais", frisa León. "E eles representam muitas vezes um risco para a gestante."
Sem campanhas de prevenção
Mas a falta de preservativos pode agravar outro problema: entre 2001 e 2012, o número de venezuelanos infectados pelo HIV aumentou de 84 mil para 110 mil, de acordo com a Unaids, programa das Nações Unidas de prevenção e combate à doença.
Dados mais recentes ainda não estão disponíveis, mas Alberto Nieves, da Ação Cidadã Contra a Aids (ACCSI), afirma que não só a aids, mas também outras doenças sexualmente transmissíveis, como gonorreia e hepatite B estão se alastrando na Venezuela.
"Desde 2005, o governo não lança uma campanha de conscientização", reclama Nieves, apontando para a teórica facilidade do governo em lançar ações do tipo, através dos diversos canais estatais de mídia.
Apesar de o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro se vangloriar de fornecer medicamentos contra a aids gratuitamente à população, a ACCSI vem documentando desde 2009 que, repetidamente, pacientes vêm sofrendo com falta de remédios.
Em 2005, o governo do antecessor de Maduro, Hugo Chávez, lançou uma grande campanha, distribuindo um milhão de preservativos gratuitamente. Entretanto, desde 2008 não há mais contraceptivos fornecidos pelo Estado.
Mas pelo menos o governo parece estar ciente do problema. Em meados de 2013, o presidente Maduro anunciou a construção de diversas fábricas de preservativos, para atender a demanda. Mas, como ocorre tantas vezes quando Maduro anuncia alguma coisa, a ideia não saiu do papel. Até o momento, ainda não há produção de camisinhas na Venezuela – nem importações, aparentementes.