Escritor Hans Magnus Enzensberger completa 85 anos
12 de novembro de 2014Além de fumante apaixonado, Hans Magnus Enzensberger é, acima de tudo, um dos mais importantes intelectuais da Alemanha, que há mais de 60 anos alimenta o mundo literário com suas reflexões e sutilezas poéticas das terras germânicas.
Nascido em 11 de novembro de 1929, filho de um criativo técnico de telecomunicações, ele cresceu na cidade de Nurembergue, na Francônia, Baviera. Desde cedo, arriscava suas primeiras incursões literárias: elas o interessavam bem mais do que o treinamento militar na Juventude Hitlerista, de que logo foi expulso, por mau comportamento.
Em 1944, aos 15 anos de idade, Hans foi recrutado para a milícia nacional Volkssturm, porém conseguiu desertar pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial.
"Tive sorte com os meus pais. Eles não eram combatentes da Resistência, mas também não eram nazistas. Desse modo eu tive, desde o início, uma visão diferente da assim chamada comunidade popular nacional-socialista", recorda o autor.
Em 1949, precipitou-se com afã nos estudos de literatura, aprendeu idiomas e já em 1955 se formava doutor em Filosofia. Paralelamente, publicou seus primeiros textos, sendo pouco mais tarde aceito como membro do legendário Grupo 47. Os integrantes desse fórum de literatos se encontraram durante 20 anos, a partir de 1947, com o intuito de renovar a literatura alemã.
Ironia contra o peso existencialista
Contudo, em breve a Alemanha se torna pequena demais para Enzensberger. Seus anos de revolta e aventura juvenil o impulsionam para o mundo. Extensas viagens pelos Estados Unidos, México, Noruega e Itália garantem a internacionalidade que lhe tem sido tão importante durante toda a vida.
Em 1960, passa a trabalhar na renomada editora Suhrkamp e publica suas primeiras, elogiadas antologias poéticas. Cinco anos mais tarde, cria a série Kursbuch, leitura obrigatória e fórum de debate para os círculos intelectuais e os estudantes revolucionários dos selvagens anos em torno de 1968. Loquaz e convincente, ele se intromete nos debates políticos do momento: o prazer pelos virtuosísticos duelos de palavras, ele guarda até hoje.
Ler sua poesia desse período é como atravessar as estações da história cultural alemã. Seu primeiro tomo de poemas, Verteidigung der Wölfe(Defesa dos lobos), de 1957, provoca grande celeuma.
Assim como tantos autores politicamente engajados da recém-fundada República Federal da Alemanha, o jovem Hans Magnus Enzensberger vinha para destroçar o peso da lírica existencialista do pós-guerra. Sua resposta a esta é uma poesia levemente irônica e títulos provocadores como "Selos de desconto", "País-modelo/Covil de assassinos" ou "Está indo para cima, mas não para a frente".
Descobridor de talentos
Como escritor, em geral ele adota uma postura de crítica cultural ao abordar seus campos temáticos – sua "cética soberania", como formulou certa vez, autoindulgente. Em 1963, recebe o Prêmio Georg Büchner, a que se seguem outras distinções de peso: o Heinrich Böll, o da Crítica Alemã, o Luddwig Börne, ou o dinamarquês Prêmio Sonning.
Após o lançamento de seu único romance O curto verão da anarquia, em 1979 ele se instala em Munique como autor independente. Já no ano seguinte mergulha numa aventura editorial, juntamente com um amigo, o escritor chileno Gaston Salvatore. Entretanto a ambiciosa revista literária Trans Atlantic não sobrevive mais do que dois anos.
Ao lado do artista-encadernador Franz Greno, em 1985 Enzensberger lança a série Die Andere Bibliothek (A outra biblioteca), contendo seus títulos preferidos da literatura mundial. Hoje, esses volumes são considerados verdadeiros tesouros bibliófilos.
Com sensibilidade editorial para descobrir talentos, o autor bávaro é o primeiro a colocar reportagens literárias no mercado livreiro alemão. Assim, é responsável tanto pelo sucesso do autor e jornalista polonês Richard Kapuscinski, quanto pelo de prosistas e poetas como Raoul Schrott, Irene Dische, Christoph Ransmayer ou W.G. Sebald.
Reinvenção constante
Após uma longa pausa produtiva, Enzensberger retorna à cena poética em 1991, com a coletânea Zukunftsmusik(Música futura). Ocasionalmente também publica sob pseudônimos como Linda Quilt (Schreckens Männer. Versuch über den radikalen Verlierer– Homens terríveis. Ensaio sobre o perdedor radical) ou Serenus M. Brezengang.
Com grande prazer, segue intervindo nos debates atuais, posicionando-se sobre a guerra no Iraque, engenharia genética, ou testes de inteligência controvertidos. Seu ensaio de 2007 "No labirinto da inteligência. Um guia para idiotas" desencadeia debate aberto em todos os periódicos de cultura da Alemanha.
No ano seguinte, retorna a suas raízes, com levíssimos poemas de amor. A antologia Das Wasserzeichen der Poesie (A marca d'água da poesia) se torna um clássico do gênero. De preferência, comenta Enzensberger, ele gosta de escrever "histórias com nuvens".
Tumult, de 2014, é seu primeiro texto com traços ligeiramente autobiográficos, segundo comentou em entrevista à revista Der Spiegel. "Confissões não são o meu forte. Longe de mim querer desfilar o panorama de minha alma diante da esfera pública."
Em festivais de literatura, Hans Magnus Enzensberger continua sendo um hóspede bem-vindo, e garantia de diversão literária de primeira. Ele está sempre a se reinventar. Um de seus livros mais recentes, que gosta de ler em público, traz o título "Observações do Sr. Zett, ou migalhas que ele deixou cair, ajuntadas por seus ouvintes".
Sua contundência intelectual, os olhos brilhantes e sempre curiosos, o aguçado humor verbal, mal deixam crer que ele esteja comemorando seu 85º aniversário. Parabéns, Hans Magnus Enzensberger!