Literatura
29 de abril de 2009Uma das escritoras mais bem-sucedidas do país na categoria literatura infantil, Isabel Abedi vive em Hamburgo e é casada com o músico brasileiro Eudardo Macedo. Depois de passar vários anos trabalhando com publicidade, a autora – que é filha de mãe alemã e pai iraniano – passou a se dedicar exclusivamente à literatura infantil e infanto-juvenil.
Em seu site, Abedi conta que quando é questionada a respeito do número de livros que já escreveu até hoje costuma ficar confusa, "pois em algum momento parei de contar. Talvez porque sempre gostei muito mais das letras que dos números", confessa.
Da lista de suas publicações constam livros infantis ilustrados, romances infanto-juvenis, volumes para primeira leitura, audiolivros e Lola, a série que fez com que Abedi se tornasse amplamente conhecida entre as crianças do país. Os livros e audiolivros da série já ultrapassaram a marca de um milhão de exemplares vendidos na Alemanha, tendo sido traduzidos para diversos outros idiomas.
Viagem ao Brasil
A protagonista Lola Veloso tem um "papai" brasileiro e uma mãe alemã. Desta forma, o universo da cultura brasileira mantém-se presente nos livros, nos quais Abedi introduz várias palavras em português, como – por exemplo – nomes ligados à culinária brasileira ou simplesmente "vovó", "titia" ou "salão de beleza".
Em Lola auf Hochzeitsreise (Lola em viagem de lua-de-mel), a protagonista faz uma viagem ao Brasil, onde seus pais resolvem se casar depois de muitos anos de união. Os planos da menina de organizar uma grande festa numa praia da Bahia acabam, contudo, se tornando um pesadelo: a mala da mãe não chega, no caminho de barco até Morro de São Paulo todos pegam uma terrível tempestade e em pleno Brasil os pais começam a apresentar divergências quase incontornáveis de opinião.
Nos cinemas
Em breve, a história de Lola também chegará às telas. O primeiro volume da série – Hier kommt Lola! (Lola está chegando!) – está sendo adaptado para o cinema pela diretora Franziska Buch, com roteiro de Vanessa Walder e produção das grandes Bavaria e Constantin Film.
Isabel Abedi já havia situado anteriormente outra de suas histórias – a infanto-juvenil Isola – no Brasil. Em entrevista à Deutsche Welle, a escritora conta como o contato com a cultura brasileira inspira seu trabalho, embora evite falar sobre as diferenças entre os universos alemão e brasileiro, "para não cair em clichês". Além disso, Abedi diz que gostaria muito de ver traduções das peripécias de sua pequena heroína Lola para o português.
Deutsche Welle: Seu livro Lola em viagem de lua-de-mel se passa no Brasil. Você se inspirou em alguma viagem que fez realmente ao país para escrevê-lo?
Isabel Abedi: Na verdade, me inspirei em duas viagens que fiz ao Brasil. Quando fui pela primeira vez a Salvador, há 20 anos, quando meu atual marido ainda era apenas meu professor de dança e visitamos a cidade guiados por ele. As pessoas, os deuses, as danças e os mitos da Bahia me impressionaram profundamente. Ou seja, a escolha do cenário para o sexto volume da série Lola e da terra natal fictícia do pai da personagem não foi casual.
Mas essa minha visita já aconteceu há muitos anos e eu quis ver como tudo tinha mudado nesse meio tempo. Uma jornalista alemã que vive na Bahia e que já havia me ajudado nas pesquisas para o romance infanto-juvenil Isola foi quem me chamou a atenção para Morro de São Paulo e para a Pousada Colibri, onde se passa a maior parte da história da Lola. Então visitei a ilha pela primeira vez, para conhecer o cenário da história em todos os sentidos.
O mundo de Lola em Hamburgo é muito real. O bairro onde ela mora é o "meu bairro", a Alemanha dela é a minha. E para a casa brasileira dela, eu também quis achar um lugar real. Por isso, antes de escrever a história, fui até lá, onde realmente encontrei uma inspiração maravilhosa. Meu marido e minhas filhas foram comigo, de forma que pude ver o Brasil também através dos olhos de um brasileiro e de duas meninas alemãs-brasileiras.
A protagonista tem um pai brasileiro e uma mãe alemã. Na história surgem conflitos culturais. O que diferencia tanto essas duas culturas no dia-a-dia, na sua opinião?
Uma resposta a essa pergunta terá sempre algo de clichê e só pode ser respondida de forma genérica: a exceção sempre confirma a regra. Os brasileiros são mestres do improviso, não levam a pontualidade e a ordem tão exatamente a sério como os alemães... mas eu, como alemã, vivo chegando atrasada em todos os lugares para onde vou, enquanto meu marido brasileiro é pontualíssimo.
Outra coisa que sempre me chama imediatamente a atenção quando estou no Brasil é a forma de as pessoas olharem nos olhos umas das outras. No Brasil, existe uma forma de carinho e serenidade que pode ser sentida em praticamente todos os lugares. Eu e principalmente meu marido sentimos falta disso. Por outro lado, há na Alemanha mais eficiência e mais confiabilidade, também mais segurança em todos os âmbitos da vida.
Em seu livro, você trata de assuntos como a busca de identidade e o dilema de pertencer a uma ou outra cultura [alemã e brasileira]. Você já pensou numa tradução de Lola em viagem de lua-de-mel para o português?
Já pensei com frequência! Mas, nesse caso, a decisão é das editoras brasileiras. Gostaria muito de ver Lola sendo editado no Brasil.
No primeiro volume da série Lola, racismo e xenofobia aparecem como temas. Foi importante para você, pessoalmente, incluir essa temática num livro infantil?
Na verdade, não penso nisso quando escrevo. Não me pergunto o que é importante para mim, mas entro nos meus personagens e escrevo a história a partir deles. É claro que meu próprio universo de experiência também faz parte disso sempre. Eu mesma sou "meio iraniana", casada com um brasileiro, temos duas filhas "meio brasileiras", e vivemos numa cidade onde há pessoas de incontáveis nacionalidades.
Certamente flui nas histórias que escrevo, também de forma inconsciente, aquilo que vivencio. Importante para mim foi, acima de tudo, não colocar nas entrelinhas uma postura moralista de dedo em riste. Mas se os leitores me abordam dizendo terem se reconhecido na história, porque esses assuntos lhes são familiares, para mim é um prazer.
Lola não foi seu primeiro livro situado no Brasil. Em Isola, os protagonistas se encontram numa ilha na costa do Rio de Janeiro. A história [destinada ao público infanto-juvenil] está relacionada à desconfiança, ao medo e a um homicídio. O Rio de Janeiro é apenas casualmente o cenário ou você associou a história à criminalidade real da cidade ao escrever o livro?
De início, quando pensei num cenário para Isola, não pensei de forma alguma na criminalidade do Rio. Estava procurando uma ilha, longe da Alemanha, quando descobri pesquisando que havia uma belíssima "ilha de cartão postal" perto de Angra dos Reis.
Quando defini o cenário do livro e comecei a trabalhar em cima das personagens, tive a ideia de situar as raízes da protagonista Vera no Rio: seu passado na favela e a história de sua irmã Esperança têm com certeza ligações com a realidade da cidade. Conheço no Rio uma pessoa real que se empenha pelas crianças de rua e que serviu de exemplo para mim.
Isola é principalmente um livro sobre o assunto "vigilância". Por que você situou essa história '"Big Brother" exatamente no Brasil?
Como já disse, quis escolher uma ilha distante como cenário. E o Brasil para mim é próximo, pois sou casada com um brasileiro. E eu sempre quis escrever uma história que se passa no país. Através do passado peculiar da minha protagonista Vera, foi possível para mim descrever o Brasil com os olhos de um estrangeiro, que no entanto não é tão estranho assim como parece de início.
Tanto em Lola, quanto em Isola, há várias passagens nas quais você descreve a natureza brasileira. Além disso, você esclarece ao leitor alemão o significado de certas palavras em português. Você já obteve retorno de leitores que passaram a se interessar pelo Brasil a partir dos seus livros?
Nos livros de convidados do meu site (www.isabel-abedi.de) e na página da Lola na internet (www.lola-club.de), sempre surgem registros que confirmam que as crianças gostam de conhecer outro país a partir da perspectiva de um personagem infantil com o qual elas se identificam.
Elas querem saber até mesmo as receitas dos pratos que descrevo nos livros, querem saber a pronúncia correta das palavras e contam orgulhosas que já aprenderam algumas delas. Uma das reações mais interessantes foi a do pai de uma criança que quis saber onde ficaria a pousada onde se situa parte da história, para passar as férias lá com sua família.
Eduardo Macedo, seu marido, acompanha musicalmente suas leituras para crianças e também participa de seus audiolivros. Poderia falar um pouco do trabalho conjunto de vocês?
Sem meu marido, muitos dos meus livros e especialmente a série Lola não existiriam. Sua participação musical nas minhas leituras é extremamente enriquecedora. Percebo claramente como as crianças (e também os adultos) são tocados pela música, que é algo muito mais imediato que as palavras e abre sempre outras portas. Para mim, isso pode ser percebido também nos audiolivros, quando determinadas passagens têm um acompanhamento musical.
Quando meu marido e eu nos preparamos para uma leitura, escolho determinados trechos e pensamos juntos que tipo de música seria adequado para aquela passagem. No caso dos audiolivros, me deixo surpreender. Meu marido trabalha de forma bastante intuitiva, buscando a essência dos livros. Em determinado momento, surge uma melodia. Participar deste processo sempre é incrivelmente interessante.
E dentro em breve vamos ter uma mídia nova: Lola será adaptado para o cinema, também com a participação do meu marido na trilha sonora, o que me deixa muito feliz.
Autora: Soraia Vilela
Revisão: Simone Lopes