Autonomia e véu
17 de outubro de 2008O bairro Cihangir, em Istambul, é conhecido por seus cafés e galerias e pelo grande número de artistas e intelectuais que ali vivem. E nele também mora a escritora Sebnem Isigüzel, de 35 anos, vencedora do mais importante prêmio literário do país.
"Escrever para mim significa colocar a cabeça para fora, ou seja, da minha escrivaninha, observar o mundo. E você não acredita o quanto isso pode ser difícil. A Turquia tem uma história reprimida, politicamente sempre instável. Acordar nesse país todas as manhãs e escrever livros é, apesar de tudo, um ato de bravura", diz Isigüzel.
Essa dificuldade se dá principalmente porque a autora costuma, em seus livros, dissecar a realidade turca, seja ao expor as contradições entre o secular e o religioso ou o abismo entre as províncias distantes e as grandes cidades. De uma forma ou de outra, a linguagem provocadora de Isigüzel já lhe rendeu até mesmo um processo na Justiça.
Desigualdade e discriminação
Um de seus livros, que acaba de ser traduzido para o alemão, é uma "olhada pelo buraco da fechadura" que mostra a vida das mulheres turcas. Essas mulheres, segundo a escritora, aparentemente "têm tudo", mas se encontram cansadas de expectativas frustradas e de uma vida definida de antemão. Elas acabam cortando vínculos e se tornando outsiders.
"Desigualdade de direitos e discriminação existem obviamente em qualquer lugar do mundo, mas na Turquia, um país onde a democracia se instala lentamente, as mulheres são mais afetadas de forma imediata. Meu país é muito impregnado de uma mentalidade patriarcal. Aqui, até hoje, muitas meninas não são mandadas para a escola só pelo fato de serem mulheres. Mas, apesar de todas essas tradições, nós, mulheres turcas, temos uma força enorme e não perdemos as nossas esperanças", completa a autora.
Autonomia e véu?
Essa autoconfiança marca também a obra de Fatma Barbarosoglu, de 46 anos. A autora, com doutorado em Filosofia, usa o véu muçulmano. Com seus livros, ela enfoca uma geração de mulheres turcas autoconfiantes e religiosas.
"É claro que sou o tempo todo confrontada com clichês. Uma escritora com o véu? Isso é possível? As pessoas partem geralmente do princípio de que sou oprimida e burra. Até mesmo do meio religioso recebo olhares tortos", conta Barbarosoglu. Talvez porque a escritora, em seus livros, ressalte o lado vital e sensual do islã, referindo-se ao Império Otomano como um terreno propício à tolerância religiosa e à inspiração artística.
"Desde o 11 de Setembro paira sobre o islã uma suspeita geral de violência. Ele está sendo instrumentalizado pela política, tanto pelo Oriente quanto pelo Ocidente. Trata-se de gerar medo mutuamente, a fim de alcançar objetivos políticos. Sendo que o mais importante seria refletir porque tememos tanto o Outro, o desconhecido", questiona a escritora.
Altos custos e pirataria
Tanto Fatma Barbarosoglu quanto Sebnem Isigüzel são consideradas, na Turquia, autoras de sucesso. Mesmo assim, nenhuma das duas consegue viver somente de literatura, tendo que trabalhar paralelamente como jornalistas. Seus livros têm tiragens de aproximadamente 10 mil exemplares – números fabulosos para o mercado editorial turco, comenta Ilknur Özdemir, da Turkuaz kitap, uma editora renomada de Istambul.
Özdemir foi responsável pela tradução da obra dos escritores alemães Günter Grass e Martin Walser para o idioma turco. "Na Turquia lê-se muito pouco. Comparados aos salários da população, os livros são muito caros no país. Além do fato de que temos problemas seriíssimos com cópias pirateadas. Quando um livro vende bem, dois dias depois você tem cópias ilegais pela metade do preço nas ruas. Isso faz com que muitas editoras não tenham muito leque de ação, resumindo-se à publicação de best-sellers. Tiragens iniciais de até 50 mil exemplares, como na Alemanha, seriam aqui quase um milagre", contabiliza Özdemir.