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Arte

Simone de Mello9 de março de 2007

"Santa Ana e seus Três Maridos", fragmento de um retábulo esculpido em madeira por Tilman Riemenschneider no início do século 16, é mais um motivo para se visitar o recém-inaugurado Bode Museum.

Versão apócrifa de 'Santa Ana e seus três maridos' foi censurada pelo Concílio de TrentoFoto: picture-alliance/dpa

Diante da possibilidade de reprodução ilimitada de superfícies digitais, o novo território de experimentação da arte contemporânea, a raridade de uma obra de arte tridimensional saída das mãos de um artista nascido há quinhentos anos adquire uma aura singular. A escultura de "Santa Ana e seus Três Maridos", de Tilman Riemenschneider (1460/65–1531), recém-adquirida pelo Bode-Museum, promete se tornar mais um motivo para se viajar a Berlim.

O grupo com a mãe de Nossa Senhora e os três homens com que teria se casado, segundo os Evangelhos Apócrifos, fazia parte de um relevo em madeira mais amplo com a Sagrada Família em sentido lato, ou seja, com Maria, José e Jesus, Ana, seus três maridos e suas duas outras filhas; estas, por sua vez, com seus respectivos maridos. Esta lenda e sua representação seriam posteriormente rejeitadas pelo Concílio de Trento (1545–1563).

Testemunhas oculares do divino

Bode-Museum, na Ilha dos Museus, em Berlin-MitteFoto: DW-TV

Do relevo de quatro partes, as duas exteriores, representando as pretensas irmãs de Nossa Senhora com seus respectivos maridos, se encontram no Landesmuseum Württemberg, em Stuttgart, e no Victoria and Albert Museum, em Londres.

A parte que coube ao Bode-Museum representa Santa Ana sentada, estendendo os braços, provavelmente para pegar o Menino Jesus, enquanto seus três maridos, em pé atrás de seu assento, observam a cena com espanto e reverência. Na passagem da Idade Média para o Renascimento, a representação do clã familiar de Jesus se tornou corrente, refletindo uma valorização do papel das ligações familiares nos círculos nobres e patrícios.

Espanto pelo ausente

Tilman Riemenschneider, o escultor alemão mais famoso do início da Idade Moderna, é conhecido pelo equilíbrio entre uma representação fisionômica individualizada e realista e a expressão sublime de suas figuras, aparentemente sempre voltadas para o além. Segundo as conjecturas, este retábulo deve ter sido esculpido em 1505/06 para a Marienkapelle (Capela de Nossa Senhora) em Rothenburg ob der Tauber, demolida em 1810.

O que fascina nesta escultura, cercada por observadores curiosos desde que passou a ser exposta no Bode-Museum há duas semanas, não é a apenas o enigma de uma cena fragmentária, o espanto das figuras por uma cena ausente, pela imagem extraviada da Sagrada Família. Um pouco de sua aura se deve à trajetória deste fragmento do retábulo de Riemenschneider.

Longa espera pelo retábulo

Em 1929, Berlim já queria ter comprado a peça do governo soviético, mas a transação fracassou por falta de recursos. Mesmo assim, uma ação concertada conseguiu impedir que o relevo de Riemenschneider fosse parar nos Estados Unidos. Ao que tudo indica, sob influência da direção dos museus berlinenses, o conselheiro de Estado Kurt Schmitt comprou a peça, que ficou em posse da família até agora. Supõe-se que o retábulo tenha se tornado patrimônio russo através do casamento de uma princesa de Hessen, antes de passar para um colecionador de São Petersburgo.

Escultura medieval era uma das prioridades do fundador do museu, Wilhelm von BodeFoto: DW

O Bode-Museum, exclusivo por expor paralelamente esculturas, pinturas e peças de artes aplicadas, tem uma das mais importantes coleções de Riemenschneider, enriquecida pela aquisição de "Santa Ana e seus três Maridos". Nesta obra, o escultor dispensou conscientemente o uso de cores, concebendo as formas em madeira encerada e antecipando assim um procedimento que viria a se propagar durante a Reforma.

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