Escultura encomendada por Hitler é achada em escola
Gabriel Borrud (mp)14 de agosto de 2015
Em maio, descoberta de dois cavalos de bronze que ficavam em frente à sede do governo nazista em Berlim surpreendeu mundo da arte. Agora, um terceiro foi achado - depois de 50 anos no pátio de um colégio na Baviera.
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O mundo das artes alemão foi sacudido no início de maio, quando duas esculturas de cavalos, de cinco metros por dez, foram descobertas por acaso durante operações com objetivo de coibir o comércio ilegal de arte.
As esculturas, chamadas Schreitenden Pferde (cavalos em marcha), eram um dos principais adornos da Neue Reichskanzlei (nova chancelaria do Reich), construída entre 1934 e 1943 e projetada por Albert Speer, o principal arquiteto nazista. O prédio foi derrubado depois da guerra.
Mas ninguém sabia que existia um terceiro cavalo do mesmo escultor, Josef Thorak. E nem poderia imaginar que o garanhão de bronze estivesse montando guarda a céu aberto no pátio de uma escola na Alta Baviera nos últimos 50 anos.
“Não havia informação sobre a escultura, e ela acabou ficando lá”, diz Kia Vahland, do diário Süddeutsche Zeitung (SZ), autora da reportagem que acabou resultando nesta descoberta.
“Após a descoberta destes dois cavalos em maio, nós procuramos um pouco mais e encontramos, em uma dissertação publicada em 1992, notas de rodapé que indicavam que outra escultura de Thorak havia mudado de dono em 1961. Nós rastreamos isso em um catálogo da Grande Exibição de Arte Alemã, onde um terceiro cavalo havia sido exibido pela primeira vez, em 1939. E, no fim, sua história ficou mais clara”, explicou o jornalista à DW.
Em 1939 – ano em que os outros dois cavalos também foram apresentados na chancelaria em Berlim – Thorak exibiu a terceira escultura na Grande Exposição, em Munique. Depois, o cavalo ficou do lado de fora do seu imenso ateliê (um presente pessoal de Hitler) na capital bávara, onde permaneceu até o fim da guerra. Depois, a obra virou posse da família do artista.
Em 1961, a viúva do artista usou a escultura para pagar as aulas do filho na escola, às margens do lago Chiemsee, onde o cavalo tem estado desde então, ostentando o nome “Thorak.”
Mudança de guarda
A escola, que não nega que o trabalho é de Thorak, ainda não fez qualquer comentário sobre os motivos de um produto incontestável de propaganda nazista ainda estar lá, sem uma explicação histórica. Mas ainda há tempo de mudar.
Quando o SZ publicou a matéria sobre o “surgimento do terceiro cavalo”, na semana passada, a repercussão foi significativa. O secretário de Cultura da Baviera disse, na última terça-feira (11/08), que entrou em contato com a escola e ofereceria ajuda necessária no sentido de dar uma “documentação adequada” para a peça.
“Em última instância, depende da escola decidir como procederá, mas o secretário gostaria muito que essa peça contribuísse para o processo de lidar com o passado”, disse Kathrin Ann Gallitz, porta-voz da Secretaria de Cultura.
Apenas o começo
Essa retórica vai de encontro às declarações e ao sentimento exposto em Berlim na ocasião da descoberta dos cavalos, em maio. A ministra federal da Cultura, Monika Grütters, anunciou que as obras não pertenciam a nenhum outro lugar, senão ao museu.
“A arte do [Terceiro Reich] foi uma parte extremamente importante da propaganda do regime, e pode nos mostrar a extensão na qual isso foi usado”, disse Grütters.
Na Baviera, o secretário de Cultura disse que é “extremamente importante” estabelecer diretrizes sobre como lidar com a arte nazista devido à natureza sem precedentes do caso da obra encontrada no pátio da escola.
Kia Vahland, cujo trabalho levou à descoberta, diz que a Baviera – e a Alemanha como um todo – estão apenas começando a se confrontar com a arte nazista.
“Existe muita arte nazista, especialmente na Baviera – considerando que o movimento realmente começou em Munique. Muitas peças foram destruídas ou escondidas em porões empoeirados. Por isso, eu realmente saúdo a reação do secretário de Cultura e a vontade de trabalhar com a escola para documentar o cavalo de Thorak. Isso de fato é bem positivo.”
Ruínas da Segunda Guerra – memoriais da paz
Em vários locais da Alemanha são mantidas partes de edificações destroçadas pela violência bélica. Elas recordam o poder devastador das armas e quanto a paz é preciosa.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Wolf
Testemunhas eloquentes
Difícil acreditar: em 1945, numerosas cidades alemãs estavam tão destruídas como, hoje, partes do Iraque ou da Síria. Destroçadas por bombardeios e nunca mais reconstruídas, ruínas em meio às metrópoles do país ainda prestam testemunho eloquente dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Em sua maioria, trata-se de edificações sacras, como a Igreja Memorial do Imperador Guilherme, em Berlim.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Hiekel
Novo e antigo
Inaugurada em 1895, no estilo neo-romântico, a Igreja Memorial do Imperador Guilherme (Kaiser Wilhelm Gedächtniskirche) sucumbiu a um ataque aéreo dos Aliados em 23 de novembro de 1943. Apenas a ruína da torre principal, com 71 metros de altura, foi preservada como memorial. Os quatro prédios que a rodeiam ficaram prontos em 1961, e hoje todo o complexo arquitetônico é tombado.
Foto: picture alliance/akg-images
Do culto à cultura
A história da Igreja do Convento Franciscano no bairro berlinense de Mitte remonta ao ano 1250. Em consequência da Reforma Luterana, em 1539 o convento foi fechado. E, em 3 de abril de 1945, o fogo choveu do céu. As ruínas da igreja foram protegidas, como único prédio da época a sobreviver à Segunda Guerra. Restaurada, desde 2004 ela abriga exposições, apresentações teatrais e concertos.
Foto: gemeinfrei/imago/F. Berger
Memorial no Reno
Destruída e jamais recuperada, a Igreja de Santo Albano fica na parte histórica da cidade renana de Colônia. Na foto veem-se os restos do coro. A antiga nave, hoje descoberta, serve de memorial para os mortos da guerra. Em seu centro, uma escultura evocativa apela pela paz: "Pai e mãe de luto", de Ernst Barlach, com base num desenho de Käthe Kollwitz.
Foto: CC BY-SA 3.0/Raimond Spekking
Sobrevivente solitária
A pouca distância de Santo Albano está Santa Colomba, uma das mais antigas igrejas paroquiais de Colônia. Sua pedra fundamental foi lançada em 980. Após a destruição quase total em 1943, além de uns poucos resquícios dos muros externos, datando do fim da Idade Média, restou apenas uma figura de Nossa Senhora, em meio aos escombros.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Gambarini
Destaque no museu
Para abrigar essa estátua da Virgem construiu-se no mesmo local, já em 1947-50, uma capela octogonal. Desde então ela é, para os colonianos, a "Madona dos Escombros". Em 1956-57, a capela marista foi ampliada em capela sacramental quadrilateral. Em 2007, a Igreja de Santa Colomba foi totalmente integrada ao edifício do novo Museu Episcopal Diocesano.
Foto: CC BY-SA 3.0/Elke Wetzig
Esplendor barroco perdido
Datando do século 12, o Palácio Zerbst, na Saxônia-Anhalt, era residência dos príncipes de Anhalt-Zerbst. Reformas no século 17 lhe deram uma estrutura em três alas, e passou a constar entre as principais edificações barrocas da Alemanha central. Em criança, a princesa Sofia Augusta Frederica de Anhalt-Zerbst ia visitar lá os seus parentes. Ela seria coroada em 1762 Catarina 2ª, czarina da Rússia.
Foto: picture-alliance/AKG
Ainda há esperança
Em abril de 1945, o Palácio Zerbst foi atingido por bombas aliadas e totalmente consumido no incêndio subsequente. Sua preciosa decoração interna se perdeu. A reconstrução teria sido possível, mas foi rejeitada por motivos políticos. Somente a ruína da ala leste escapou à demolição, e uma associação de amigos cuida para que seja mantida. Sua meta é a restauração fiel da parte exterior da ala.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Wolf
De "bunker" a igreja
Apesar de não ser uma ruína, este "hochbunker" (abrigo de superfície) em Düsseldorf é mantido como memorial. Para fins de proteção, no início dos anos 1940 ele fora camuflado como igreja. A partir de 1949, foi então transformado de fato em casa de culto. O prédio tombado, que também funciona como local de exposições, é arquitetonicamente ímpar, sendo considerado a igreja mais segura do mundo.
Foto: CC BY-SA 3.0/Ilion
Usina memorial
Este antigo abrigo de superfície em Hamburgo-Wilhelmsburg é igualmente único no mundo. Enquanto, após o fim da guerra, grande parte dessas edificações sucumbiram ao tempo, ele foi amplamente saneado e transformado num "Energiebunker". Equipado com painéis fotovoltaicos e uma usina regeneradora dotada de armazenador de calor, o colosso de concreto fornece eletricidade e calefação à população.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Marks
Altura fatídica
As origens da Igreja de São Nicolau de Hamburgo remontam a 1195. Após um incêndio em 1842, foi consagrada no local, 32 anos mais tarde, uma casa de culto totalmente nova, em estilo neogótico. Por um tempo, sua torre de 147 metros foi a construção mais elevada do mundo. Porém, em 23 de julho de 1943, sua altura provou-se fatídica, ao servir de ponto de orientação para os bombardeiros dos Aliados.
Foto: gemeinfrei
Hamburgo-Gomorra
Somente a torre e os porões abobadados resistiram. Ao fim da Segunda Guerra, o Senado hamburguês decidiu não reerguer a Igreja de São Nicolau. Suas ruínas permanecem até hoje como ferida aberta, dedicadas "às vítimas da guerra e da ditadura entre 1933 e 1945". Nos porões criou-se um centro de documentação, com a mostra permanente "Gomorra 1943 – A destruição de Hamburgo na guerra aérea".
Foto: picture-alliance/dpa
Sobrevivência por um triz
Em 1945 jazia em destroços, em Dresden, a famosa Frauenkirche, a igreja protestante de Nossa Senhora. Após sobreviver aos devastadores ataques aéreos de 13 e 14 de fevereiro, no dia seguinte a cúpula de pedra dessa chamada "pérola do Barroco" desmoronou. A Alemanha Oriental não tinha verbas para reerguê-la, e por muitos anos as ruínas jazeram como memorial contra a guerra e a destruição.
Foto: Hulton Archive/AFP/Getty Images
Esperança contra a devastação
Com a Reunificação, iniciou-se em 1996 a reconstrução da Frauenkirche, concluída em 2005. O financiamento do projeto de 180 milhões de euros envolveu 16 associações de amigos no país e no exterior, assim como doações de todo o mundo. As pedras da edificação original foram integradas nos novos muros. A igreja reerguida tornou-se, assim, um símbolo de esperança e do entendimento entre os povos.
Foto: DW/Holm Weber
Recomeço a partir dos escombros
Já em 1947, a Igreja da Ressurreição de Pforzheim, sul da Alemanha, foi a primeira construída no país, no pós-Guerra. Como material de construção, 30 mil tijolos das casas circundantes foram desenterrados, coletados e meticulosamente limpos. Além de sinalizar um recomeço, ela serviu de modelo para 46 "igrejas de emergência" nas cidades alemãs destruídas na Segunda Guerra.