Começa "julgamento do século" de separatistas catalães
12 de fevereiro de 2019
Doze acusados de envolvimento em tentativa de decretar independência da Catalunha vão ao banco dos réus em Madri. Processo deve definir rumos do movimento separatista e futuro tom da política nacional.
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Doze líderes separatistas começaram a ser julgados nesta terça-feira (12/02) em Madri por seu envolvimento numa tentativa fracassada de decretar a independência da Catalunha, que desencadeou a pior crise política no país desde a morte do ditador Francisco Franco, em 1975.
Chamado de "julgamento do século" e "o mais importante julgamento desde o retorno da Espanha à democracia", o processo na Supremo Tribunal da Espanha deve durar três meses e ser acompanhado com grande atenção pelo público e pela mídia.
Antes do início do julgamento, manifestantes pró-independência atearam fogo a pneus e bloquearam o trânsito na região de Barcelona, capital da Catalunha, onde um protesto foi marcado para a noite desta terça-feira.
Enquanto separatistas querem ter o direito de realizar um referendo sobre o futuro da região e classificam o julgamento de uma "farsa politicamente motivada", muitos espanhóis defendem a unidade do país a apoiam o processo judicial contra os líderes catalães.
Todos os réus são acusados de participar de maneira ativa, em 1º de outubro de 2017, de um referendo sobre a secessão da região da Catalunha, considerado ilegal pelo Tribunal Constitucional da Espanha, e de uma declaração unilateral de independência aprovada na sequência pelo parlamento catalão.
Como resposta ao processo independentista, o governo espanhol destituiu o governo regional catalão, assumiu suas competências e convocou novas eleições regionais, e a Justiça abriu uma ação contra líderes separatistas supostamente envolvidos.
O líder do movimento de independência e ex-presidente do governo catalão Carles Puigdemont, que fugiu para a Bélgica dias depois da declaração unilateral de independência, não está entre os 12 réus, pois a Espanha não julga suspeitos de crimes graves à revelia.
Numa coletiva de imprensa em Berlim nesta terça-feira, Puigdemont afirmou que o julgamento dos líderes separatistas é um teste para a democracia e para o Judiciário da Espanha. Ele descreveu os réus como "pessoas honradas, inocentes e democráticas" e insistiu que a legislação espanhola não foi violada.
O principal réu é o ex-vice-presidente do governo catalão Oriol Junqueras, que optou por permanecer na Espanha e pode ser condenado a até 25 anos de prisão por rebelião.
Os demais 11 réus incluem ex-membros do executivo da Catalunha, dois líderes das associações pró-independência ANC e Omnium Cultural e o ex-presidente do parlamento catalão.
Nove dos réus já estão em prisão provisória sob a acusação de rebelião, e alguns deles também de má utilização de recursos públicos. Os três restantes foram acusados de desobediência e má utilização de recursos públicos.
O julgamento será acompanhado por mais de 600 jornalistas de mais de 170 veículos de imprensa nacionais e internacionais. Com o objetivo de dar o máximo de transparência ao processo, as sessões serão transmitidas ao vivo pela televisão e pela internet.
Além de ser um teste para o Judiciário espanhol, o julgamento deve ser crucial para definir os rumos do movimento separatista catalão e o tom da política nacional nos próximos anos.
A Comissão Internacional de Juristas, organização de direitos humanos com sede em Genebra, teme que o caso resulte numa restrição de direitos e abra um precedente.
A questão da independência da Catalunha, uma das regiões mais ricas do país, continua provocando divisões na Espanha. No último domingo, dezenas de milhares de pessoas se juntaram a um protesto convocada por partidos de direita e de extrema direita em Madri contra o governo do primeiro-ministro Pedro Sánchez, acusado de traição e de fazer concessões demais durante negociações com os separatistas catalães.
Sánchez chegou ao poder em junho do ano passado com o apoio de partidos nacionalistas catalães e tentou aliviar as tensões ao retomar negociações canceladas por seu antecessor, Mariano Rajoy.
O governo minoritário de Sánchez depende do apoio dos partidos separatistas catalães para aprovar seu orçamento para 2019. Se o chefe de governo não conseguir apoio suficiente a sua proposta, ele pode acabar convocando eleições antes do fim de seu mandato, em 2020.
Após a manifestação do último domingo em Madri, um novo protesto foi convocado para o próximo sábado, e uma greve geral para 21 de fevereiro.
LPF/efe/afp/ap/rtr
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Desejo de independência da Espanha é acalentado pelos catalães há muito tempo. Ao longo dos séculos, região experimentou vários graus de autonomia e repressão.
Foto: picture-alliance/dpa/AP/F. Seco
Antiguidade rica
A Catalunha foi habitada por fenícios, etruscos e gregos, que estiveram nas áreas costeiras de Rosas e Ampúrias (acima). Depois vieram os romanos, que construíram mais assentamentos e infraestrutura. A Catalunha foi uma parte do Império Romano até ser conquistada pelos visigodos, no século 5.
Foto: Caos30
Condados e independência
A Catalunha foi conquistada pelos árabes no ano 711. O rei franco Carlos Magno interrompeu o avanço deles em Tours, no rio Loire, e em 759 o norte da Catalunha se tornou novamente cristão. Em 1137, os condados que compunham a Catalunha iniciaram uma aliança com a Coroa de Aragão.
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Guerra e perda de território
No século 13, as instituições de autoadministração catalã foram criadas sob o nome Generalitat de Catalunya. Depois da unificação da Coroa de Aragão com a de Castela, em 1476, Aragão pôde manter suas instituições autônomas. No entanto, a revolta catalã – de 1640 a 1659 – fez com que partes da Catalunha fossem cedidas à atual França.
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Lembrando a derrota
No final da Guerra da Sucessão, Barcelona foi tomada, em 11 de setembro de 1714, pelo rei espanhol Felipe 5°, as instâncias catalãs foram dissolvidas e a autoadministração chegou ao fim. Todos os anos, em 11 de setembro, os catalães fazem uma grande comemoração para lembrar o fim do seu direito à autonomia.
Foto: Getty Images/AFP/L. Gene
República passageira
Após a abdicação do rei Amadeo 1°, da Espanha, a primeira república espanhola foi declarada em fevereiro de 1873. Ela durou apenas um ano. Os partidários da república estavam divididos, com um grupo apoiando uma república centralizada e outros, um sistema federal. A foto mostra Francisco Pi y Maragall, um partidário do federalismo e um dos cinco presidentes da república de curta duração.
Foto: picture-alliance/Prisma Archivo
Tentativa fracassada
A Catalunha tentou estabelecer um novo Estado dentro da república espanhola, mas isso apenas exacerbou as diferenças entre os republicanos e os enfraqueceu. Em 1874, a monarquia e a Casa de Bourbon, liderada pelo rei Afonso 12 (foto), retomaram o poder.
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Direitos de autonomia
Entre 1923 e 1930, o general Primo de Rivera liderou uma ditadura – com o apoio da monarquia, do Exército e da Igreja. A Catalunha se tornou um centro de oposição e resistência. Após o fim do regime, o político Francesc Macia (foto) conseguiu impor direitos importantes de autonomia para a Catalunha.
Fim da liberdade
Na Segunda República Espanhola, os legisladores catalães trabalharam no Estatuto de Autonomia da Catalunha, aprovado pelo Parlamento espanhol em 1932. Francesc Macia foi eleito presidente da Generalitat de Catalunha pelo Parlamento catalão. No entanto, a vitória de Franco no fim da Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939) acabou com tudo isso.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Opressão
O ditador Francisco Franco governou com mão de ferro. Partidos políticos foram proibidos, e a língua e a cultura catalãs, reprimidas.
Foto: picture alliance/AP Photo
Novo estatuto de autonomia
Após as primeiras eleições parlamentares que se seguiram ao fim da ditadura de Franco, a Generalitat da Catalunha foi provisoriamente restaurada. Sob a Constituição democrática espanhola de 1978, a Catalunha recebeu um novo estatuto de autonomia, apenas um ano depois.
O novo estatuto de autonomia reconheceu a autonomia da Catalunha e a importância da língua catalã. Em comparação com o estatuto de 1932, ele apresentou avanços nos campos da cultura e educação, mas restrições no âmbito da Justiça. A foto é de Jordi Pujol, que foi por longo tempo chefe de governo da Catalunha depois da ditadura.
Foto: Jose Gayarre
Anseio por independência
O desejo por independência da Espanha se tornou mais forte nos últimos anos. Em 2006, a Catalunha recebeu um novo estatuto, que ampliou ainda mais os poderes do governo catalão. No entanto, eles são perdidos após uma queixa levada pelo conservador Partido Popular ao Tribunal Constitucional espanhol.
Foto: Reuters/A.Gea
Primeiro referendo
Um referendo sobre a independência estava previsto para 9 de novembro de 2014. A primeira questão era "você quer que a Catalunha se torne um Estado?" No caso de uma resposta afirmativa, a segunda pergunta era "você quer que esse Estado seja independente?" No entanto, o Tribunal Constitucional suspendeu a votação.
Foto: Reuters/G. Nacarino
Luta de titãs
Desde janeiro de 2016, Carles Puigdemont é o presidente do governo catalão. Ele deu continuidade ao curso separatista de seu antecessor, Artur Mas, e convocou um novo referendo para 1° de outubro de 2017. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, disse que a consulta é inconstitucional.