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Espanha questiona sua monarquia

Santiago Sáez av
11 de dezembro de 2018

Espanhóis, sobretudo os mais jovens, parecem cada vez rejeitar a monarquia. Argumentos vão desde ilegitimidade do referendo sobre a Constituição, 40 anos atrás, à incapacidade do atual rei de manter coeso o país.

Consulta popular sobre abolição da monarquia na Espanha
Para maioria dos espanhóis que participaram de consultas informais, república é preferívelFoto: DW/S. Saez

Um dia de dezembro enevoado e frio em Madri. Na praça central Puerta del Sol, centro nervoso da capital espanhola, não há um turista, embora já sejam 10h da manhã.

"Quer votar, senhor?", pergunta um dos homens em torno de uma mesa abaixo a estátua do rei Carlos 3º, do século 18. "Para quê?", indaga o passante. "para a República!", replica o homem, levantando a voz num grito.

Em 2 de dezembro de 2018, mais de 23 mil cidadãos votaram em 12 distritos e quatro municipalidades da região de Madri, num referendo não oficial sobre o modelo de governo na Espanha. O resultado foi surpreendente em sua rejeição da monarquia: 93% dos que entregaram o voto prefeririam ter um presidente da república como chefe de Estado.

"Quase 1.500 pessoas que são a favor do regime monárquico determinaram que, mesmo assim, ele deveria ser submetido à vontade do povo", declarou posteriormente, numa coletiva de imprensa, o órgão não partidário de cidadania Coordenadora de Assembleias para Consulta Popular Monarquia ou República.

O voto informal nas ruas de Madri é um de muitos realizados recentemente na Espanha. Dias antes, mais de 7.300 participaram de um referendo na Universidade Autônoma de Madri (UAM). Também lá o resultado foi uma vitória substancial para a república, com 83% a favor. No decorrer de dezembro, está organizada uma série de votações em dezenas de universidades de todo o país.

"Realmente foram só 40 anos com essa Constituição, incluindo uma monarquia sobre a qual nós nunca fomos consultados", comenta Lucia Nistal, uma das organizadoras na UAM. "A juventude deveria ter o direito de decidir nosso futuro. Nem mesmo os nossos pais tinham idade para votar a Constituição."

Observadores aceitam amplamente como fato a noção de que os espanhóis mais jovens sejam menos inclinados a apoiar uma monarquia, embora não haja dados oficiais a respeito. O estatal Centro de Pesquisa Social (CIS) não realiza consultas sobre a monarquia desde abril de 2015, quando os votantes fizeram uma avaliação negativa da coroa.

Alberto Penadés, professor de Ciência Política da Universidade de Salamanca e ex-funcionário do CIS, acha que a verdadeira razão é o centro não querer realmente saber a resposta. "Acho que quem quer que estivesse dirigindo o CIS na época não queria dar manchetes fáceis para a mídia. Não estou justificando, mas acho que é óbvio, nada de novo."

Envolvimento do rei Felipe 6º no voto pela independência da Catalunha foi criticada por parte da política da EspanhaFoto: Reuters/F.Gomez

Segundo uma pesquisa deste mês do instituto YouGov, encomendada pelo portal de notícias Huffpost, 48% dos espanhóis preferem a opção república, contra 35% que defendem a monarquia - 17% preferiram não se pronunciar. Entre os jovens de 18 a 24 anos, a rejeição ao modelo monárquico chega a quase 60%. Há tempos a família real espanhola é considerada a mais impopular da Europa.

A atual crise da monarquia, seja real ou apenas percebida, teve uma guinada significativa em 1º de outubro de 2017, quando a tentativa de um referendo pela secessão da Catalunha foi interpretada pela maioria dos grandes partidos espanhóis como um ataque direto á ordem constitucional.

Dois dias mais tarde, o rei Felipe 6º apareceu na televisão para defender a unidade espanhola, sustentando a decisão do governo de proibir a votação. Muitos na Catalunha e outras regiões do país acharam que a casa real estava tomando partido, traindo a tradição de neutralidade política.

Pouco mais de um ano mais tarde, o Parlamento catalão aprovou uma declaração condenando o discurso do rei e conclamando à abolição da monarquia. Apesar de o documento não ter quaisquer consequências legais, o governo central sob Pedro Sánchez pediu ao Tribunal Constitucional para anulá-lo, numa medida sem precedentes.

Desde então, iniciativas semelhantes para condenar o rei têm se realizado em câmaras municipais de todo o país, e algumas foram aprovadas. Por sua vez, o principal partido oposicionista, o conservador e monarquista Partido Popular (PP), aprovou a moção de Sánchez.

"Achamos que é um ataque direto à coroa e, portanto, à Constituição", aponta Paco Martínez, representante do PP no Parlamento, para quem a figura do rei é um "símbolo da unidade de todos os espanhóis": "Se você não gosta da Constituição, está livre para mudá-la, mas não violá-la", diz. Ele saúda o debate público desencadeado pelas votações não oficiais – contanto que elas não tenham o apoio de instituições estatais, incluindo câmaras municipais.

Entretanto, nem todos de sua legenda partilham essa opinião. Na municipalidade de Alcobendas, governada por conservadores, as estações de voto foram banidas, só podendo ser montadas fora dos limites municipais, numa localidade vizinha.

Alguns que se recusaram a votar nos referendos informais asseguram que participariam de uma votação oficial. E uma das metas dos coordenadores é precisamente preparar o caminho para um referendo oficial. "Esta é só uma ação simbólica, com que queremos atrair atenção para um debate que precisamos ter", diz Luis Jimeno, um dos organizadores.

Para partidários do referendo, espanhóis não tiveram chance real de votar sua Constituição em 1978Foto: DW/S. Saez

Aprovada em 6 de dezembro de 1978, a Constituição define o Estado espanhol como uma "monarquia parlamentar". O ditador Francisco Franco morrera três anos antes, e a Espanha começava sua trajetória em direção a uma sociedade democrática. A Constituição foi submetida a referendo e aprovada por uma esmagadora maioria de 87%.

Um argumento frequente a favor de uma nova consulta popular é que 40 anos atrás os eleitores não tinham uma escolha genuína sobre que forma de governo a Espanha teria: a questão era, antes, se o país permaneceria uma ditadura ou não. O rei já era parte do acordo, e a ameaça dos militares lançava uma pesada sombra sobre o voto.

"Mesmo que o povo espanhol votasse por uma monarquia, nós ainda teríamos que escolher quem seria o monarca. Franco indicou Juan Carlos 1º [pai do atual rei] para sucedê-lo em 1969. Não podemos permitir que um ditador indique seu herdeiro", conclui Ernesto Sarabia, um dos organizadores do voto na cidade de Legazpi.

Durante uma entrevista em 1995, Adolfo Suárez, primeiro presidente do governo a assumir na era pós-franquista, admitiu que bloqueara uma consulta popular oficial sobre o modelo de governo, por saber que a república venceria.

"Em 1976, a maioria dos líderes estrangeiros estava me pedindo para realizar um referendo a fim de escolher entre a monarquia e a república, mas nossas pesquisas de opinião mostraram que iríamos perder [...] então eu incluí as palavras 'rei' e 'monarquia' na Lei de Reforma Política de 1977 [que preparou o caminho para a transição espanhola], e desse modo pude dizer que já havia sido votado", revelou o ex-líder, cobrindo o microfone com a mão.

A entrevista só seria publicada em 2016, e o referendo jamais se realizou.

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