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Especialistas descartam risco de "bolivarianismo" no STF

Marina Estarque12 de novembro de 2014

Independência de interesses políticos pode ser comprovada na maioria dos posicionamentos do tribunal, dizem juristas. Porém, processo de nomeação para a corte deveria ser mais democrático.

Foto: Fotolia/Sebastian Duda

A composição do Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a debate nas últimas semanas, após a recente articulação do Congresso Nacional para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional 457/06, mais conhecida como PEC da Bengala. A proposta visa postergar a aposentadoria compulsória de juízes, estendendo de 70 para 75 anos o limite de idade.

Aprovada em 2005 pelo Senado, a PEC aguarda votação no plenário da Câmara. Encabeçada por setores do PMDB, a medida pretende impedir a nomeação de cinco novos juízes até o fim do governo de Dilma Rousseff. Caso contrário, em 2016, os governos do PT terão escolhido todos os ministros da corte, exceto Gilmar Mendes, que foi indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Declarações de Mendes ao jornal Folha de S. Paulo no início deste mês contribuíram para acirrar o debate em torno da PEC da Bengala. O ministro disse temer que o STF se "converta numa corte bolivariana", em alusão às políticas intervencionistas de Hugo Chávez na Venezuela. Mendes afirmou que há risco de o STF apenas vir a "cumprir e chancelar o que o governo quer".

Especialistas consultados pela DW Brasil consideram essa hipótese improvável. Eles argumentam que ter uma corte com a maioria dos ministros nomeados pelo PT é uma consequência natural do sistema político brasileiro, em que o presidente da República tem a prerrogativa de indicar os membros do tribunal.

"Se o PSDB tivesse continuado no poder, o fenômeno seria idêntico, só mudaria a legenda. Não é influência ou manobra partidária, é o nosso sistema que funciona dessa forma", diz Jorge Radi, professor de direito constitucional da PUC-SP.

Radi considerou a declaração de Gilmar Mendes infeliz. "É um desrespeito com os seus colegas de corte, porque ele está dizendo, direta ou indiretamente, que outros ministros não gozam da independência que a Constituição lhes atribui."

Segundo Rubens Glezer, advogado e coordenador do projeto Supremo em Pauta, da FGV, a estrutura do tribunal protege os ministros de influências do Executivo. Ele cita a estabilidade no cargo, já que os juízes só podem ser retirados da função por meio de impeachment.

O advogado ressalta também que o STF não depende do Executivo para a definição do seu orçamento. "O tribunal propõe e quem avalia é o Legislativo. Por isso, o STF fica mais imune às usuais barganhas de interesses, que existem, mas em outro nível."

Ambos os especialistas lembram ainda que um suposto aparelhamento do STF dependeria da atuação do Senado, já que, após a indicação, os ministros passam por uma sabatina na casa.

"Na sabatina pública, o candidato é submetido a uma investigação quase extenuante de todos os aspectos da vida dele. Então, o Senado também faz parte desse sistema bolivariano?", questiona Radi.

Independência dos ministros

Segundo os especialistas, a premissa de que um ministro seguiria os interesses do partido que o nomeou é falsa. Glezer destaca que seria muito difícil escolher ministros que se comportassem exatamente como o governo quer, em todos os casos.

"Por exemplo: o ministro Ricardo Lewandowski, que defendia a absolvição dos réus do mensalão, está agindo contra o governo em casos tributários, que podem dar prejuízos bilionários ao orçamento da União", diz Glezer. "Os perfis dos ministros são muito diferentes."

Radi defende que é possível comprovar essa independência na maioria dos posicionamentos do STF, entre eles o próprio mensalão. Ambos os juristas destacam o julgamento como um exemplo da independência da corte, já que foram condenados dirigentes do PT de alto escalão, mesmo com uma maioria de ministros indicados pelo partido.

"Não há uma força bruta impondo condutas ao STF. Há, sim, discussões de teses jurídicas, e é o que aconteceu no julgamento do mensalão", aponta Radi.

Críticas ao modelo de nomeação

Ainda que não temam uma influência do Executivo sobre o tribunal, os analistas fazem críticas ao processo de nomeação. Para Glezer, falta transparência na escolha, que deveria ser discutida com a população. "O nome é escolhido às escuras e, uma vez indicado, se passa rapidamente para a sabatina. Não dá tempo de a sociedade debater a indicação."

Radi sugere que o modelo poderia ser mais democrático, por meio de seleções prévias. "Por exemplo, no STF, os ministros vêm de vários setores diferentes. Quando vêm da advocacia, a OAB indica seis pessoas capacitadas. No tribunal, a lista é cortada pela metade, e os três restantes são apresentados ao presidente, que escolhe um", explica.

Radi também apoia a PEC da Bengala. Ele considera que a medida permitiria manter quadros experientes no funcionalismo público. "O limite de idade foi calculado há muito tempo, quando a expectativa de vida era bem menor. Alguns ministros estão no auge aos 70 anos, com uma maturidade que poucos têm, justamente pela vivência", diz.

Glezer destaca que a sabatina dos ministros pelo Senado mudou com o passar dos anos, tornou-se mais rígida e deixou de ter um caráter "homologatório". "A sabatina da ministra Rosa Weber foi bastante agressiva. Está longe do ideal, mas foi uma mudança significativa. Seria uma ruptura se o Senado rejeitasse algum candidato, mas não é uma aprovação tranquila."

De fato, o PMDB ameaça barrar a indicação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, cotado para uma vaga no STF. Afinal, o partido tem a maior bancada no Senado.

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