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Espetáculo "Urbanscapes" questiona a maneira como vivenciamos a cidade

21 de setembro de 2012

Partindo de Cage e Thoreau, Jörg Matthaei e Ingo Ruelecke criam um passeio coreografado em uma inóspita área de Berlim e convidam o espectador a olhar, ouvir e viver o caos da paisagem urbana com outra perspectiva.

Foto: Merlin Nadj-Torma

Vivemos cercados de uma natureza construída por nós mesmos. Existe escapatória para essa realidade ou é necessário somente enxergá-la com outros olhos?

Essas questões são o ponto de partida do coreógrafo Ingo Ruelecke e do diretor Jörg Lukas Matthaei no espetáculo Urbanscapes, em cartaz em Berlim até domingo (23/09). A dupla colabora regularmente há mais de 12 anos e trabalha frequentemente com projetos desenvolvidos especialmente para espaços alternativos.

"Como comemoramos o centenário do músico John Cage neste ano, queria fazer algo nessa direção. Quando comecei a pesquisar, entrei em contato com o trabalho de Henry Thoreau. Achei interessante como ele foi trocando a 'civilização' pela natureza. Queríamos encontrar alguma natureza nesse contexto enlouquecedor da cidade grande", disse Ingo Ruelecke à DW Brasil.

Henry David Thoreau foi um autor e filósofo norte-americano que viveu no século 19. Ele é conhecido principalmente pelo seu livro Walden, uma reflexão sobre a vida simples na natureza, e pelo seu ensaio Desobediência Civil, que defendia a desobediência individual como forma de oposição a um estado injusto.

"Não só a música é nossa inspiração, mas na maneira como Cage pensava diferentes formas de arte. Queríamos fazer como Thoreau e voltar para a natureza, só que nossa paisagem é Berlim, uma área densamente populosa e com uma arquitetura planejada. Queríamos usar a cidade da mesma maneira que ele usou a natureza", explicou Jörg Lukas Matthaei.

Variações coletivas

Espetáculo acontece na região ao redor da praça Innsbrucker Platz no bairro de SchönebergFoto: Merlin Nadj-Torma

O processo de realização do espetáculo durou mais de um ano. Eles andaram pela cidade com coreógrafos e músicos procurando o lugar ideal para desenvolver Urbanscapes. "Queríamos nos aproximar da paisagem urbana. Explorar, encontrar e dividir ideias andando pela cidade", disse o coreógrafo.

A imprevisibilidade da cidade e de trabalhar em uma situação tão exposta é uma das veias motoras do espetáculo, que está sujeito a condições climáticas, interrupções do trânsito ou de pedestres. Flexibilidade de equipe e elenco era imprescindível para o sucesso do projeto.

"Assim como no trabalho de Cage, estamos sujeitos a variações. A composição em tempo real me interessa muito. Gosto de coisas em transformação. Escolhemos coreógrafos que trabalham dessa maneira e conseguem improvisar em situações difíceis. A capacidade desse grupo de se tornar cada vez mais flexível é impressionante", afirmou Ruelecke

A experiência também os fez ficar mais próximos dos sons da cidade. As caminhadas em grupo também serviram para verem como as pessoas reagem à dinâmica de grupo nas ruas. "Passo a passo, construímos o espetáculo. Moldamos toda essa situação via som, linguagem, texto, movimento e diversos outros recursos. Queremos que as pessoas percebam seus arredores", completou o coreógrafo.

Lugar inóspito

Innsbrucker Platz é muito mais que uma praça no sul de Berlim. A área é um dos espaços mais urbanizados no centro da cidade, sendo a intersecção de grandes avenidas com a rodovia que circunda Berlim. Além de também conectar as linhas de trem e do metro. Esse foi o local escolhido para Urbanscapes acontecer.

"Tentamos diferentes locações, em diferentes partes de Berlim. Queríamos um lugar que pudesse potencializar a percepção do espaço urbano. Aqui é uma área não muito conhecida na cidade", disse Matthaei.

O conceito de beleza ou de espetacular parece não existir na área à primeira vista, mas os realizadores questionam a possibilidade de processar esse meio. "Não desenvolvemos nosso trabalho em um teatro, usamos a cidade como pano de fundo. Passamos quase todo o tempo de ensaio aqui. Tentamos diferentes situações, composições e locais. Queremos fazer um intercâmbio com os que nos rodeia. Queremos moldar a percepção do público de diferentes maneiras", completou o diretor.

Pequenos tesouros

A praça ensolarada foi o começo do passeio. Nos fones de ouvido sem fio, acontecia uma conversa quase banal e dissimulada.

Quando a bicicleta que carrega o violoncelista e designer de som Klaus Janek começa a se mover, somos levados a outra realidade. Uma linda rua arborizada, cheia de prédios antigos. Um outro lado da cidade vai entrando nos poros e a interação dos coreógrafos começa lentamente a aparecer.

Poucos minutos depois, um cruzamento revela para quem devemos olhar. Nesse momento pessoas que estavam ao redor, havia algum tempo, se tornam condutores da natureza da cidade. As vozes que entram em nos ouvidos, textos de Thoreau, vêm dos microfones dos coreógrafos principais. A coreografia às vezes cria o ruído do atrito.

Românticos Urbanos

Os coreógrafos Katharina Meves e Franz Rogowski em uma das cenas de "Urbanscapes"Foto: Merlin Nadj-Torma

Uma espécie de Alice (Katharina Meves) conduz o público para uma passagem sobre a estrada, sem nenhuma maravilha, e revela os movimentos do coreógrafo Franz Rogowski. O belo por do sol do fim do verão e a rodovia olham fixamente de volta. "Fazemos uma jornada noite adentro, então toda a atmosfera da cidade muda. Somos algo como românticos urbanos e brincamos com essas mudanças", confessou Matthaei.

À noite, o grupo volta para a praça e a quadra esportiva vira uma espécie de jaula, onde as silhuetas se movem. Lanternas iluminam o solo de Rogowski e Meves. Momentos depois, o grupo está em um túnel de tijolos onde, de um lado, fica a violinista Biliana Votchkova, do outro, a plateia. No meio, uma moto barulhenta.

A caminhada continua, os coreógrafos andam entre o público. Falam como um fluxo de consciência. Há um encontro com um grupo de dança na rua. Pessoas dançam o folclore de seu país de origem. Acaso ou encenação? Não importa. O espaço urbano está aberto a todas as possibilidades.

Nossa natureza humana

A busca da natureza da cidade ou na cidade continua. Os heróis, guerreiros e sobreviventes urbanos são como a consciência e a realidade. Eles todos entram em uma saída abandonada da estrada, coberta pelo mato. Suas pequenas luzes são como o último sopro de vida. E assim eles desaparecem. O público apenas observa.

"Como fã da natureza, eu fico feliz em confrontar o público com essa beleza. Queremos que esse caminhada gere algo intenso no corpo humano. Trabalhar a percepção para vermos que o que vemos está em transformação. Usar elementos do teatro e da dança de forma experimental é um grande e recompensador desafio", concluiu Ruelecke.

A jornada termina em um exótico, e de certo modo acolhedor, karaokê asiático sob os trilhos do trem, onde público, equipe e elenco sentam, comem pão com manteiga e tomam cerveja. Outra maneira de experimentar todas as possibilidades e pequenos segredos da nossa paisagem urbana.

Autor: Marco Sanchez

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