Espionagem americana a Merkel pode ter base legal
28 de outubro de 2013A Segunda Guerra Mundial terminara apenas dez anos antes quando, em 1955, a recém-fundada República Federal da Alemanha (RFA) obteve sua soberania nacional plena, com a entrada em vigor do Tratado de Bonn, assinado em conjunto com Estados Unidos, Reino Unido e França.
Ao mesmo tempo, a Alemanha também concedeu diversos direitos aos aliados. Como revelou o historiador Josef Foschepoth em 2012, os alemães permitiram operações extensas dos serviços secretos em território nacional, além de concordar com o controle de suas comunicações postais e telefônicas. "Essas estipulações são válidas até hoje e vinculativas para todo governo federal", diz Foschepoth à DW.
Em outras palavras: até um eventual grampeamento do telefone celular da chanceler federal Angela Merkel teria uma base legal. O historiador afirma que, se por um lado os documentos secretos da década de 50 não dizem explicitamente que os serviços secretos americanos têm permissão para espionar o governo alemão, por outro o procedimento não está claramente proibido.
No Tratado de Bonn, o então chefe de governo alemão, Konrad Adenauer, concedeu aos aliados uma cláusula reservada, que excluía um retorno do país à inviolabilidade de seu sigilo postal e telefônico, como está previsto na Lei Fundamental alemã.
"Desse modo, criou-se um grande complexo de serviços de informações entre alemães e aliados", explica. Em última análise, a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA cresceu na RFA, Estado no front da Guerra Fria, resume Foschepoth. Até hoje, a agência mantém centrais na Alemanha, por exemplo na cidade de Wiesbaden.
Protestos e desculpas
Entretanto, é controverso se os acordos daquela época ainda se aplicam hoje às ações dos serviços americanos na Alemanha. Nikolaos Gazeas, especialista em direito internacional da Universidade de Colônia, diz respeitar o trabalho de pesquisa de Josef Foschepoth, porém não compartilha suas conclusões.
"Mesmo partindo-se do princípio que, na ocasião, tal direito especial tenha sido concedido aos aliados, quando se fecha um tratado é também preciso levar em consideração a vontade das partes, a qual, mesmo na época, não poderia ser de que o governo alemão fosse espionado", pondera. Portanto, afirma o especialista, não se pode deduzir que o tratado implicasse a interceptação das comunicações da chanceler federal em 2013.
Também é questionável se esses acordos de fato mantêm sua validade até hoje. Além disso, um acerto mútuo pode se tornar inválido se uma das partes se pronunciar contra. Segundo Gazeas, esse pode ter sido o caso por ocasião das queixas de Berlim, em meados deste ano. A NSA, por sua vez, admitiu ter errado e pediu desculpas.
Para evitar tentativas de interceptação de dados entre aliados no futuro, os Estados europeus vêm elaborando os assim chamados "pactos no-spy", em que as partes envolvidas prometem não se espionar mutuamente.
A Alemanha e a França – igualmente atingida pelas operações de grampeamento – tencionam também fechar acordos semelhantes com os EUA.
"Um consenso desses, que também seria um acordo no âmbito do direito internacional, fixaria, preto no branco, que a espionagem do governo federal alemão é absolutamente inadmissível. Assim, também estariam eliminadas as últimas dúvidas sobre a punibilidade de tal procedimento", elogia Gazeas.
Relações bilaterais abaladas
Do ponto de vista penal, a interceptação do celular de Angela Merkel é especialmente relevante sob o aspecto da espionagem. De acordo com o Parágrafo 99 do Código Penal alemão, uma "atividade como agente de um serviço secreto" é passível de pena de até dez anos de prisão nos casos mais graves.
Contudo, é antes improvável que se chegue a tal ponto. "Estou certo de que uma ação jurídica não se concluiria com uma acusação contra cidadãos americanos, mas sim com a suspensão do processo", prevê Gazeas.
As consequências diplomáticas são, naturalmente, bem outras. Num passo inédito na história recente dos dois países, o ministro alemão do Exterior, Guido Westerwelle, convocou o embaixador dos EUA. E Merkel conversou diretamente com o presidente Barack Obama por telefone.
Possivelmente terá que passar algum tempo até que o bom relacionamento entre alemães e americanos se restabeleça – independentemente de o direito internacional abonar ou não as operações de espionagem do serviço secreto dos EUA.