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"Essa foto me ajudou a fazer algo para proteger as crianças"

Gönna Ketels
13 de fevereiro de 2019

Depois de ficar famosa por aparecer numa das imagens mais emblemáticas da Guerra do Vietnã, Kim Phuc dedicou sua vida a ajudar crianças traumatizadas pela guerra. Ela é homenageada em Dresden por seu trabalho.

A vietnamita Kim Phuc segura a notória fotografia que mostra ela, ainda garota, fugindo de um bombardeio americano na Guerra do Vietnã
A vietnamita Kim Phuc recebeu o Prêmio da Paz de Dresden, em reconhecimento ao seu comprometimento humanitárioFoto: DW/G. Ketels

Pessoas correm para fugir de um mar de chamas e, ao fundo, vê-se uma aldeia reduzida a entulho e cinzas. No centro, uma garota nua, que teve suas roupas queimadas, grita em agonia.

A imagem capturada pelo fotógrafo Nick Ut se tornou um ícone dos horrores da Guerra do Vietnã e foi premiada com um Pulitzer. Após registrar o momento, Ut levou as crianças feridas para um hospital em Saigon, cidade que desde 1975 leva o nome de Ho Chi Minh.

A garota, Kim Phuc, sobreviveu, mas com queimaduras graves que exigiram várias operações. Mais tarde, ela foi procurada e usada como propaganda do Estado pelo regime comunista no Vietnã.

Em 1992, em um voo de Cuba para a Rússia, Kim Phuc e seu marido saíram do avião durante uma escala no Canadá e solicitaram asilo político. Em 1997, ela se tornou cidadã canadense e fundou a Kim Foundation Internacional, uma organização que oferece assistência médica e psicológica a crianças traumatizadas pela guerra.

Nesta semana, Kim Phuc recebeu o Prêmio da Paz de Dresden, em reconhecimento ao seu engajamento humanitário. O prêmio, entregue anualmente desde 2010 na famosa Ópera Semper, visa manter viva a memória do desastroso bombardeio em Dresden entre 13 e 15 de fevereiro de 1945 e servir como lembrete do custo humano de uma guerra.

"Vivemos em tempos em que o ódio está à solta. Mas são as vítimas da violência e da guerra que repetidamente renunciam ao ódio. E assim demonstram a grandeza humana, para a vergonha dos pregadores do ódio", afirmou o comitê do prêmio. "Kim Phuc Phan Thi mostrou tamanha grandeza e se tornou um exemplo mundial."

No centro de uma das fotos mais famosas a fuga desesperada de Kim Phuc, então com nove anos, de bombas americanasFoto: picture-alliance/AP Photo/N. Ut

DW: Você se lembra da primeira vez que viu a foto?

Kim Phuc: Sim, lembro-me muito bem. Foi quando voltei para casa vinda do hospital. Meu pai me deu [a fotografia] e disse: 'Kim, esta é você na foto?' A primeira vez que vi, não pude acreditar – que a foto havia sido tirada daquela maneira. 

Como garota, senti-me envergonhada: por que eu estava nua e meus irmãos, primos, com roupas? E vi tamanha desesperança e agonia. Pensei que a foto era muito feia e não gostei. Desejei que ele [o fotógrafo] não a tivesse tirado.

Quando esse pensamento mudou?

Bem, depois eu entendi que a foto teve um grande impacto nas pessoas. Agora não me sinto constrangida como antes, mas não significou muito para mim até o momento em que tive um filho.

Eu tive meu bebê, o segurei, olhei para a foto e disse: 'Como ousam? Como eu poderia deixar crianças sofrerem assim? E não apenas meu bebê, mas crianças ao redor do mundo. Não quero que as crianças sofram como aquela garotinha.'

Então, daquele ponto em diante, isso realmente me tocou. Essa foto se tornou tão poderosa para mim. Tenho que retornar para aceitá-la e trabalhar pela paz. Essa é minha escolha. Quando a foto foi tirada, não tive escolha. Mas agora tenho liberdade, tenho família, tenho meu bebê. Essa foto me ajudou a decidir fazer algo para proteger as crianças.

Quando você olha para a foto agora, o que você vê?

Eu posso ver o desespero, a dor, o terrível sofrimento das crianças – eu e meus irmãos chorando. Posso sentir o cheiro do fogo, a fumaça, o ardor. Mas agora estou tão agradecida que passei por isso. Era para eu estar morta. Mas sou muito grata por ainda estar viva, e isso mantém viva a foto.

Você consegue descrever o que aconteceu naquele dia? Como sua vida mudou?

Eu tinha 9 anos e tinha terminado a terceira série [na escola]. A guerra chegou à nossa aldeia, e minha família se escondeu no templo por três dias. Nós só fomos autorizados a brincar nas proximidades do abrigo antibombas. Lembro que almoçamos e, depois da refeição, os soldados gritaram para as crianças que corressem.

Eu fui uma das crianças que correu para a frente do templo. Então eu vi o avião. Tão barulhento! Tão perto de mim e tão rápido! Eu deveria correr, mas apenas fiquei ali, parada. Virei a cabeça e vi a queda de quatro bombas. Tudo foi muito rápido.

Em seguida havia fogo por toda parte – e o fogo realmente queimou minhas roupas. Usei minha mão direita para apagar chamas em meu braço esquerdo. Pensei: 'Oh, meu Deus! Eu me queimei, vou ser feia'. Pensei que as pessoas iriam me ver de um jeito diferente.

E naquele momento eu estava tão apavorada que simplesmente continuei correndo do fogo. Eu vi meus irmãos, meu primo, alguns soldados, e continuamos correndo e correndo. E, claro, aquele momento, aquela foto e aquele dia mudaram minha vida para sempre.

Pode descrever de forma mais detalhada como isso mudou sua vida?

Minha pele nunca mais foi a mesma. Tive de lidar com tanta dor quando criança, mas não chorei. Fiquei no hospital por 14 meses e passei por 16 operações. Depois passei por mais uma operação na Alemanha para melhorar o movimento na minha pele.

Eu perdi toda a minha infância. Perdi um ano de escola. Tive tantos pesadelos, muita dor. E é claro que perdemos tudo no ataque. Nós mal sobrevivemos.

Kim Phuc em 2014, ao lado do fotógrafo Nick UtFoto: picture alliance/ZUMA Press/R. Chiu

Aos olhos do mundo, você foi vista como uma vítima. Você se sentiu uma vítima?

Quando criança, eu não me sentia assim. Não pensava muito sobre isso. Mas, como adolescente, sim. Sentia como se estivesse presa nisso. Via minhas cicatrizes e tive que lidar com a dor. Mais tarde, tive que lidar com outro tipo de atrocidade: o governo vietnamita começou a me usar como propaganda. Não podia mais ir à escola. Não pude realizar meu sonho. Eu estava sob controle o tempo todo.

Sim, eu fui uma vítima – não apenas da guerra, mas de outro tipo de poder. Foi realmente miserável, mas por causa disso sou tão agradecida agora que passei pela guerra. Eu sei o valor da paz. Hoje, eu valorizo a liberdade.

Agora está muito envolvida em ajudar crianças vítimas de guerras. Por que isso é tão importante para você?

Eu fui uma das milhões de crianças que são vítimas de guerra em todo o mundo, mas as pessoas me deram um futuro. Graças a Deus ainda estou viva – mas não com tristeza, amargura e ódio, mas com o amor das pessoas ao meu redor. Elas me inspiram, e agora tenho a oportunidade de retribuir.

Eu posso dizer a essas crianças: 'Eu estava lá, onde você está agora, e eu quero ajudar. Quando você falar sobre dor, eu entendo. Quando você fala sobre ódio e violência, eu entendo. O que você precisa é paz e alegria'. Eu quero ajudar [as crianças] não apenas por causa da minha missão, mas porque eu as amo.

Ao olhar para o mundo de hoje, você sente que as coisas estão melhorando ou que há ainda mais com o que se preocupar?

Estou muito feliz que muitas pessoas fizeram tanto, mas ainda há muito a ser feito. Ainda temos esperança de tornar o mundo um lugar melhor para se viver. Se todos puderem aprender a viver com amor, com esperança e perdão – se todos puderem fazer isso não precisamos de guerra alguma. Se a garota da foto pôde fazer isso, então todo mundo também pode.

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