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Esporte

Estádios cheios na Alemanha: realidade ou mito?

23 de abril de 2019

Os números da Bundesliga despertam inveja em qualquer país do mundo: nenhum outro campeonato tem média tão alta de público pagante. Mas imagens de cadeiras vazias são cada vez mais frequentes. Uma tendência preocupante.

O estádio do Dortmund recebe em média 80 mil pagantes, como no último dia 13 de abril, diante do Mainz
O estádio do Dortmund recebe em média 80 mil pagantes, como no último dia 13 de abril, diante do MainzFoto: Getty Images/A. Grimm

Entra ano, sai ano, e a Bundesliga orgulhosamente apresenta estatísticas comprovando que o Campeonato Alemão é indiscutivelmente um enorme sucesso de público. Christian Seifert, diretor executivo da DFL (Liga Alemã de Futebol), esbanja confiança: "Temos jogos muito bons nas duas divisões com muitos talentos individuais. O torcedor sabe disso, e comparece em massa aos estádios".

Na temporada 17/18, por exemplo, compareceram 13,5 milhões de torcedores para ver as 306 partidas, uma média de 44,5 mil espectadores por jogo. O campeão de público foi o Borussia Dortmund, com quase 80 mil pessoas lotando o Signal Iduna Park cada vez que o time auri-negro entra em campo. Logo depois vem Bayern Munique (75 mil) e Schalke 04 (61 mil).

São números com os quais outras grandes ligas pelo mundo continuam apenas sonhando. A Premier League é a que mais se aproxima da Bundesliga no quesito público. Na temporada passada, compareceram por jogo em média 38 mil torcedores aos estádios ingleses.

Os três outros importantes campeonatos europeus atraem um público bem menor por jogo: Espanha (27 mil), Itália (25 mil) e França (22,5 mil).

Há diversas razões para este alto comparecimento aos estádios alemães. De modo geral, são arenas modernas com muito conforto para torcedores de qualquer faixa etária e com espaço para o torcedor "raiz" que prefere ficar em pé para assistir as partidas. Na arena do Borussia Dortmund, por exemplo, dos 81.365 lugares, 28.337 são da mundialmente famosa Muralha Amarela, onde todo mundo fica em pé antes, durante e após o jogo.

Outro fator é a venda antecipada de carnês para toda a temporada. Assim que o calendário estiver definido, o carnê já pode ser adquirido para os 17 jogos que o respectivo clube disputar em casa. Além da vantagem de garantir o seu lugar numerado, o torcedor ainda conta com um desconto sobre o preço normal do ingresso.

Em média, 50% dos ingressos são vendidos através desta modalidade de carnês. No caso de Dortmund e Schalke, o porcentual da pré-venda chega a aproximadamente 70%.

Mesmo com esta procura intensa por ingressos, porém, há pelo menos três temporadas se nota que, em muitos casos, os estádios não estão totalmente lotados. A diretoria da Liga afirma que a média de ocupação nas partidas da primeira divisão foi de 91,3% na temporada passada.  

Arquibancadas vazias no estádio do Leipzig: cena vem sem tornando mais comum na Bundesliga Foto: picture-alliance/dpa/J. woitas

Só que os números divulgados pela Liga e pelos clubes contemplam a quantidade total de ingressos vendidos, e não o número de pessoas presentes no estádio. Fica caracterizada assim uma distorção estatística.    

Quem assiste ao Campeonato Alemão aqui no Brasil pela TV deve ter notado que ultimamente podem ser vistas imagens com as arquibancadas apenas parcialmente lotadas ou com espaços totalmente vazios. Acontece até em jogos com a participação de clubes de grande apelo popular, como Bayern Munique, Borussia Dortmund e Schalke 04.

Um dos motivos apontados é que parte dos torcedores proprietários de carnês "cabulam" alguns jogos de sua equipe. Isso costuma acontecer quando o tempo não ajuda ou quando o adversário é considerado muito fraco. É o assim chamado "torcedor no-show". Tem o carnê previamente pago, mas não comparece por puro comodismo. Prefere ficar em casa acompanhar tudo pela TV ou pelos serviços de streaming na internet, confortavelmente instalado no sofá e tomando sua cervejinha. 

O professor Dominik Schreyer, da Universidade de Düsseldorf, calcula que o índice de "torcedor no-show" é de aproximadamente 10,5%, o que reduziria drasticamente a ocupação dos estádios alemães de 91% para "apenas" 82%.

Ainda é uma percentagem alta em comparação com outras ligas, mas a tendência decrescente preocupa. Há dois anos, de um total de 306 jogos, 146 contaram com a lotação esgotada. Na temporada seguinte, foram apenas 123, e no primeiro turno da atual, das 153 partidas, apenas 52 tiveram casa totalmente cheia.

Os sinais do decréscimo de público presente nos estádios são um primeiro alerta para a Liga e os clubes. Há um descontentamento da torcida porque os canais de comunicação entre fã-clubes e dirigentes foram unilateralmente silenciados pela federação. Também com os clubes os torcedores não estão nada satisfeitos. Criticam a extrema mercantilização do futebol tratado como se fosse apenas um produto a ser vendido, percebem que são vistos como meros consumidores e não entendem as somas milionárias pagas aos jogadores.

Para o torcedor, "o negócio chamado futebol se transformou num exclusivo mundo paralelo, distante a anos-luz do cotidiano do cidadão comum", diz o jornalista Reinhard Rehberg, que há muitos anos acompanha o futebol alemão e, mais especificamente, o Mainz 05. O afastamento contínuo dos estádios seria apenas a consequência natural.

Talvez seja por isso que as torcidas de clubes como o St. Pauli (Hamburgo) e Union Berlin não fazem muita questão de que seus times subam para a primeira divisão. Percebem que na Segundona ainda se respira o futebol do tipo "gente como a gente".

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no TwitterFacebook e no site Bundesliga.com.br

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