Em entrevista, Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel fala sobre campanha para que Lula receba o prêmio, que conta com mais de 200 mil assinaturas. É preciso mostrar como o Brasil melhorou no governo do ex-presidente, diz.
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Agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1980 por lutar pelos Direitos Humanos na América Latina, o argentino Adolfo Pérez Esquivel lançou, no início deste mês, uma campanha para recolher assinaturas e apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Nobel da Paz em 2019.
O texto, endereçado à comissão julgadora do prêmio, lista ações do petista enquanto presidente. A campanha, hospedada no site change.org, já conseguiu juntar mais de 220 mil assinaturas.
"Lula merece o Prêmio Nobel da Paz, e tendo em conta a diminuição de direitos em voga, é necessário mostrar como as coisas melhoraram com ele, e a falta de democracia que existe hoje no Brasil", argumenta Esquivel em entrevista à DW Brasil. O argentino estará no Brasil a partir desta quarta-feira (18/04) e tentará se reunir com Lula na superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
DW Brasil: Como surgiu a proposta de campanha para o ex-presidente Lula ao Prêmio Nobel?
Adolfo Pérez Esquivel: Há alguns anos, solicitei o Prêmio Nobel da Paz para Evo Morales, presidente da Bolívia, por todo o progresso que ele havia feito no campo social e pelo reconhecimento dos direitos indígenas, que historicamente sempre foram a maioria da população excluída naquele país. Ambos, Evo e Lula, trabalharam para proteger a maioria da população e os grupos minoritários excluídos pelas políticas de exclusão neoliberal. Ambos os governos tiveram um imenso progresso na luta contra a fome, a educação, a saúde e a dignidade de seus cidadãos.
Lula merece o Prêmio Nobel da Paz, e tendo em conta a diminuição de direitos em voga, é necessário mostrar como as coisas melhoraram com ele e a falta de democracia que existe hoje no Brasil. Estão tentando apagar e desfazer os avanços que Lula conseguiu para tornar a humanidade menos desigual.
DW Brasil: Mesmo com as condenações em duas instâncias da justiça brasileira, você acredita na inocência do ex-presidente?
Adolfo Pérez Esquivel: Sim. O caso do tríplex é armado. Ele não possuiu aquela propriedade, não a alugou, nunca viveu lá, seus verdadeiros donos já estão identificados, mas ainda o acusam de ter recebido isso como suborno.
DW Brasil: Existe um movimento para que o papa Francisco apoie a campanha de Lula ao Nobel?
Adolfo Pérez Esquivel: O papa Francisco está preocupado com a situação no Brasil, e ele me disse isso depois do golpe contra Dilma Rousseff, em 2016. Eu o encontro com frequência e posso assegurar-lhe que o que acontece no Brasil não é estranho para ele.
DW Brasil: Qual é a sua expectativa em relação à comissão de julgamento do Nobel na Suécia? Quais são os próximos passos, depois de reunir as assinaturas?
Adolfo Pérez Esquivel: Infelizmente, poucas pessoas no mundo podem postular candidatos ou instituições ao Nobel. Vencedores do prêmio, como eu, têm essa prerrogativa. Eu quis compartilhar a carta com a comunidade internacional para mostrar que não é o Adolfo Pérez Esquivel quem está apresentando esse pedido, mas milhares de pessoas no mundo que também concordam com isso. Já recebemos a notícia de que o egípcio Mohamed El Baradei, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2005, se juntou à campanha. Esses avanços podem ajudar a convencer pessoas hesitantes a fazer o mesmo e a apoiar o ex-presidente Lula.
DW Brasil: Com a possibilidade real de Lula não se candidatar, você acredita que a esquerda brasileira deva se unificar em um único projeto ou candidato?
Adolfo Pérez Esquivel: As forças democráticas devem se unir no Brasil e na América Latina. É importante. Os detalhes serão decididos pelas forças políticas de cada país.
DW Brasil: Você virá ao Brasil nos próximos dias? Há o desejo de visitar o ex-presidente Lula?
Adolfo Pérez Esquivel: Estarei no Rio de Janeiro, devido à grave situação da cidade, em relação à intervenção militar, e depois viajarei para Curitiba para tentar visitá-lo junto com outros parlamentares do Mercosul.
DW Brasil: Você costuma dizer que a América Latina sofreu "golpes blandos (suaves)" nos últimos anos. Como eles são caracterizados?
Adolfo Pérez Esquivel: Estamos vivendo um plano de golpes na América Latina que deixou de ser militar e se tornou muito mais sofisticado, desde a tentativa fracassada de 2002, na Venezuela. Existem as características conjunturais de cada país, mas, em geral, o golpe envolve alianças entre os poderes Legislativo e Judicial, a mídia hegemônica e algumas ONG's financiadas por grupos estrangeiros. Eles fazem lobby na opinião pública para que certos atores com o poder do Estado possam agir arbitrariamente e violar o estado de direito. Dessa forma, eles derrubaram governos com golpes parlamentares em Honduras, Paraguai, Brasil. Utilizaram rebeliões policiais para desestabilizar os governos da Bolívia, Equador e Argentina. Nesse momento, principalmente na Argentina e no Brasil, há um processo de criminalização dos partidos progressistas, para que eles não possam disputar as eleições em seus respectivos países. Não é apenas a situação crítica de Lula. Na Argentina, intervieram judicialmente o Partido Justicialista, principal sigla de oposição. Em outras palavras, agora o governo Macri controla o partido da oposição com a ajuda do Judiciário. Essas coisas não são coincidências.
DW Brasil: Você recebeu o Prêmio Nobel pela defesa dos direitos humanos na América Latina. Tivemos recentemente no Brasil o assassinato da vereadora Marielle Franco, que lutava por causas semelhantes à sua. Qual é a situação dos direitos humanos na América Latina atualmente?
Adolfo Pérez Esquivel: A América Latina tem muitos mártires que lutaram pela vida, e Marielle é um deles. A situação é séria, estamos enfrentando fortes reveses, mas sempre há esperança e resistência que nos dão força para continuar a luta.
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A trajetória política de Lula
Das greves no ABC à Presidência. Da condenação pela Lava Jato ao terceiro mandato. Os principais momentos políticos na vida de Luiz Inácio Lula da Silva.
Foto: Getty Images/AFP/C. Petroli
Lula e as greves do ABC
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e ganhou projeção nacional ao liderar uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após comandar uma paralisação que durou 41 dias. Lula ficou 31 dias no cárcere do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social).
Foto: Instituto Lula
Fundação do PT
Em 10 de fevereiro de 1980, pouco antes de ser preso, Lula ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio de intelectuais e sindicalistas. Em maio do mesmo ano, ao sair do cárcere, foi eleito o primeiro presidente do partido. O pernambucano, então, ingressaria de vez na política: em 1982, concorreu ao governo de São Paulo e, em 1986, foi eleito deputado constituinte.
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A campanha de 1989
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em vários setores da economia, que se alinharam ao candidato Fernando Collor. O petista foi derrotado no segundo turno, depois de uma campanha que envolveu acusações de manipulação da imprensa a favor de Collor.
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A campanha de 1994
No embalo das primeiras denúncias de irregularidades no governo Collor, Lula lançou, em 1992, o movimento "Fora Collor" em apoio ao impeachment. Em 1994, concorreu novamente à Presidência, com Aloizio Mercadante como vice, mas foi derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), lançado como "pai do Plano Real". O PT, por outro lado, elegia seus primeiros governadores (DF e ES).
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A campanha de 1998
Em 1998, Lula sofreu uma de suas piores derrotas eleitorais. À época, o petista teve como candidato a vice o ex-governador Leonel Brizola (PDT), um dos seus rivais na eleição de 1989 e com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos, e o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito com 53% no primeiro turno.
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A posse de Lula
O eterno candidato do PT finalmente assumiu a Presidência em janeiro de 2003, após oito anos de governo do PSDB. Lula foi eleito com 61% dos votos válidos no segundo turno. A vitória foi alcançada após uma campanha que vendeu uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados e ampliar o eleitorado do partido.
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Economia em alta
Após as turbulências no final do governo Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, embalada sobretudo pelo boom das commodities. Foi o período da descoberta do pré-sal e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%. O bom momento catapultou a popularidade de Lula, que chegou a 87% no final de 2010.
Foto: AP
Queda na desigualdade
Os programas sociais lançados por Lula, como Minha Casa, Minha Vida e ProUni, também contribuíram para a popularidade do presidente. O Bolsa Família, criado em 2004 a partir da unificação de outros programas de transferência de renda, se tornaria o carro-chefe. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da zona de pobreza nos oito anos do governo Lula, afirmou um balanço em 2010.
Foto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images
O escândalo do mensalão
Em 2005, o governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o mensalão. Apesar do desgaste, Lula sobreviveu à crise. Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do governo, caíram em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
Foto: picture alliance / dpa / picture-alliance
A eleição de Dilma
Em 2007, logo após ser reeleito com mais de 60% dos votos, Lula começou a preparar o terreno para a sua sucessão. Como sucessora, ele escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto aos brasileiros. A estratégia funcionou, e ela foi eleita em 2010.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC
Prestígio mundial
Durante a Presidência, Lula gozou de prestígio mundial e se reuniu com os mais importantes chefes de Estado do planeta. Em abril de 2009, em um encontro do G20, o presidente dos EUA na época, Barack Obama, cumprimentou o colega e disse: "Adoro esse cara! O político mais popular da Terra". No mesmo ano, Lula apareceu em 33º lugar na lista das pessoas mais poderosas do mundo da revista Forbes.
Foto: AP
Luta contra o câncer
Em outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe, sendo submetido a um agressivo tratamento – pela primeira vez desde 1979, ele aparecia sem a barba. Exames apontaram a remissão completa do tumor cerca de cinco meses depois, e Lula voltou a se engajar nas campanhas do PT. Uma das grandes vitórias eleitorais de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
Foto: AFP/Getty Images
Lula e a Lava Jato
Em março de 2016, Lula foi alvo de um mandado de condução coercitiva na Operação Lava Jato, que investigou escândalos de corrupção na Petrobras. O ex-presidente foi levado para depor sobre um sítio em Atibaia, um triplex no Guarujá e sua relação com empreiteiras investigadas na Lava Jato. No mesmo dia, a PF cumpriu mandados em residências do petista e de sua família, além do Instituto Lula.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Réu em diferentes processos
Nos meses seguintes, Lula foi denunciado por uma série de crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes. O petista sempre desmentiu as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política. Ele também negou ser proprietário dos imóveis investigados.
Foto: picture-alliance/abaca
Morre Marisa Letícia
Em fevereiro de 2017, morreu a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Lula e Marisa se conheceram em 1973, no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ela esteve ao lado do marido durante a sua ascensão política, desde os tempos do sindicato, quando liderou passeata em apoio a sindicalistas presos, passando pela fundação do PT, costurando a primeira bandeira do partido, até a Presidência.
Foto: Reuters/N. Doce
Caravana pelo país
Visando uma nova candidatura à Presidência no ano seguinte, Lula começou em 2017 uma caravana pelo Brasil que reuniu milhares de pessoas. Em junho de 2018, o PT confirmou sua pré-candidatura, mesmo com ele já preso. Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral impediu que ele concorresse. Como sucessor, Lula escolheu Fernando Haddad, que chegou ao segundo turno, mas foi derrotado por Jair Bolsonaro.
Foto: Ricardo Stukert /Instituto Lula
Lula é condenado
Lula foi condenado pela primeira vez em 12 de julho de 2017. A sentença do juiz Sergio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, ligados ao triplex no Guarujá. O TRF-4 confirmou a condenação em segunda instância, além de aumentar a pena para 12 anos e um mês de prisão. Foi a primeira condenação de um ex-presidente por corrupção no Brasil.
Foto: Abr
Derrota no STF
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram, em 4 de abril de 2018, um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Lula para evitar uma eventual prisão após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça Federal. Manifestantes contrários e a favor de Lula foram às ruas por ocasião do julgamento.
Foto: picture alliance/AP Photo/S. Izquierdo
Lula se entrega à PF
Em 7 de abril de 2018, Lula se entregou à Polícia Federal, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, após ordem de prisão expedida por Sergio Moro. Antes de se entregar, Lula fez um discurso acalorado aos apoiadores. De Congonhas, Lula partiu de avião para Curitiba, onde começou a cumprir sua pena.
Foto: Paulo Pinto/Instituto Lula
Vigília em frente à PF em Curitiba
Depois da prisão de Lula, apoiadores do ex-presidente revezaram-se em um acampamento em frente à Polícia Federal de Curitiba, onde ele permaneceu preso. O local recebeu constantes visitas de políticos e de artistas, do Brasil e do exterior. Apoiadores também realizaram caravanas pelo país, com o slogan "Lula Livre". Em fevereiro de 2019, Lula também foi condenado no caso do sítio em Atibaia.
Foto: Ricardo Stuckert
Solto após 19 meses na prisão
Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2019, depois de passar um ano e sete meses na sede da Polícia Federal em Curitiba. A soltura ocorreu após o STF derrubar uma decisão que autorizava a prisão em segunda instância, beneficiando diretamente o petista, que passou a recorrer em liberdade. Após deixar a prisão, Lula fez um discurso para apoiadores repleto de críticas à Lava Jato.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Correa
Supremo anula condenações
Após o fim da prisão, a campanha "Lula Livre" focou na anulação de suas condenações. Os advogados do petista recorreram até o Supremo, alegando que ele era vítima de perseguição judicial. Em abril de 2021, o plenário do Supremo concluiu que Moro não era o juiz competente para atuar nos processos do petista, e dois meses depois decidiu que Moro era parcial. As condenações de Lula foram anuladas.
Foto: Alexandre Schneider/Getty Images
Uma aliança inesperada
A preparação da sexta campanha presidencial de Lula envolveu uma costura política inusitada. O petista e aliados articularam para ter como vice o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que foi filiado ao PSDB por 33 anos e era seu antigo adversário. A aproximação teve o objetivo de atrair o voto conservador e vingou: em abril de 2022, o PSB, novo partido de Alckmin, confirmou sua indicação.
Foto: Ricardo Stuckert/AFP
Em busca do voto anti-Bolsonaro
Lula lançou sua pré-candidatura em maio de 2022, defendendo a união de pessoas de orientações políticas variadas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. No evento, Alckmin prometeu lealdade, disse que o futuro do Brasil "está em jogo" e foi aplaudido pelos petistas.
Foto: NELSON ALMEIDA/AFP
Triunfo na busca por terceiro mandato
Após uma das campanhas mais tensas da história brasileira, Lula conquistou novamente a Presidência. Com apoio de uma frente ampla que reuniu forças de centro e antigos adversários, o petista impôs uma derrota inconteste sobre o extremista de direita Jair Bolsonaro. Aos 77 anos, Lula se tornou o político mais velho a conquistar o Planalto.