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Estatuto do Desarmamento completa 10 anos de resultados questionáveis

Fernando Caulyt26 de julho de 2013

Lei não foi totalmente implementada e falta integração de banco de dados da Polícia Federal e do Exército. Problemas no mapeamento do caminho das armas dificulta elaboração de políticas de segurança mais eficazes.

Foto: picture-alliance/dpa

O Estatuto do Desarmamento completa dez anos em 2013, mas não há muito a ser celebrado. A legislação tornou mais rígido o controle sobre o comércio de armamento, mas o Brasil ainda é o sétimo país com a maior circulação de armas de fogo e dono de uma das maiores taxas de homicídios do mundo. O estatuto, dizem especialistas, tem aspectos positivos, mas sozinho não é suficiente para reduzir a violência.

De acordo com o estudo Mapa da Violência, publicado em 2013, a taxa de homicídios no Brasil – que vinha crescendo de forma sólida desde 1980 e atingiu o pico de 39,3 mil mortes em 2003 – caiu em 2004, ano seguinte à promulgação do estatuto, para cerca de 36 mil. Porém, voltou a subir depois de 2008, oscilando em torno de 39 mil mortes ao ano.

Para Julio Jacobo Waiselfiz, responsável pelo estudo, o estatuto teve um efeito limitado porque não foi complementado por outras medidas que iriam aprofundar o impacto do desarmamento. Segundo ele, faltaram políticas públicas complementares.

"O estatuto tem uma eficácia relativa. Teve um efeito limitado, mas não foi complementado por outras medidas que iriam aprofundar o impacto do desarmamento", diz Waiselfiz.

Outro fator é que o projeto ainda não foi totalmente implementado. Ainda falta, por exemplo, a integração dos dois sistemas de controle de armas do país: o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), que pertence ao Exército.

“O estatuto é uma condição necessária, mas não suficiente para diminuir a violência no Brasil. É decepcionante, porque, apesar da lei, não estamos conseguindo reduzir a violência de maneira expressiva no país”, afirma Maurício Santoro, da Anistia Internacional no Brasil.

População mais armada

Com a entrada em vigor do estatuto, que impôs maior dificuldade para se ter uma arma, o número de registros de armas civis (posse ou porte) e das forças de segurança pública caiu entre 2003 e 2004 de 22.269 para 5.161 registros. Mas, a partir de 2004, houve uma curva ascendente e, em 2012, a Polícia Federal registrou 31.500 armas.

“A sociedade está se armando por causa da falta de confiança e de um sentimento de decepção muito grande com as autoridades. As pessoas não confiam na política de segurança dos estados e do governo federal”, afirma Santoro. “E, assim, a população recorre a essa tentativa ilusória de autoproteção e de tentar resolver o problema por conta própria.”

Nem sempre ter uma arma de fogo em casa é efetivo para se garantir proteção, já que muitas vezes os assaltantes atuam em bando e abusam do fator surpresa. Desta forma, mesmo comprada com o objetivo legítimo de defesa pessoal, a arma acaba caindo nas mãos de criminosos e acaba elevando o número de armamento ilegal em circulação.

Em 2012, a Polícia Federal registrou 31.500 armas no BrasilFoto: picture-alliance/dpa

De acordo com um levantamento realizado em 2007 pela organização suíça Small Arms Survey, o Brasil é o sétimo país do ranking de armas de fogo civil em circulação, tendo cerca de 14,84 milhões. Nas primeiras colocações estão EUA (270 milhões), Índia (46 milhões), China (40 milhões), Alemanha (25 milhões) e Paquistão (18 milhões).

No comparativo de armas civis por grupo de 100 habitantes, o Brasil aparece na 75ª colocação com oito armas. Nas primeiras colocações estão EUA (89 armas/100 habitantes), Iêmen (55/100), Suíça (46/100) e Finlândia (45/100).

Críticas ao controle

Para especialistas, as armas registradas pela Polícia Federal são somente a ponta do iceberg, pois existem milhões de armas em circulação que não foram inscritas. A Suíça, por exemplo, é o terceiro país em quantidade de armas, mas, mesmo assim, os índices de homicídios são baixíssimos. Outro ponto problemático é o controle de fronteiras e o tráfico de armas de fogo no país.

“O estatuto não impediu e não impedirá que os criminosos tenham acesso às armas ilegais, exatamente por serem ilegais. As fronteiras do país são um verdadeiro queijo suíço e diariamente entram armas que vão abastecer o mercado negro”, afirma Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil – que se diz a favor do direito de defesa do cidadão. “Criminosos não compram armas legais e não são pessoas legalmente armadas que cometem esses assassinatos.”

Barbosa diz, ainda, que a lei que prometia maior controle e fiscalização de armas teve efeito contrário ao suposto objetivo, uma vez que jogou na ilegalidade mais de 7 milhões de armas ao exigir a renovação do registro a cada três anos. “As pessoas simplesmente não estão renovando seus registros por questões burocráticas, financeiras e até mesmo por desconfiança.”

Após uma grande queda na venda de armas de fogo de diferentes calibres em 2002 (313.213) em comparação a 2003 (115.927), o comércio de armas no Brasil teve uma curva ascendente a partir de 2004, quando houve a comercialização de 63.674, segundo dados do Exército. Já em 2012, a venda foi de 171.874 armas, quantidade 63% maior em comparação a 2004.

Falhas do governo federal

Entre as várias falhas do governo, segundo especialistas, estão também a falta de um efetivo maior da Polícia Federal para controlar as milhões de armas em circulação no país e uma integração efetiva dos cadastros de armas Sinarm, da PF, e Sigma, do Exército, que deveriam ter sido integrados até julho de 2005.

O Sinarm é responsável pelas armas civis, das polícias federal, civil e legislativa, das guardas municipais, dos agentes penitenciários e das empresas de segurança privada. Já o Sigma inscreve as armas das Forças Armadas, das polícias e bombeiros militares, dos órgãos da Presidência, de colecionadores, atiradores e caçadores.

Ex-presidente Lula sancionou o Estatuto do Desarmamento no final de 2003Foto: Adalberto Roque/AFP/Getty Images

“O controle atual não consegue transpor de forma eficaz para o sistema de justiça criminal gerando informações que possam ser trabalhadas de forma inteligente. Esse é o grande obstáculo do controle de armas no Brasil, onde a gente não avançou praticamente nada”, cita Júlio Cesar Purcena, pesquisador em controle de armas e que já atuou na ONG Viva Rio. “Falta um papel mais ativo do governo federal em estabelecer uma regulamentação mais clara do papel de cada agente público envolvido.”

Portanto, somente com a aplicação plena do estatuto é que será possível ter um diagnóstico preciso sobre o universo das armas no país e facilitar a implementação de políticas públicas para a redução do número de homicídios no Brasil.

Até agora, a Campanha Nacional do Desarmamento recolheu, de 2004 a 2010, 550 mil armas, o que daria uma média de cerca de 78.500 por ano. Em 2011, foram entregues 37.610 armas e, em 2012, 27.323. Ao todo, há mais de 2 mil postos de entrega espalhados pelo país.

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