Estréia de Brook enfoca choque de culturas
9 de julho de 2004"Ruínas sempre me tocam, em qualquer parte do mundo, talvez porque eu sinta que neste espaço se passaram vidas humanas. Aqui na região do Ruhr, o que sinto é a intensa atividade de pessoas que construíram do nada algo que até hoje dá testemunho sobre seu saber, sua criatividade e sua força", declarou Peter Brook sobre o cenário do festival trienal de música e teatro realizado na região industrial do Rio Ruhr, onde antigas usinas de carvão e edifícios industriais funcionam como centros de eventos culturais.
A tradição da tolerância islâmica
Em meio à paisagem industrial alemã, a peça recém-estreada de Peter Brook - Tierno Bokar - apresenta ao público, no entanto, o ambiente do interior da África, um continente cuja cultura o diretor britânico residente em Paris incorporou ao seu repertório desde a primeira viagem africana com sua companhia, em 1972. O espetáculo destaca momentos da vida e obra do sufi Tierno Bokar (1875-1940), que pregou um islamismo tolerante, considerado um sincretismo de tradições animistas e islâmicas próximo ao misticismo.
A peça escrita por Marie Helénne-Estienne se baseia no romance Vida e Obra de Tierno Bokar, do etnólogo e filósofo malinês Amadou Hampâté Bâ, discípulo de Bokar. O enredo mostra como divergências menores, como a disputa por uma chaleira ou o dilema de uma oração a ser repetida 11 ou 12 vezes, podem desencadear catástrofes de dimensão insuspeita, desterros e massacres.
Em sua mais recente produção, integrada por antigos membros da companhia, como Yoshi Oïda e Bruce Myers, Brook reafirma princípios centrais de seu teatro, como a variedade multicultural na atuação, a atribuição de diversos papéis ao mesmo ator, a extrema economia de recursos, a redução do cenário ao essencial, o laconismo e a simplicidade de sua "pesquisa teatral".
Mais forte que qualquer peça sobre Bagdá e Bush
Apesar de esta forma de teatro não ter gerado uma tradição reconhecível na Alemanha, a teoria teatral de Brook (O Espaço Vazio) teve e continua tendo ampla recepção no país. A recepção de sua mais recente peça também mostra o respeito da crítica para com este clássico do teatro europeu. A grande ressalva em relação à montagem foi o cenário, folclórico demais para o gosto local e comparado pelo Frankfurter Allgemeine Zeitung e pelo Frankfurter Rundschau à linha de móveis folclóricos de alguma grande loja de decoração.
Sobretudo a dimensão política da obra de Brook ainda exerce fascinação sobre a crítica. O jornal suíço de língua alemã Neue Zürcher Zeitung destacou que "o rigor estético deste místico do teatro continua tendo um componente político". Para o Süddeutsche Zeitung, Tierno Bokar tem "um impacto político mais forte do que qualquer peça sobre Bagdá e Bush". O Frankfurter Rundschau, por sua vez, considera a mensagem da peça direta e simplista demais. O Frankfurter Allgemeine Zeitung, por fim, louvou a forma despretensiosa e direta com que Brook conta sua parábola sobre o choque de culturas.