Um sumiço, uma investigação, mistérios do passado que emergem: temporada inicial de produção em língua alemã recicla fórmulas conhecidas. Série é comparada ao sucesso "Stranger Things".
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Duas crianças desaparecem numa pequena cidade alemã. Ninguém sabe como ou por quê. Pais, parentes e amigos estão perplexos. Ao investigar-se o mistério, entra em foco o passado dos pais dos desaparecidos e de casais amigos seus. A narrativa volta no tempo: constelações e conflitos familiares vêm à tona. O que o sumiço das crianças, aqui e agora, tem a ver com o passado?
Assim começa Dark, a primeira série alemã da Netflix. Em dez episódios em idioma alemão, tendo como cenário o interior da região do Palatinado, no sudoeste do país, a primeira temporada estreia nesta sexta-feira (01/12).
Se a situação inicial da trama soa familiar, não é por acaso, pois parece uma variação de outras séries, alemãs e estrangeiras. A emissora pública alemã ARD, por exemplo, acaba de apresentar, em oito episódios, Das Verschwinden (O desaparecimento), dirigida por Hans-Christian Schmid – a qual já trazia no próprio título a fórmula básica de sucesso.
Aqui, quem desaparecia era uma jovem de 20 anos, cujos pais, sobretudo a mãe que a criou sozinha, se põem em sua busca. Outros, naturalmente, também se colocam questões: as duas amigas da desaparecida, os parentes, os amigos, a polícia do lugarejo. Pois Das Verschwinden igualmente se desenrola no interior da Alemanha, no caso a região de fronteira com a República Tcheca.
Fórmula conhecida, cenário novo
Fato é que as duas séries alemãs têm temática comum. O sumiço, geralmente de jovens protagonistas, as investigações em cujo decorrer segredos obscuros se revelam, a incerteza semeada entre o público: todos esses são elementos de modelos americanos muito apreciados e de sucesso repetidamente comprovado.
Na lendária série televisiva Twin Peaks, de 1990, não era o desaparecimento, mas sim a morte de uma jovem num bosque do interior dos Estados Unidos que tirava do prumo as vidinhas de familiares, conhecidos e amigos: todo um pacato vilarejo entrava em desordem.
Dark também tem sido comparada a Stranger things, outra produção da Netflix, iniciada em 2016 e que já tem anunciada sua quarta temporada: nela, o sumiço de um garoto é o anúncio de uma série de acontecimentos sobrenaturais numa cidadezinha dos EUA.
Nenhuma dessas comparações e "coincidências" é necessariamente um desmérito para a série alemã que se inicia: também os americanos praticam "empréstimos" de ideias, recorrendo frequentemente a modelos de Hollywood.
Importante é que o produto seja bem realizado e que traga elementos de cor local que justifiquem a nova abordagem, em cenário alemão, de uma fórmula relativamente batida. Os espectadores da Alemanha ainda têm fresca na memória Das Verschwinden, que conseguiu essa façanha de maneira grandiosa. A partir deste 1º de dezembro Dark, criada e dirigida pelo suíço Baran bo Odar, terá sua chance de convencer o público, também internacional.
Alemanha e suas séries de TV e streaming
O mercado alemão de séries floresce, e não só com produções de emissoras locais. Gigantes como Sky, Amazon e Netflix apostam na estratégia de oferecer obras alemãs a um público internacional.
Foto: Netflix
"Dark", a primeira série alemã da Netflix
Em dezembro de 2017 estreou a primeira série alemã da Netflix para o mercado mundial. A temporada, de dez episódios, trata dos destinos de quatro famílias no interior da Alemanha: o sumiço de duas crianças desencadeia investigações que remontam até a década de 1950. A segunda temporada estreou em junho de 2019, e a terceira foi confirmada para 2020. Foi dublada e legendada em português brasileiro.
Foto: Netflix
Êxito artístico com "Im Angesicht des Verbrechens"
Muitos consideram "Im Angesicht des Verbrechens" (Diante do crime) a melhor série alemã da década: o épico de dois policiais investigando os círculos da máfia russa em Berlim. Contudo as vertiginosas sequências de cenas, enquadramentos sombrios e experimentos formais do diretor Dominik Graf foram ousados demais para parte do público, e a produção teve baixa audiência em 2010.
Foto: ARD/Julia von Vietinghoff
"Parfum", uma série criminal brutal e surpreendente
Em 2018, o canal alemão ZDFneo exibiu a série criminal Parfum (O Perfume), de seis episódios. Na trama, a brutal morte de uma antiga amiga leva um grupo a se reunir. Características específicas no cadáver fazem os amigos pensarem que somente um deles poderia ter cometido o crime. Fora da Alemanha, a produção foi disponibilizada pela Netflix, incluindo no Brasil, legendada e dublada em português.
Foto: Filmfest München 2018
How to Sell Drugs Online (Fast), tom de comédia para assunto sério
Em “How to Sell Drugs Online (Fast)”, que estreou em junho na Netflix, um estudante de uma pequena cidade da Alemanha, filho de um policial, decide vender drogas pela internet para se reaproximar da ex-namorada e arrasta o melhor amigo para o negócio. A série, em tom de comédia, foi dublada e legendada em português brasileiro e o título traduzido para "Como Vender Drogas Online (Rápido)".
Foto: picture-alliance/dpa/Netflix
"Weissensee": Berlim Oriental dos anos 80
Lançada em 2010, "Weissensee" é uma vitória da televisão alemã ao abordar temas da história recente. Tratando de duas famílias de Berlim Oriental na década de 1980, a produção da TV ARD teve boa audiência, já está caminhando para a quarta temporada e foi vendida para a Itália e a Rússia, entre outros mercados.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Pedersen
"Deutschland 83" e mais
"Deutschland 83" foi exibida em 2015 na Alemanha pelo canal privado RTL. Apesar de premiada no exterior, ela teve baixa audiência na TV comercial e, a sequência, “Deutschland 86”, foi disponibilizada apenas na Amazon Prime, em 2018. No Brasil, a série foi transmitida pelo +Globosat, com o título “Deutschland - Espião Novato” e segue disponível no Globoplay. Os autores já prometem “Deutschland 89”.
Foto: picture alliance/dpa/R. Hirschberger
"Cães de Berlim" e o submundo da capital alemã
Produzida pela Netflix, "Dogs of Berlin" (Cães de Berlim) estreou em dezembro de 2018. A trama mergulha na face sombria da capital alemã e tem como protagonistas dois policiais não convencionais: Kurt Grimmer, um ex-neonazista, e Erol Birkan, homossexual e de ascendência turca. A dupla investiga o assassinato do jogador de futebol turco-alemão Orkan Erdem. É dublada e legendada em português.
Foto: Netflix
"You are wanted" na Amazon
Antecipando-se por alguns meses à rival Netflix, a gigante americana do streaming Amazon Prime lançou em março de 2017 sua primeira série alemça, "You are wanted" (Você é procurado), protagonizada por Matthias Schweighöfer. Focando vigilância digital e teorias da conspiração, a série não encontrou aprovação unânime do público e crítica. Ainda assim, sua segunda temporada já está em preparação.
Foto: picture alliance / Stephan Rabold/Amazon/dpa
Clãs de Berlim em "4 Blocks"
A produção do diretor Marvin Kren pode ser considerada um sucesso entre as séries alemãs e entrará em sua segunda temporada. Tratando dos conflitos entre os clãs familiares rivais do bairro berlinense de Neukölln, ela foi lançada em maio de 2017, em seis episódios, pelo canal de TV a cabo TNT Serie. "4 Blocks" recebeu críticas entusiásticas, chegando a ser comparada à americana "Os Sopranos".
Foto: picture-alliance/dpa/Handout/2017 Turner Broadcasting System Europe Limited & Wiedemann & Berg Television GmbH & Co.
Opulência dos anos 20 em "Babylon Berlin"
Série mais cara da TV alemã, "Babylon Berlin", de 2017, exibida pela Sky, é a prova de que os roteiristas e cineastas alemães são especialmente bons ao abordar temas históricos. Com grande minúcia e em imagens opulentas, três cineastas, entre os quais Tom Tykwer, evocaram a Berlim dos anos 1920. A série já foi vendida para diversos países.
Foto: 2017 X Filme/Frédéric Batier
"Das Verschwinden": drama psicológico
As emissoras de direito público da Alemanha também têm se lançado com sucesso no universo das séries. Em outubro de 2017, a ARD apresentou "Das Verschwinden" (O desaparecimento), uma sinistra história passada na Alemanha, dirigida por Hans-Christian Schmid. Como em "Dark", o tema aqui é o sumiço de uma jovem, e o drama psicológico resultante.
Na trilha das rivais Amazon e Sky, a Netflix conseguiu ampliar com "Dark" a sua parcela no mercado alemão: ao lado de seu enorme sucesso global, a plataforma de streaming persegue a estratégia de aproximar-se ainda mais das plateias nacionais encomendando especialmente séries para os mercados específicos.
Foto: Netflix
Mundos obscuros
O suíço Baran bo Odar dirigiu a série "Dark", escrita a quatro mãos com sua esposa, Jantje Friese. Em 2010, ele levara às telas uma história semelhante: também "Das letzte Schweigen" (O silêncio) é um drama familiar em torno de um desaparecimento, que conecta duas diferentes gerações. "Dark", porém, é bem mais sombrio, numa encenação quase sufocante.