Brasileiros em Berlim
4 de junho de 2010Uma cidade multicultural, colorida no verão e onde se respira história no dia-a-dia. É assim que o carioca Paulo César Coelho Junior, de 21 anos, descreve Berlim. Há dois anos, ele viajou à cidade para visitar uma amiga por apenas duas semanas. "Mas cheguei e me apaixonei", conta Junior. Tanto que o jovem deixou o Rio de Janeiro e abriu mão dos planos de estudar em Londres para aprender alemão e lutar por uma vaga em uma universidade berlinense.
Um ano depois, Junior conseguia a façanha, tornando-se calouro do curso de Ciências Políticas da Universidade Humboldt. Atualmente, Júnior divide um apartamento com um amigo alemão, trabalha algumas noites por semana como barman e usa tanto o idioma local quanto o inglês na faculdade.
Além de Junior, outros 5.580 estrangeiros estiveram matriculados na Universidade Humboldt no semestre de inverno de 2009-2010, o que corresponde a 13,2% dos estudantes da instituição. Nas outras duas maiores universidades da capital, o número de alunos de outros países é ainda maior: 5.800 na Universidade Livre de Berlim e 5.923 na Universidade Técnica de Berlim - 18% e 20,3% dos seus estudantes, respectivamente.
Alemanha em terceiro lugar
Segundo dados divulgados em 2009 pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) em parceria com o Sistema de Informação sobre Educação Superior (HIS), a Alemanha é o terceiro maior pólo de atração de estudantes estrangeiros do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Em 2008, exatos 233.606 estrangeiros se matricularam em instituições de ensino superior alemãs. A China é o principal país "exportador" de universitários, com 25.479 estudantes. Em seguida estão Turquia e Polônia, com 21.404 e 13.028 estudantes respectivamente. O Brasil é o primeiro dentre os países da América Latina e ocupa a 28ª posição no ranking geral, com 2.118 estudantes registrados em 2008.
Atrativos de Berlim
A capital alemã acolheu 20.785 estudantes estrangeiros em 2008 (mais de 15% do total do país) e tem características especialmente estimadas por quem chega de fora. A segurança, a eficiência do transporte público e a imensidão das opções de lazer são algumas delas. "É muito bom conhecer a cidade durante o dia e à noite", especifica Mariana Padilha Feitosa, encantada com a sensação de segurança nas ruas.
Mariana estuda Administração na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (IMES), mas está em Berlim pela segunda vez para aprender o idioma do país. "Agora quero ter um nível legal na língua para poder conseguir um trabalho em uma empresa alemã", conta. Num futuro próximo, a jovem paulista de 20 anos também sonha com a possibilidade de se especializar na área de Finanças em alguma universidade da Alemanha.
Para muitos estrangeiros que vêm à Alemanha para estudar, entretanto, a maior dificuldade é mesmo aprender o idioma. As experiências do arquiteto paulistano William Torres e do publicitário Reynaldo Gomes, de João Pessoa, ilustram essa questão.
Assim como o carioca Junior, ambos vieram a Berlim como turistas para passar apenas algumas semanas, mas se encantaram com a cidade. "Se você quer educação de qualidade, diversão e novas experiências, encontra tudo isso aqui", justifica Reynaldo. É por isso que ele e William se mudaram para a cidade em maio de 2008 e em abril de 2009 respectivamente.
Universitários têm vantagens
Como diz Reynaldo, a decisão de ficar em Berlim foi feita depois de "estabelecer uma relação de custo-benefício". Após comparar Berlim a Londres, William escolheu a capital alemã, conhecida por ter algumas das universidades públicas mais acessíveis do país.
Na Universidade Técnica e na Universidade Livre de Berlim, por exemplo, o semestre custa ao estudante em torno de 250 euros. De posse de um Semesterticket, bilhete semestral, os estudantes podem utilizar o transporte público da cidade, frequentar os refeitórios de várias universidades, além de ganharem também descontos em cinemas, teatros, óperas e outros eventos na cidade.
Prós e contras
Apesar das vantagens de viver em Berlim, o idioma continua sendo, para muitos, um empecilho para o ingresso na universidade. A professora Verona Rios Rocha, da escola de idiomas DID Institut, ensina alemão para estrangeiros há 17 anos e reconhece que a assimilação da gramática exige muito empenho.
Para ela, os falantes nativos de línguas latinas, como português e espanhol, sofrem bastante com a construção de frases, especialmente por causa da separação dos verbos com prefixo, quando são conjugados. Segundo Verona, dedicação nos estudos não basta. "Quando estiver na Alemanha, não pratique apenas durante as aulas, mas procure oportunidades de diálogo o tempo todo: na rua, no mercado ou em cafés", aconselha.
Saber inglês basta?
Elida Canuto, natural de Recife, não segue a sugestão da professora. "Berlim é uma cidade multicultural onde quase todo mundo fala inglês", conta. Por isso, depois de dois anos vivendo na cidade, a pernambucana confessa: "Meu alemão continua um zero à esquerda". Mesmo assim, Elida está prestes a receber o título de mestre em Negócios Internacionais (International Business).
Poucos sabem, mas também é possível estudar na Alemanha sem saber a língua do país. Para isso, basta comprovar conhecimentos avançados de inglês e se matricular em um dos cursos universitários internacionais em língua inglesa, cada ano mais numerosos no país. É o que Elida fez enquanto ainda estava no Brasil, quando encontrou o mestrado oferecido pela Universidade de Ciências Aplicadas de Berlim (HTW).
Depois de concluir a pós-graduação, Elida terá o direito de permanecer no país por mais um ano. Nesse período, precisará encontrar um trabalho ou prosseguir os estudos. É agora que o domínio da língua começa a lhe fazer falta. "Se pudesse voltar no tempo, me dedicaria a um curso de alemão no Brasil para vir com o básico e usar as oportunidades daqui para aprimorar os conhecimentos", lamenta.
Bolsas, outra opção
Vinicius Viegas e Joel Thiago Klein também estudam na capital alemã. O gaúcho Vinicius, 24, fisioterapeuta e mestre em Fisiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, está desenvolvendo um projeto de pesquisa no Hospital Charité de Berlim.
Joel, 26, é formado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria e mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Desde janeiro de 2010, ele está na Alemanha participando de um "doutorado sanduíche" oferecido pela UFSC em parceria com a Universidade Humboldt.
Apesar de se especializarem em diferentes áreas de estudo, os jovens têm algo em comum: uma bolsa de estudos. Vinicius, por exemplo, tem tranquilidade para se dedicar em tempo integral aos estudos com os 1.300 euros que recebe mensalmente. Ao dividir despesas de comida e moradia com mais três estudantes de diferentes países, o gaúcho diz que conseguiu vencer a solidão, conhecendo melhor outras culturas e ainda economizando para viajar.
Algumas vezes por semana, os dois brasileiros se encontram em uma academia de ginástica, onde saem da rotina e falam um pouco de português. "As pessoas são muito fechadas e os dias sem sol nos deixam mal-humorados", desabafa Joel.
Perseverança
A dentista alagoana Nubia Borges Pereira Stawowy venceu à custa de muita dedicação. Quando chegou a Berlim em 1994, a então professora de Geografia não tinha ideia do que precisaria passar para se formar, nove anos depois, em Odontologia pela Universidade Livre de Berlim.
Sem ter ajuda financeira dos pais, Nubia se valeu do direito de trabalhar várias horas semanais e financiou os estudos como faxineira e babá: "Acordava às cinco horas da manhã e ia para a primeira faxina em um escritório de arquitetura. Depois, seguia para o curso na faculdade, comia lá ou na rua e voltava para outra faxina. Não chegava em casa antes das oito da noite".
Com o trabalho, a brasileira calcula que arrecadava entre 800 e 1000 euros por mês. Até se casar e passar a morar com o marido, no terceiro semestre da faculdade, a dentista viveu em um apartamento de 30 metros quadrados. "Não tinha nada de luxo", diz.
"Eu ia ao cinema umas duas vezes por mês, mas não podia jantar fora", exemplifica. Além da correria entre o trabalho e a faculdade, Núbia tomou aulas particulares para compensar a deficiência do ensino no Brasil. "Durante uma época, ia todos os domingos à casa de um amigo aprender o básico de Química", conta.
Apesar das dificuldades enfrentadas, Nubia é enfática ao defender que "a Alemanha oferece realmente muitas oportunidades e apoio para os estudantes estrangeiros". E conclui: "Tem um povo casca grossa, mal-humorado desde cedo, mas o importante é se integrar. Se você viver em um gueto falando só a sua língua, nenhum lugar no mundo irá ser bom o suficiente".
Autor: Elton Hubner
Revisão: Soraia Vilela