Estudar na Alemanha: um guia prático
Imagine a cena: 12 horas de voo, malas, mochila, aeroporto cheio, uma verdadeira confusão de carrinhos de bagagem, gente, um emaranhado de placas. Finalmente você chega ao guichê da companhia de trens da Alemanha (a Deutsche Bahn) e usa todo o seu inglês para pedir uma passagem para a cidadezinha do interior do país onde você vai estudar. Recebe uma resposta ininteligível, cheia de consoantes e é obrigado a usar mímica para conseguir o que quer. Com sorte, logo de início, uma de suas expectativas em relação à Alemanha irá por água abaixo: é impossível assumir como regra que, no país, "as pessoas falam inglês".
Elas não falam: seja na Deutsche Bahn, no Studentenwerk (órgão responsável por organizar a moradia e outras questões de estudantes de universidades) ou mesmo nos pontos de informação para turistas. Em todos esses lugares, há boa vontade, mas não inglês. Então, antes de vir estudar no país, mesmo que você vá participar de um dos mestrados na língua inglesa oferecidos pelas universidades alemãs, fica o conselho: aprenda alemão, pelo menos em nível básico.
Quem não fala alemão (e, às vezes, mesmo quem fala) sofre. Abrir uma conta no banco é obrigatório para o estudante que vive no país – as opções de pagamento para taxa semestral da universidade, telefone celular, seguro de saúde e aluguel são: "débito automático em conta".
Conheço o caso de um inglês – sem conhecimentos de alemão – que foi a uma Sparkasse (a Caixa Econômica daqui). Ele foi muitíssimo bem tratado por uma funcionária que explicou cinco ou seis vezes seus direitos e deveres como cliente. Quanto mais a mulher falava, porém, menos ele entendia. "Alemão é grego para mim", admitiu, confuso, o inglês.
Vencendo as etapas
Assim que o estudante chega à Alemanha, três medidas são primordiais. A primeira é fazer o registro de morador na prefeitura. Para isso, o estudante precisa fornecer nome, endereço, telefone e pagar uma pequena taxa. Logo nos primeiros dias, é necessário fazer o seguro-saúde, condição primordial para a permanência no país. O seguro custa atualmente pouco mais de 50 euros por mês e cobre tratamentos médicos e dentários.
É possível fazer seguro internacional ainda no Brasil, o que geralmente sai mais barato, mas como os alemães têm pouquíssimo talento para improvisação, o atendimento de um paciente de seguradora desconhecida pode ficar complicado. Por fim, ainda nas primeiras semanas na Alemanha, cidadãos brasileiros devem comparecer ao departamento de estrangeiros para trocar o visto temporário (expedido pelo Consulado Alemão, no Brasil) por um permanente.
Na hora de procurar um médico ou dentista, o procedimento também é diferente. Quem tem plano de saúde no Brasil geralmente liga e marca uma consulta com um especialista (dermatologista, endocrinologista, oftalmologista etc.). Entretanto, na Alemanha é muito forte a figura do hausarzt (médicos de família). Eles são uma espécie de reedição dos clínicos gerais do Brasil e encaminham os pacientes aos especialistas caso não consigam identificar os problemas por conta própria.
"Não" é não – e acabou
Se falar a língua materna do país onde você pretende estudar por alguns meses (ou anos) parece ser uma exigência razoável – estrangeiros no Brasil também terão dificuldade em "se virar" somente com o inglês –, há sim muitas diferenças culturais entre a América Latina e a Europa. Uma frase bem interessante é: "Na Alemanha, não quer dizer não". A resposta para a pergunta "Você quer um café?" deve ser "sim" ou "não". Esqueça o típico "só se não for dar trabalho..." ou coisa parecida, tão comum no Brasil. Se quer algo, diga "sim". Se não quer, responda "não". Evita mal-entendidos.
No dia-a-dia, há outros pequenas "choques". Uma aula marcada para as 8 da manhã começará somente às 8h15. Os sistemas de aquecimento dos dormitórios de estudantes são geralmente desligados durante o verão – ainda que, para muitos brasileiros, a temperatura continue a de inverno. Bicicleta é um ótimo meio de transporte, pois a maior parte do país tem topografia plana, o que facilita o uso da "tração humana".
Para acabar de vez com o estereótipo: os alemães tomam banho, ainda que com menos frequência que os brasileiros (algo compreensível, pois o clima é bem diferente). Aliás, os brasileiros que moram aqui há algum tempo tendem a diminuir o tempo embaixo do chuveiro, tanto por causa da temperatura quanto pela preocupação com a escassez de água. O banho, porém, é sempre uma prática possível: há duchas em todos os apartamentos e dormitórios de estudantes, assim como em academias de ginástica e piscinas públicas (que, aliás, são baratas e de boa qualidade).
Tem burocracia?
Na Alemanha, uma maneira de ir de um ponto a outro do país, se você não tem carro, é de trem ou de ônibus, como por exemplo o Flixbus. A Deutsche Bahn é cara, quando comparada com os sistemas ferroviários de outros países da Europa. Para driblar o monopólio, surgiu um clube de viajantes: é o Mitfahrgelegenheit (em tradução aproximada: possibilidade de carona), que está disponível na internet e é uma forma de economizar em viagens pelo país. É difícil, mas às vezes o velho "jeitinho" também dá as caras na Europa.
Os ônibus e trens urbanos também funcionam de outra maneira. Há sempre uma grande variedade de passagens – tickets que valem para um dia inteiro, para o fim de semana, para viagem curta, para grupos de quatro pessoas, para o mês todo etc. Todos têm preços diferentes e o passageiro deve escolher a opção mais vantajosa e comprar nas máquinas automáticas. Ao contrário do que ocorre no Brasil, na Alemanha não existe a tradicional catraca ou a figura do cobrador.
Entretanto, é melhor não viajar sem ticket para economizar alguns euros: há checagens periódicas nos serviços de transporte. A multa pela viagem sem passagem é de 60 euros, no mínimo. Na maioria dos casos, estudantes matriculados em universidades alemãs pagam pelo transporte coletivo junto com a taxa semestral de matrícula. Entretanto, é preciso estar sempre com o documento de identificação da universidade, em caso de fiscalização.
Caução: você paga, eles devolvem
A Alemanha é também o país da caução. Você paga caução para fechar contratos de aluguel, para cartão de cópias na biblioteca e até mesmo para comprar refrigerante. Tudo é devolvido depois. Porém, para evitar problemas, é bom conservar as paredes de apartamentos limpas e os objetos em ordem. Os vasilhames de refrigerante, suco e água mineral geralmente também têm pfand – na devolução, o cliente recebe dinheiro pelo casco. E atenção: mesmo copos de cerveja em shows de rock e estádios de futebol são retornáveis. Beba o conteúdo, leve a caneca de volta e ganhe seu reembolso.
Especialmente se você vive em uma grande cidade no Brasil – e está acostumado à conveniência de shopping centers abertos até as 22 horas, farmácias, padarias e supermercados 24 horas –, cuidado: na Alemanha, o comércio fecha cedo. Alguns supermercados fecham às 22 horas, centros comerciais ficam abertos somente até as 20 horas e não funcionam no domingo – o mesmo vale para o comércio de rua. As farmácias geralmente abrem até as 19 horas, e há uma rotação das unidades que fazem plantão noturno e nos finais de semana. As padarias abrem cedo (geralmente, por volta das 6 da manhã), mas fecham antes do cair da noite. Em compensação, podem abrir domingos pela manhã.
Finalmente...
Seria, então, a Alemanha um país de aliens? Certamente que não. À medida que o tempo passa, a tendência é que os brasileiros que moram aqui passem a achar tudo normal: cumprimentar sem dar beijinho, andar na rua sem se preocupar com assaltos, ser atendido só com horário marcado, e – muito importante – jamais contar com a capacidade de improvisação alheia. Tudo passa a fazer parte do cotidiano e a não fazer mais a menor diferença. Pelo menos até um encontro casual com (um grupo de) brasileiros.
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