Não apenas espécies animais, mas também vegetais estão em risco, afirmam pesquisadores: agricultura industrial e mudanças climáticas ameaçam alimentos como batatas, cacau e café.
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Nos últimos tempos, houve muita discussão sobre a chamada sexta extinção em massa, mas as graves consequências para os alimentos têm ficado em segundo plano, alerta o grupo de pesquisa Bioversity International.
Em relatório divulgado nesta terça-feira (26/09), o grupo aponta que, das estimadas 7 mil espécies vegetais comestíveis, majoritariamente 30 são usadas para alimentar o mundo.
O documento, de quase 200 páginas, apresenta evidências de que investimentos em biodiversidade agrícola podem desempenhar um papel-chave na redução da fome, da desnutrição, da degradação ambiental e das mudanças climáticas.
"De alguma maneira, essa questão [da agrobiodiversidade] foi negligenciada, assim como acontecia com a agricultura orgânica há 20 anos, quando era vista como algo de nicho", afirma Ann Tutwiler, diretora-geral da Bioversity International e coautora do relatório.
Emartigo publicado pelo jornal britânico The Guardian nesta terça-feira, Tutwiler destaca que até 22% das espécies de batatas existentes devem entrar em extinção até 2055 devido às mudanças climáticas. Cacaueiros em Gana e na Costa do Marfim, de onde se originam 70% do chocolate mundial, podem não sobreviver a um aumento da temperatura global de 2 °C. E na Tanzânia, as plantações de café já produzem metade do que produziam em 1960.
Mundo afora, apenas três culturas agrícolas – arroz, milho e trigo – fornecem cerca de 50% do total de calorias consumidas. Em quase 80% das áreas dedicadas ao cultivo de cereais, são plantadas apenas essas três variedades vegetais. Qualquer ameaça a esses alimentos provocada pelas mudanças climáticas poderia ser devastadora, alerta o grupo de pesquisadores.
A solução seria parar de colocar todos os ovos na mesma cesta e cultivar diferentes tipos de alimentos. "A biodiversidade precisa ser integrada à agricultura", afirma Tutwiler.
Como será a comida do futuro?
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"Uma série de variedades tradicionais de sementes têm traços únicos que as fazem resistentes ao calor, a secas e a enchentes. Elas precisam ser encontradas, preservadas e usadas em programas de desenvolvimento de culturas agrícolas", afirma, apontando a agrobiodiversidade como a maneira mais efetiva de reduzir os efeitos das mudanças climáticas na produção de alimentos.
Outra solução para a extinção de alimentos seria criar demanda por diferentes culturas agrícolas. "Hoje temos demanda por café da Etiópia, por quinoa da Bolívia e dos Andes", diz Tutwiler. "Essas eram culturas que haviam sido completamente esquecidas. E em parte por meio dos nossos próprios esforços elas foram conservadas e agora têm um valor econômico."
A agrobiodiversidade inclui estratégias como rotação de culturas e não deve ser apenas aplicada a pequenos agricultores, destaca Tutwiler.
A Bioversity International destaca ainda que os sistemas agrícolas industriais, que produzem a maior parte dos alimentos consumidos no mundo, estão, na realidade, impulsionando as mudanças climáticas e a degradação ambiental.
Segundo o estudo, a agricultura é responsável por 24% das emissões de gases do efeito estufa mundo afora e é a maior consumidora de água doce do mundo. Mais de 60% das 5.497 espécies que a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) classifica de ameaçadas são impactadas pela agricultura.
Gado e soja
A questão da extinção em massa também será o foco da conferência internacional Extinction and Livestock (Extinção e Pecuária), que tem início no próximo dia 5 de outubro, em Londres. No evento, será discutido como transformar nossos sistemas alimentícios e agrícolas globais em prol das pessoas, do planeta e dos animais.
"A agricultura intensiva causa um enorme dano à vida selvagem, às pessoas e ao meio ambiente e é um dos principais fatores que contribuem para a extinção de espécies e a perda de biodiversidade no planeta", diz Philip Lymbery, CEO da organização Compassion in World Farming e um dos organizadores do evento em Londres.
Lymbery afirma que, enquanto se fala muito nas mudanças climáticas e na caça furtiva para explicar a extinção de espécies, a indústria da carne, assim como os cereais e a soja cultivados para alimentar o gado, são o problema fundamental.
Segundo o especialista, a quantidade de cereal e soja usada como alimento para animais na pecuária mundo afora seria suficiente para alimentar 4 bilhões de pessoas. Ele classifica de "loucura em um prato de comida" a perda de biodiversidade devido à produção de carne, leite e ovos.
A origem de 10 alimentos que hoje são globalizados
A maioria do que se coloca no prato diariamente procede de lugares espalhados pelo mundo. Um novo estudo do Centro Internacional para a Agricultura Tropical (CIAT) identificou a origem de alimentos considerados globais.
Foto: picture-alliance/Ch. Mohr
Manga, verde, amarela ou rosa – e asiática
Ela é tropical e parece bem brasileira, mas originalmente surgiu no Sul da Ásia. A manga, assim como o coco, foi trazida para o Brasil com a colonização portuguesa e se adaptou bem ao clima. Ela faz parte da dieta de alimentos não nativos, que vem crescendo no mundo em consequência de preferências culturais, desenvolvimento econômico e urbanização, conforme comprovou o estudo do CIAT.
Foto: DW/A. Chatterjee
Arroz para meio mundo
O arroz vem originalmente da China mas virou item básico da dieta de mais da metade da população mundial. A produção de cada quilo exige de 3 mil a 5 mil litros de água. Em alguns países produtores, a contaminação por arsênico dos lençóis freáticos é tão forte, que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) alertou para as consequências do consumo do cereal.
Foto: Tatyana Nyshko/Fotolia
Trigo nosso de cada dia
O trigo já era cultivado há mais de 7 mil anos na região do Mar Mediterrâneo. Na forma de pão ou de outras massas, como o macarrão, é um dos alimentos mais importantes do mundo. Cultivado em enormes campos de monocultura, o cereal é também usado para alimentar animais . Os campeões do cultivo são China, Índia, Estados Unidos, Rússia e França.
Foto: Fotolia/Ludwig Berchtold
Milho, dos astecas aos transgênicos
Originário do Centro do México, o milho hoje é plantado em todos os continentes. Apenas 15% da safra vai parar nos pratos, pois a maior parte serve como ração para animais. A indústria o aproveita, ainda, para fabricar xarope de glucose e produzir combustível. Nos Estados Unidos, cerca de 85% da produção é de milho transgênico, e outros países vão pelo mesmo caminho.
Foto: Reuters/T. Bravo
Batata, dos Andes para a Europa
As batatas consumidas hoje em dia são variações de espécies silvestres dos Andes, na América do Sul. Só há cerca de 300 anos o tubérculo passou a ser cultivado em grande escala na Europa, sendo fundamental na dieta de países como a Alemanha e Irlanda. Atualmente, porém, o cultivo da batata no continente está em declínio, enquanto cresce nos maiores centros de produção: China, Índia e Rússia.
Foto: picture-alliance/dpa/J.Büttner
Açúcar, de cana ou beterraba
A cana-de-açúcar vem do Oeste da Ásia, embora não se saiba exatamente de onde. Já há mais de 2.500 anos era usada para adoçar. O Brasil é atualmente o principal produtor, com grande parte da safra destinada ao bioetanol, também para exportação. A colheita é um trabalho árduo e, em geral, mal pago. O açúcar de cana é mais barato no mercado mundial do que o de beterraba, originário da Europa.
Foto: picture-alliance/RiKa
Banana, a preferida global
Cheia de vitaminas, a banana engorda menos do que reza sua fama. Fruta preferida em escala mundial, ela tem origem no Sudoeste Asiático. Hoje é cultivada principalmente na América Latina e Caribe, a custos tão baixos que saem mais baratas na Alemanha do que as maçãs cultivadas no próprio país. As condições para os trabalhadores rurais costumam ser ruins e há uso intensivo de pesticidas.
Foto: Transfair
Café, prazer com reflexos sociais
Procedente da Etiópia, o café é a segunda bebida mais consumida e principal fonte de renda de cerca de 25 milhões de produtores no mundo. Contando-se as famílias, são 110 milhões de pessoas dependentes das flutuações do mercado mundial. Contudo vem ganhando espaço a negociação por cooperativas e empresas de comércio justo. Mais de 800 mil pequenos agricultores já aderiram a esse sistema.
Foto: picture-alliance/dpa/N.Armer
Chá, relíquia colonialista
O chá vem da China e era servido aos imperadores. Tirando a água pura, é a bebida mais consumida do planeta: a cada segundo, mais de 15 mil xícaras são ingeridas. Considerado bebida nacional na Inglaterra, o chá ainda hoje é produzido principalmente nas antigas colônias do Império Britânico, como o Quênia, Índia e Sri Lanka. As condições do trabalho no campo são catastróficas.
Foto: DW/Prabhakar
Cacau, presente dos deuses
Os astecas, na atual América Central, usavam os grãos de cacau como moeda e oferenda. Também preparavam com eles uma bebida que diziam vir dos deuses. Não é difícil de acreditar: hoje o chocolate é amado no mundo inteiro. Produzido numa estreita faixa próxima ao Equador, o cacau sofre flutuações de preço no mercado mundial que afetam duramente os pequenos agricultores.