Mortos por malária podem ser mais numerosos do que se supõe
7 de fevereiro de 2012A malária tem sido frequentemente designada "flagelo da humanidade". Mais correto seria dizer que é um flagelo da parte pobre da humanidade. Pois é hoje desconhecida nos abastados países industriais – excluídos uns poucos turistas que retornam contaminados, de viagens por terras exóticas.
Um dos fatores é a diferença climática entre as regiões do mundo. Há apenas algumas décadas, o mosquito do gênero Anopheles, transmissor da malária, também grassava na Europa. Até que os pântanos foram dragados e os insetos, dizimados através de inseticidas como o DDT.
Nos países em desenvolvimento, em contrapartida, o mosquito transmissor continua encontrando condições ideais. Sobretudo por faltarem aos habitantes locais quase todos os recursos para se proteger: roupas protetoras, mosquiteiros e inseticidas são tão raros quanto medicamentos, ou o tratamento médico necessário após uma infecção.
Contradizendo a doutrina
Segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2010 655 mil pessoas morreram de malária, sendo a maior parte das vítimas, crianças.
Mas é possível que a verdadeira cifra seja muito mais elevada. Isso é o que sugere um estudo realizado por cientistas norte-americanos e publicado em The Lancet, um prestigiado periódico médico. Segundo seus cálculos, 1,2 milhão haveriam morrido de malária em 2010 – ou seja, quase o dobro das estatísticas oficiais.
O estudo traz mais uma novidade: crianças maiores de cinco anos e adultos sucumbiriam à malária com frequência bem maior do que se supunha. Trata-se de um dado surpreendente, pois segundo a doutrina médica, os bebês desenvolvem imunidade quando entram em contato com o vírus e sobrevivem à infecção. Seguindo-se o mesmo princípio, segundo o qual funciona uma vacina, eles teriam, assim, melhor resistência como adultos.
Procedimento invertido
O principal autor do estudo, Christopher Murray, da Universidade de Seattle, explica por que os seus resultados divergem tão radicalmente dos da OMS: "Em todas as projeções realizadas até hoje, partiu-se do número de eclosões da malária, da percentagem de pessoas infectadas, e aí se estipulou a taxa de mortalidade plausível, a partir do número de infecções".
O novo estudo praticamente inverte o procedimento. Os pesquisadores reuniram todos os dados disponíveis sobre óbitos por malária entre 1980 e 2010, e aí projetaram o material numérico – naturalmente, também incompleto. Entre outros fatores, eles consideraram os padrões médicos e higiênicos dos diferentes países e também recursos como número de mosquiteiros disponíveis, medicamentos e inseticidas.
O próprio Murray enfatiza que esses novos números são, igualmente, estimativas, marcadas por muitas incertezas. "Mas nossa constatação de que ocorrem mais mortes por malária do que se supunha até agora, lança questões difíceis. Pois os meios financeiros de que dispomos nos próximos anos para o combate à moléstia permanecerão, na melhor das hipóteses, no nível atual." Além disso, caberia, segundo ele, considerar a ampliação dos recursos disponíveis também a crianças mais crescidas e a adultos.
Prós e contras
O porta-voz da OMS, Gregory Hartl, rebate os resultados da pesquisa publicada por The Lancet: "Normalmente, os bebês desenvolvem alta imunidade", argumenta, ratificando a doutrina. Ele critica, ainda, o fato de parte dos dados se basearam na assim chamada "autópsia verbal". "Depois que o paciente morre, alguém diz à autoridade que registra o óbito: 'A pessoa tinha febre, deve ter sido malária'. Mas sem que haja qualquer prova".
Stephen Lim, outro autor do estudo, assegura que vários desses diagnósticos espontâneos foram investigados, assim como sua incidência nos casos em que a causa mortis estava comprovada. "E aí se verificou que, se existe alguma discrepância, é no sentido de a malária ser, antes, subestimada nas 'autópsias verbais'."
Rolf Horstmann, professor de Medicina Tropical pelo Instituto Bernhard Nocht, de Hamburgo, elogia o estudo da Lancet. Ele confirma que a doutrina médica sobre desenvolvimento de imunidade está "acima de qualquer dúvida". Porém, no caso da malária, trata-se apenas de uma imunidade parcial que, portanto, não oferece proteção integral.
Ele considera o novo estudo plausível, e o trabalho desempenhado, respeitável. "Recolheram-se numerosos dados isolados, pesquisados com grande investimento de tempo. São relatadas 22 mil medições, e o valor de cada uma delas foi verificado."
Acima de tudo, Horstmann enfatiza: a malária é uma doença que se pode evitar. E vencer.
Autor: Michael Gessat (av)
Revisão: Marcio Damasceno