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"Eu ouvia colegas chorando de dor à noite"

Lavinia Pitu lfr
26 de junho de 2020

Horas extras não remuneradas, supervisores aos berros e muita pressão. Em entrevista à DW, um romeno que trabalhou no maior frigorífico da Alemanha, novo foco da covid-19 no país, conta o que vivenciou.

Trabalhador inspeciona porcos abatidos no frigorífico Tönnies, em Rheda-Wiedenbrück
Frigorífico Tönnies é alvo de críticas por causa das condições de trabalho e do surto de coronavírusFoto: picture-alliance/dpa/B. Thissen

No sábado passado (20/06), o maior frigorífico da Alemanha, pertencente ao Grupo Tönnies e localizado no estado da Renânia do Norte-Vestfália, foi fechado por 14 dias após a eclosão de um surto de covid-19. Três dias depois, após mais de 1.500 trabalhadores terem testado positivo para o novo coronavírus, o governo estadual ordenou a suspensão parcial da vida pública no distrito de Gütersloh, onde a fábrica está localizada, e no vizinho distrito de Warendorf.

Antes disso, ao menos outros quatro frigoríficos do país haviam sido palco de surtos de covid-19, chamando a atenção para as condições de trabalho e moradia precárias dos trabalhadores, a maioria estrangeiros vindos principalmente da Polônia, da Bulgária e da Romênia e contratados por intermédio de empresas terceirizadas.

Em entrevista à DW, um ex-trabalhador romeno do frigorífico Tönnies descreve a pressão sofrida pelos trabalhadores, sujeitos a jornadas de trabalho de até 13 horas sem receberem pelas horas extras, a ameaças de supervisores e a alojamentos apertados.

"Era muito frio e úmido, e as esteiras andavam muito rápido. Ouvi colegas chorando no alojamento à noite porque estavam com dores terríveis, suas mãos estavam inchadas", conta.

A identidade do trabalhador romeno é conhecida da DW, mas ele pediu para que seu nome não fosse publicado. Ele trabalha hoje para outra empresa na Alemanha e diz estar satisfeito com as novas condições de trabalho. 

DW: Muitos relatórios sobre as condições de trabalho na indústria da carne falam de horas extras não remuneradas. O senhor passou por isso? Quanto tempo durava um dia de trabalho?

Ex-trabalhador do Tönnies: Trabalhei dois anos no Tönnies como terceirizado. Raramente acabávamos o trabalho nas oito horas acordadas. Muitas vezes eram 12 ou até mesmo 13 horas. Anotávamos as horas extras, mas, no final, elas não apareciam no holerite.

Como eram as condições de trabalho? 

Era muito frio e úmido, e as esteiras andavam muito rápido. Ouvi colegas chorando no alojamento à noite porque estavam com dores terríveis, suas mãos estavam inchadas. Mas apoiávamo-nos uns aos outros e dizíamos: "Aguenta firme."

Um amigo meu vivia me pedindo para trazê-lo junto. Ele queria trabalhar na Alemanha de qualquer jeito, e eu lhe disse: "Traga dinheiro suficiente para pagar uma passagem de volta para casa". Foi um bom conselho, porque depois de um único dia no Tönnies, meu amigo não aguentou e voltou à Romênia.

Havia fiscalizações regulares?

Quando os fiscais vinham, a velocidade da esteira era diminuída, tornando o nosso trabalho mais leve. Mas era sabido quando haveria fiscalização. Por que não se fiscaliza sem avisar antes? Aí os fiscais poderiam ver qual era realmente a situação.   

Como operário, o senhor foi instruído para tais fiscalizações?   

Disseram para não falarmos nada: "Quando a fiscalização chegar, digam que não falam alemão." Apesar de alguns de nós falarem.

A empresa exerceu algum tipo de pressão sobre o senhor?

Sim. Quando estávamos doentes, era muito ruim. Os supervisores gritavam que não deveríamos aparecer com atestados médicos. Uma vez, quando eu estava bem resfriado, o que acontecia facilmente por trabalharmos no frio, gritaram comigo, e isso bastou para mim. Foi quando eu parei.

Os superiores diretos eram alemães ou vinham do Leste Europeu?

O chefão era alemão, mas o encarregado da linha de montagem era romeno, porque tinha de traduzir. A maioria dos trabalhadores não falava alemão. Esses supervisores eram na sua maioria romenos que tiveram a sorte de ter aprendido alemão na escola. Recebiam ordens de seus superiores para se certificarem de que as pessoas não apresentassem atestados médicos para não trabalhar.

Quais eram as condições no seu alojamento?

Alguns dos alojamentos em que fiquei eram muito limpos, mas nem todos. Era sempre muito apertado, às vezes moravam 10, 12 ou até 14 pessoas num único apartamento. O aluguel era de 200 euros por mês por pessoa. Os edifícios pertenciam às empresas terceirizadas. Um empresário romeno, por exemplo, comprou um edifício inteiro com a ajuda de um empréstimo no banco e depois alugou os apartamentos aos trabalhadores. Mas não é justo colocar tantas pessoas num único apartamento!  

Então o senhor vê as empresas terceirizadas como o principal problema?

Sim. Um amigo meu é empregado diretamente por um frigorífico alemão e não enfrenta problemas. Ele não tem medo quando vai trabalhar. Ninguém grita com ele, ninguém o insulta. Esperamos que o projeto de lei para acabar com a terceirização no setor seja aprovado no Bundestag.

O senhor tem contato com antigos colegas que ainda trabalham para o Tönnies?

Sim, com dois colegas que estão agora em quarentena. Eles contaram ter recebido comida e água suficientes. Mas estão muito apreensivos, não sabem como as coisas vão continuar. Um deles tem tido problemas de saúde há muito tempo, mas ele diz estar bem – pelo menos por enquanto.

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