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"EUA devem fazer o que pregam sobre tortura"

Michael Knigge (pv)11 de dezembro de 2014

Morris Davis, ex-responsável pelos tribunais militares extraordinários em Guantánamo, crê em efeitos positivos da divulgação do relatório da CIA. Em entrevista à DW, reafirma: tortura não serve a nenhum propósito útil.

Foto: Saul Loeb/AFP/Getty Images

Nas últimas semanas debateu-se nos Estados Unidos se o Senado deveria divulgar um relatório sobre o controverso programa de interrogatórios executado pela Agência Central de Inteligência (CIA), durante a presidência de George W. Bush, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Até mesmo o secretário de Estado John Kerry pediu pessoalmente à liderança da CIA o adiamento da publicação, com o argumento de que ela prejudicaria as relações externas e ameaçaria a segurança dos americanos no exterior. Finalmente na terça-feira (09/12), o Comitê de Inteligência do Senado dos Estados Unidos divulgou o relatório.

Para o coronel Morris Davis, ex-promotor-chefe do Pentágono, a revelação dos métodos de interrogatório utilizados pela CIA é acertada. "É importante assumirmos o que fizemos e tomarmos as medidas pertinentes. Não se pode pregar uma coisa e fazer outra."

Responsável pelos tribunais militares extraordinários de Guantánamo entre 2005 e 2007, Davis se afasto do cargo, alegando interferência e intimidação por altos funcionários do governo. "Não vou receber ordens de alguém que diz que waterboarding [afogamento simulado] está certo. Peço demissão", disse, na época. Foi ele que denunciou que informações obtidas sob tortura estavam sendo aceitas nos julgamentos militares.

Desde então, o coronel tem questionado a legitimidade dos processos de comissões militares nos EUA. Em entrevista à DW, pouco antes da divulgação do resumo do relatório, ele foi enfático: "Qunado há alegações de tortura, o dever é investigar, processar criminalmente e viabilizar, para as vítimas de tortura, o ressarcimento legal pelo abuso sofrido. Sou decididamente da opinião que a tortura não serve a nenhum propósito útil."

Deutsche Welle:Por que o senhor é a favor da publicação do relatório?

Morris Davis:Durante muitos anos, os Estados Unidos se mantiveram como líder autoproclamado da crença no Estado de direito. Lideramos os esforços para criar a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, que, de fato, foi essencialmente aprovada por todos os países do planeta. Aí veio o 11 de Setembro, e nós nos tornamos praticantes de tortura. Acho que para os EUA e para sua reputação como potência lider, é importante assumirmos o que fizemos e tomarmos medidas adequadas. Não se pode pregar uma coisa e fazer outra.

Morris Davis foi promotor-chefe em processos de GuantánamoFoto: privat

Embora o relatório incida sobre os métodos de tortura da CIA, ele não aborda a questão da liderança e responsabilidade políticas. Por quê?

Essa é uma excelente questão. Acho que se precisa manter isso em mente. Esse relatório não é um ponto final. Alguns vão querer lavar as mãos sobre as condutas passadas, depois da divulgação, quando ela deveria apenas marcar o início de uma discussão.

Nos termos da Convenção contra a Tortura, aprovada sob a liderança dos EUA, o relatório cria uma obrigação. Quando há alegações de tortura, o dever é investigar, processar criminalmente e viabilizar, para as vítimas de tortura, ressarcimento legal pelo abuso sofrido. E, até agora, os EUA têm contornado todas essas responsabilidades. Portanto, acho que esse relatório deve dar algum impulso para que honremos as obrigações assumidas ao assinar a Convenção da ONU.

A questão da liderança e responsabilidade política é possivelmente tão importante quanto detalhar as práticas da CIA. O senhor gostaria de ver outras investigações ou relatórios sobre as questões de liderança e responsabilidade que levaram a essas práticas e políticas?

Gostaria. A meu ver, a responsabilização deveria funcionar de cima para baixo, e não de baixo para cima. E com frequência demasiada, quem está por baixo na pirâmide hierárquica é que é responsabilizado, enquanto os no topo acabam impunes. Por exemplo, nos abusos na prisão de Abu Ghraib, os soldados de patente mais baixa foram punidos e presos, mas ninguém mais acima na cadeia de comando foi acusado. Espero que, com esse relatório, se evite isso no futuro.

Quando era promotor-chefe em Guantánamo, tive a oportunidade de conversar com muitos dos envolvidos nesses "programas de interrogatório avançado". Acredito que eles pensavam estar agindo de boa fé; eles tinham a confirmação do Departamento de Justiça e da Casa Branca de que suas ações eram legalmente permissíveis e necessárias. Aqueles que, na Casa Branca e no Departamento de Justiça, autorizaram essas práticas, não deveriam poder escapar à responsabilidade, no momento que aqueles que eles comandaram encaram as consequências.

"Waterboarding", instalação do artista Steve LazaridesFoto: Leon Neal/AFP/Getty Images

O senhor mencionou o seu tempo como promotor-chefe em Guantánamo. Muitos provavelmente se perguntam se o senhor pensa – ou já pensou – que a tortura seja lícita sob alguma circunstância?

Sou decididamente da opinião que a tortura não serve a nenhum propósito útil. Importante na análise do relatório não é apenas o que ele mostra, mas o que não mostra. E acho que o que nãoveremos, é um caso em que a tortura trouxe um benefício tangível.

Os defensores da tortura vão afirmar que se evitaram ataques e que vidas foram salvas, mas se ouvirá deles quaisquer informações específicas. E isso é porque elas não existem. Não há indicação de que qualquer dessas técnicas tenha revelado dados que deram fim a um complô ou salvo vidas. Pelo contrário: há amplas provas de que a tortura causou um volume enorme de danos. Não creio que nesse relatório se verá qualquer prova de que ela trouxe alguma vantagem tangível.

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