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EUA e Arábia Saudita em rota de colisão econômica?

Wesley Dockery pv
16 de outubro de 2018

Desaparecimento de jornalista saudita Jamal Khashoggi em Istambul desencadeia troca de ameaças entre Washington e Riad. EUA ameaçam impor sanções econômicas, enquanto governo saudita cogita reduzir produção de petróleo.

O presidente dos EUA, Donald Trump, aperta a mão do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, durante visita à Casa Branca, em março
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, durante encontro em marçoFoto: picture-alliance/AP Photo/E. Vucci

Os Estados Unidos e a Arábia Saudita discutem no momento medidas que possam ser tomadas caso o jornalista Jamal Khashoggi tenha sido morto por agentes sauditas durante uma visita ao consulado do país em Istambul no início deste mês.

Durante o fim de semana, o presidente dos EUA, Donald Trump, prometeu uma "punição severa" caso for provado que a Arábia Saudita ordenou a morte de Khashoggi. Enviado por Trump ao reino saudita para discutir o incidente, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, chegou ao país nesta terça-feira (16/10), onde se reuniu com o rei Salman.

Riad retrucou as acusações, classificando-as de "mentiras" e ameaçou com retaliações por possíveis sanções econômicas estipuladas pelos Estados Unidos ou por outros países ocidentais.

"O reino [saudita] afirma sua rejeição total a quaisquer ameaças e tentativas de enfraquecê-lo, seja ameaçando impor sanções econômicas, usando pressões políticas ou repetindo falsas acusações", disse a agência estatal saudita de notícias.  

Ainda não está claro como Trump iria "punir" economicamente a Arábia Saudita pelo desaparecimento do jornalista, mas membros eminentes do Congresso americano, como o senador Marco Rubio, da Flórida, sugeriram suspender as vendas de armas ao reino saudita.

"Não há dinheiro suficiente no mundo para reconquistarmos nossa credibilidade em direitos humanos se não avançarmos e agirmos rapidamente", disse Rubio. "As vendas de armas são importantes não por causa do dinheiro, mas porque também proporcionam influência sobre comportamentos futuros."

O senador republicano Jeff Flake sugeriu o corte da ajuda militar dos Estados Unidos às forças lideradas pela Arábia Saudita e envolvidas no conflito no Iêmen.

Empresas privadas já assumiram uma posição dura em relação às alegações de que a Arábia Saudita possivelmente tenha ordenado a morte de Khashoggi, um dos principais críticos do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.

O presidente-executivo da multinacional americana do setor financeiro JPMorgan Chase, Jamie Dimon, juntamente com vários outros líderes de Wall Street, como o presidente-executivo da Ford, Bill Ford, desistiram de participar da Future Investment Initiative, uma conferência anual de investimento sediada em Riad.

"Investidores globais estão reconsiderando seriamente seus acordos com a Arábia Saudita devido à pressão da mídia e de seus clientes", disse Günter Meyer, diretor do Centro de Pesquisa sobre o Mundo Árabe da Universidade de Mainz, em entrevista à DW. O especialista acrescentou que o desaparecimento de Khashoggi teve um "sério impacto na atitude econômica global em relação ao reino saudita".

Martin Beck, professor do Centro de Estudos Contemporâneos do Oriente Médio da Universidade do Sul da Dinamarca, disse à DW que a Arábia Saudita poderia revidar possíveis sanções americanas com o corte de sua produção de petróleo.

"Se os sauditas reduzirem significativamente sua produção de petróleo, isso pode causar muita tensão nos mercados petrolíferos e fazer com que os preços saltem muito rapidamente, num período bastante curto, o que prejudicaria as economias ocidentais", disse. "Isso significa que, potencialmente, os sauditas possuem certa influência econômica em relação ao Ocidente."

"A Arábia Saudita também sugeriu reduzir seu investimento na economia dos EUA, que atualmente é avaliado em 800 bilhões de dólares", acrescentou Meyer. O especialista disse ainda que a Arábia Saudita fez investimentos em hotéis, manufatura e imóveis nos Estados Unidos e que cortá-los "prejudicaria significativamente a economia americana".

"Blefe" saudita

Ainda assim, Meyer afirmou acreditar que as ameaças sauditas são um "blefe", que representa mais uma tática para limpar a própria barra perante a opinião pública doméstica.

"A mídia controlada pelo governo saudita tem enfatizado que o desaparecimento de Khashoggi é uma conspiração fabricada pelo Catar", explicou Meyer. "O governo saudita disse que eles não cederão e tomarão medidas para retaliar qualquer pressão dos EUA e de outros países ocidentais."

Apesar das posturas firmes de ambos os lados, os especialistas duvidam que haverá um agravamento econômico entre Washington e Riad. "Duvido que Trump decrete sanções, já que não acredito que a pressão pública seja alta o suficiente para que ele tome esta medida neste momento", disse Meyer.

O especialista lembrou como Trump ficou orgulhoso sobre ter ido à Arábia Saudita no ano passado e assinado vários acordos de armas. Além disso, ele afirmou que a Rússia espera se aproveitar da tensão, com a possibilidade de que Riad compre mais armas de Moscou e até permita uma base militar russa em solo saudita.

Beck também se mostrou cético em relação a um abalo da relação entre a Arábia Saudita e os EUA e ressaltou que Washington tem mais influência sobre o relacionamento e que os dois países estão alinhados para reduzir a influência iraniana na região. "Acredito que os sauditas, caso estejam agindo de maneira racional, não podem realmente enfrentar os EUA."

Interrogatório malsucedido?

Citando duas fontes não especificadas, a emissora americana CNN afirmou que o jornalista Khashoggi foi morto durante um interrogatório que saiu do controle. Isso estaria descrito num relatório preliminar preparado pela Arábia Saudita sobre o incidente. Uma das fontes teria apontado que o relatório ainda não estava pronto e que poderia sofrer alterações.

A outra fonte teria dito que o relatório provavelmente concluiria que a operação foi realizada sem a permissão do alto escalão do governo saudita e que os envolvidos seriam responsabilizados. A agência de notícias Associated Press divulgou que rumores semelhantes circulam na Turquia.

Veículos de informação turcos próximos ao governo do país divulgaram nos últimos dias vários detalhes de investigações do serviço de inteligência, pressionando Riad. As autoridades turcas teriam determinado a estadia de algumas horas em Istambul de um suposto esquadrão assassino saudita em 2 de outubro, o dia do desaparecimento de Khashoggi. Além disso, há relatos de que a inteligência turca possui áudio e possivelmente imagens que comprovariam que Khashoggi foi torturado dentro do consulado.

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