EUA e Coreia do Norte: de ameaças a voto de desnuclearização
Elizabeth Schumacher ip
12 de junho de 2018
Após meses de tensões e ameaças de uma guerra nuclear, Washington e Pyongyang sinalizam aproximação em encontro histórico entre Trump e Kim. Confira uma cronologia das relações bilaterais.
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Após um longo histórico de tensões bilaterais, acirradas desde o ano passado, com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, participaram de um encontro histórico nesta terça-feira (12/06), em Cingapura. Reveja os principais momentos das relações entre ambos os países nos últimos anos:
Fevereiro de 2012: três meses após assumir oficialmente o cargo de líder supremo da Coreia do Norte como sucessor do pai, Kim Jong-un assinou um acordo com o presidente dos EUA, Barack Obama, para congelar testes nucleares e de mísseis balísticos.
Abril de 2012: apenas dois meses depois de concordar em interromper os lançamentos de mísseis, Pyongyang tentou lançar um satélite Kwangmyongsong-3 ou Bright Star-3. Kim disse que o lançamento foi feito para marcar o centésimo aniversário de seu avô, o fundador da Coreia do Norte, Kim Il-sung. Embora o lançamento tenha sido um fracasso, a manobra foi interpretada no Ocidente como um teste de míssil velado.
Janeiro de 2013: um mês após o lançamento bem-sucedido de um novo Bright Star-3, Washington pressionou por uma resolução da ONU que ampliasse as sanções contra Pyongyang, alegando que o foguete usado para colocar o satélite em órbita também poderia ser usado para levar uma bomba até a costa oeste dos EUA. O Conselho de Segurança da ONU adotou a resolução, ampliando o escopo das proibições de viagem contra indivíduos norte-coreanos, bem como o congelamento de ativos.
Março-abril de 2013: as relações entre as duas nações atingiram um ponto baixo durante a administração de Barack Obama. Primeiro, Kim declarou que foguetes estavam prontos para serem disparados em bases americanas no Pacífico, causando preocupação crescente pela segurança dos territórios dos EUA, como Guam.
Os EUA começaram a direcionar significativos recursos militares para a proteção do Pacífico ocidental. Ao mesmo tempo, a Coreia do Norte prendeu o cidadão americano Kenneth Bae, supostamente um missionário cristão e que foi condenado a 15 anos de trabalhos forçados por tentar derrubar o governo norte-coreano. Bae acabou sendo libertado em novembro de 2014.
2013-2016: a Coreia do Norte realizou uma série de testes nucleares cada vez mais potentes. O regime então declarou ter aperfeiçoado uma bomba de hidrogênio, embora especialistas ocidentais considerem essa afirmação duvidosa. Em julho de 2016, um alto diplomata norte-coreano disse que o fato de os Estados Unidos colocarem o próprio Kim em sua lista de sanções equivalia a uma declaração de guerra.
O encontro entre Kim e Trump em imagens
Todos os olhos estavam voltados para o presidente dos EUA e para o líder norte-coreano quando ambos se encontraram pela primeira vez para um encontro histórico em Cingapura.
Foto: Reuters/F. Lim
Aperto de mão histórico
Trump e Kim se reuniram por cerca de quatro horas num hotel de luxo em Cingapura, na primeira reunião da história entre um presidente americano em exercício e um líder norte-coreano.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Vucci
Entendimento
Kim e Trump celebraram a assinatura de um entendimento durante a cúpula realizada na Ilha de Sentosa, em Cingapura. O documento, de quatro pontos, menciona o desejo de melhora nas relações bilaterais, visando a paz e prosperidade. Porém, não oferece um calendário para a desnuclearização da península.
Foto: Reuters/J. Ernst
Missão cumprida
Na foto, Kim e Trump deixam o resort Capella após assinarem o documento. O texto foi chamado por Trump de "bastante abrangente", mas tem poucos detalhes. Fala num "comprometimento firme e decidido" de Kim para desnuclearizar a península e numa promessa do presidente americano de "prover garantir de segurança" à Coreia do Norte.
Foto: Reuters/J. Ernst
De volta para casa
Comitiva do líder norte-coreano, Kim Jong-un, deixa a Ilha de Sentosa, em Cingapura. Perante as câmeras, Trump tratou o ditador norte-coreano como um par, chegou a chamá-lo de "talentoso", falou ser uma honra conhecê-lo e previu uma "relação fantástica" entre ambos.
Foto: Reuters/E. Su
O resultado
Documento assinado por Donald Trump e Kim Jong-un em Cingapura. Nele, os líderes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte se comprometem com a completa desnuclearização da Península Coreana. Também está mencionada no texto a intenção de "construir um regime de paz robusto e duradouro na região", mas não como isso seria feito.
Foto: Reuters/J. Ernst
Compromisso
Donald Trump mostra documento assinado por ele e Kim Jong-un. Na linguagem diplomática: o caminho às negociações está aberto e, levando em conta a retórica, pode levar à paz definitiva que não é alcançada desde a Guerra da Coreia, mas não há indicações ainda de quanto cada parte está disposta a ceder.
Foto: Reuters/J. Ernst
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Junho de 2017: depois de 17 meses na prisão por roubar um pôster de propaganda política durante uma visita guiada, o estudante americano Otto Warmbier foi repatriado em péssimas condições de saúde. Ele entrou em coma, o que Pyongyang atribuiu a uma combinação de botulismo e comprimidos para dormir. Após sua morte, em 19 de junho, médicos legistas não identificaram evidência alguma de botulismo, mas também não conseguiram encontrar provas de que o homem de 22 anos havia sido fisicamente torturado.
Julho de 2017: a Coreia do Norte realizou, pela primeira vez, um teste bem sucedido de um míssil balístico intercontinental (ICBM), dizendo ter conseguido atingir o Alasca.
Agosto de 2017: após declarar que não perseguiria a diplomacia de seu antecessor, o novo presidente dos EUA, Donald Trump, começou a trocar insultos com Kim Jong-un. Durante uma entrevista coletiva em seu resort de golfe, Trump ameaçou responder às ameças norte-coreanas com "fogo e fúria", levando Kim a rotular o presidente americano de "mentalmente perturbado". Um mês depois, Trump prometeu "destruir totalmente" a Coreia do Norte no caso de um ataque contra os EUA ou seus aliados, e começou repetidamente a se referir a Kim como "pequeno homem-foguete".
Novembro de 2017: pouco depois de o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, afirmar que Washington e Pyongyang estavam em "contato direto" e buscando negociações, a Coreia do Norte lançou um míssil que percorreu cerca de mil quilômetros rumo ao oeste e aterrissou no mar do Japão.
Qual o poder de fogo da Coreia do Norte?
Pyongyang prometeu responder a qualquer provocação militar após EUA sinalizarem disposição de agir contra o regime. Qual a real força desse Exército que desafia potências internacionais?
Foto: Reuters/S. Sagolj
Um dos maiores exércitos do mundo
Com 700 mil homens na ativa e outros 4,5 milhões na reserva, a Corea do Norte pode convocar a qualquer momento um quarto de sua população para a guerra. Todos os homens do país devem passar por algum tipo de treinamento militar e estar sempre disponíveis para pegar em armas. Estima-se que as tropas norte-coreanas tenham superioridade de 2 para 1 em relação à Coreia do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/E. Jones
Um arsenal de respeito
Segundo o índice Global Firepower de 2016, o país possui 70 submarinos, 4,2 mil tanques, 458 aviões de combate e 572 aeronaves de outros tipos. Um arsenal bastante considerável. Esta imagem de 2013 mostra o líder Kim Jong-un ordenando que os mísseis do país estivessem prontos para atacar os EUA e a Coreia do Sul a qualquer momento.
Foto: picture-alliance/dpa
Poder balístico
Os mísseis aqui mostrados foram exibidos no desfile do dia 15 de abril de 2017, juntamente a outros que passaram sob o olhar do líder Kim Jong-un. Existe, porém, a suspeita de que muitos eram apenas maquetes para impressionar o mundo. Mesmo assim, a capacidade balística do país asiático não deve ser menosprezada.
Foto: Gettty Images/AFP/E. Jones
Coloridas e maciças demonstrações de força
Todos os anos, milhares de soldados e civis desfilam pelas ruas de Pyongyang em paradas militares. A maior destas, no chamado Dia do Sol, honra a memória de Kim Il-sung, patriarca do clã que governa o país desde sua fundação e avô de Kim Jong-un. Os preparativos para os desfiles espetaculares podem levar vários meses.
Foto: picture-alliance/dpa/KCNA
Testes nucleares
Apesar da pressão internacional, a Coreia do Norte não esconde suas ambições nucleares. Além dos testes com mísseis balísticos, Pyongyang realizou em cinco ocasiões os chamados ensaios nucleares, duas vezes apenas em 2016. O país sustenta que a última ogiva a ser testada pode ser lançada de um foguete, algo que especialistas consideram pouco provável. Ao menos até o momento.
Foto: picture-alliance/dpa/KCNA
Unidades femininas
Do contingente militar norte-coreano, 10% é composto por mulheres. Elas servem em unidades especiais diferenciadas e devem prestar serviços ao exército por até sete anos, segundo uma lei aprovada em 2003. É possível ver algumas delas patrulhando as ruas com sapatos de salto alto.
Foto: picture-alliance/AP Photo/W. Maye-E
Os inimigos de Pyongyang
Além dos EUA, a Coreia do Norte também considera como grandes inimigos a Coreia do Sul e o Japão. Pyongyang vê os exercícios militares americanos na Península da Coreia como uma ameaça à sua população, afirmando se tratar de uma preparação para uma iminente invasão de seu território.
Foto: Reuters/K. Hong-Ji
Preparação permanente
As Forças Armadas norte-coreanas treinam permanentemente em frentes distintas para estar prontas para o combate. O legado da Guerra da Coreia, que dividiu a península em dois países ainda unidos por um passado comum, é sentido até os dias de hoje. Na imagem, desembarque de embarcações anfíbias de unidades navais em local desconhecido na Coreia do Norte.
Foto: Reuters/KCNA
Fim da paciência americana?
Em abril de 2017, os Estados Unidos disseram ter enviado o porta-aviões Carl Vinson (foto) à Península da Coreia, sinalizando possíveis medidas contra Pyongyang. A Coreia do Norte afirmou estar pronta para qualquer tipo de guerra. Fontes de serviços de inteligência afirmam que os norte-coreanos estão a menos de dois anos de conseguir obter poder suficiente para lançar mísseis contra os EUA.
Foto: picture-alliance/Zumapress/M. Brown
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Janeiro de 2018: com a China, aliada de longa data, começando a retirar sua ajuda e parando de negociar com Pyongyang como parte das sanções internacionais cada vez mais rigorosas – com a última rodada tendo como o alvo o fornecimento de petróleo ao Norte –, Kim anunciou em seu discurso de Ano Novo que pretendia promover um degelo das relações com a Coreia do Sul. Para esse fim, ambas as Coreias concordaram em marchar sob uma bandeira única nas Olimpíadas de Inverno no Sul e colocar em campo uma equipe feminina conjunta de hóquei no gelo.
Abril de 2018: O presidente sul-coreano, Moon Jae-in, e Kim se encontraram para uma cúpula oficial, o terceiro encontro do gênero a ser realizado desde a Guerra da Coreia, encerrada em 1953 com um armistício. Moon classificou a reunião de um "milagre". Nas negociações, ambas as Coreias se comprometeram com uma "desnuclearização da Península Coreana", sem definir, no entanto, o que isso significaria.
Ao mesmo tempo, a Casa Branca anunciou que o diretor da CIA, Mike Pompeo, tinha feito uma viagem secreta à Coreia do Norte para se encontrar com Kim, depois de Trump aceitar um convite para negociações diretas, no que seria a primeira conversa direta entre um presidente dos Estados Unidos em exercício e um líder norte-coreano.
Maio de 2018: o presidente Trump saudou a libertação de três prisioneiros americanos detidos na Coreia do Norte como um "gesto positivo de boa vontade" durante a preparação para uma cimeira bilateral.
Junho de 2018: Trump e Kim se reuniram em Cingapura e assinaram um documento no qual o líder norte-coreano se compromete com a completa desnuclearização da Península Coreana.
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Verdades e mitos sobre a dinastia Kim
Família governa a Coreia do Norte desde a fundação do país, há quase sete décadas, com um culto quase divino às personalidades de Kim Il-sung, Kim Jong-il e Kim Jong-un.
Foto: picture alliance / dpa
Um jovem líder
Kim Il-sung, o primeiro e "eterno" presidente da Coreia do Norte, assumiu o poder em 1948 com o apoio da União Soviética. O calendário oficial do país começa no seu ano de nascimento, 1912, designando-o de "Juche 1", em referência ao nome da ideologia estatal. O primeiro ditador norte-coreano tinha 41 anos ao assinar o armistício que encerrou a Guerra da Coreia (foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Idolatria
Após a guerra, a máquina de propaganda de Pyongyang trabalhou duro para tecer uma narrativa mítica em torno de Kim Il-sung. A sua infância e o tempo que passou lutando contra as tropas japonesas nos anos 1930 foram enobrecidas para retratá-lo como um gênio político e militar. No congresso partidário de 1980, Kim anunciou que seria sucedido por seu filho, Kim Jong-il.
Foto: picture-alliance/AP Photo
No comando até o fim
Em 1992, Kim Il-sung começou a escrever e publicar sua autobiografia, "Memórias – No transcurso do século." Ao descrever sua infância, o líder norte-coreano afirmou que ao 6 anos participou de sua primeira manifestação contra os japoneses e, aos 8, envolveu-se na luta pela independência. As memórias permaneceram inacabadas com a sua morte, em 1994.
Foto: Getty Images/AFP/JIJI Press
Nos passos do pai
Depois de passar alguns anos no primeiro escalão do regime, Kim Jong-il assumiu o poder após a morte do pai. Seus 16 anos de governo foram marcados pela fome e pela crise econômica num país já empobrecido. Mas o culto de personalidade em torno dele e de seu pai, Kim Il-sung, cresceu ainda mais.
Foto: Getty Images/AFP/KCNA via Korean News Service
Nasce uma estrela
Historiadores acreditam que Kim Jong-il nasceu num campo militar no leste da Rússia, provavelmente em 1941. Mas a biografia oficial afirma que o nascimento dele aconteceu na montanha sagrada coreana de Paekdu, exatamente 30 anos após o nascimento de seu pai, em 15 de abril de 1912. Segundo uma lenda, esse nascimento foi abençoado por uma nova estrela e um arco-íris duplo.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Problemas familiares
Kim Jong-il teve três filhos e duas filhas com três mulheres, até onde se sabe. Esta foto de 1981 mostra Kim Jong-il sentado ao lado de seu filho Kim Jong-nam, fruto de um caso com a atriz Song Hye-rim (que não aparece na foto). A mulher à esquerda é Song Hye-rang, irmã de Song Hye-rim, e os dois adolescentes são filhos de Song Hye-rang. Kim Jong-nam foi assassinado em 2017.
Foto: picture-alliance/dpa
Procurando um sucessor
Em 2009, a mídia ocidental informou que Kim Jong-il havia escolhido seu filho mais novo, Kim Jong-un, para assumir a liderança do regime. Os dois apareceram juntos numa parada militar em 2010, um ano antes da morte de Kim Jong-il.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Yu
Juntos
Segundo Pyongyang, a morte de Kim Jong-il em 2011 foi marcada por uma série de acontecimentos misteriosos. A mídia estatal relatou que o gelo estalou alto num lago, uma tempestade de neve parou subitamente e o céu ficou vermelho sobre a montanha Paekdu. Depois da morte de Kim Jong-il, uma estátua de 22 metros de altura do ditador foi erguida próxima à de seu pai (esq.) em Pyongyang.
Foto: picture-alliance/dpa
Passado misterioso
Kim Jong-un manteve-se fora de foco antes de subir ao poder. Sua idade também é motivo de controvérsia, mas acredita-se que ele tenha nascido entre 1982 e 1984. Ele estudou na Suíça. Em 2013, ele surpreendeu o mundo ao se encontrar com Dennis Rodman, antiga estrela do basquete americano, em Pyongyang.
Foto: picture-alliance/dpa
Um novo culto
Como os dois líderes antes dele, Kim Jong-un é tratado como um santo pelo regime estatal totalitário. Em 2015, a mídia sul-coreana reportou sobre um manual escolar que sustentava que o novo líder já sabia dirigir aos 3 anos. Em 2017, foi anunciado pela mídia estatal que um monumento em homenagem a ele seria construído no Monte Paekdu.
Foto: picture alliance/dpa/Kctv
Um Kim com uma bomba de hidrogênio
Embora Kim tenha chegado ao poder mais jovem e menos conhecido do público que seu pai e seu avô, ele conseguiu manter o controle do poder. O assassinato de seu meio-irmão Kim Jong-nam, em 2017, serviu para cimentar sua reputação externa de ditador impiedoso. O líder norte-coreano também expandiu o arsenal de armas do país.