Premiê iraquiano confirma vitória sobre "Estado Islâmico" na cidade. Trump elogia feito e diz que jihadistas "estão com os dias contados". ONU também parabeniza Bagdá, mas alerta que crise humanitária está longe do fim.
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O primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, anunciou formalmente nesta segunda-feira (10/07) a vitória das Forças Armadas do país contra o grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) em Mossul, após três anos de controle dos jihadistas. A comunidade internacional reagiu com contentamento à notícia.
"Eu anuncio daqui o fim, o fracasso e o colapso do estado de falsidade e terrorismo que o Daesh ["Estado Islâmico"] anunciou em Mossul", disse Abadi em discurso televisionado, formalizando o que já havia antecipado o governo do Iraque no domingo, dia em que o premiê chegou à cidade.
A retomada de Mossul foi confirmada pelo governo dos Estados Unidos nesta segunda-feira. Washington lidera uma coalizão internacional que apoia a ofensiva contra o EI na cidade iraquiana – iniciada há quase nove meses –, conduzindo bombardeiros e auxiliando soldados em solo.
O comandante da missão militar americana contra o grupo terrorista, tenente-general Stephen Townsend, foi o primeiro a celebrar a "vitória histórica contra um inimigo brutal". Apesar de ainda haver pela frente uma longa luta contra o EI no Oriente Médio, o oficial afirmou que a "perda de uma de suas capitais e joia de seu califado é um golpe decisivo" para a milícia.
Mais tarde, o presidente americano, Donald Trump, parabenizou o Iraque pela "vitória contra os terroristas", "inimigos de todos os povos civilizados". Para o republicano, a liberação de Mossul é um sinal de que a atuação dos jihadistas na Síria e no Iraque "está com os dias contados".
Em comunicado, o presidente também exaltou "o enorme progresso" conquistado na luta contra o "Estado Islâmico" no Oriente Médio, afirmando que foi feito "mais nos últimos seis meses" do que nos anos anteriores – Trump completa seis meses à frente da Casa Branca na próxima semana.
Já o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, definiu a vitória como um "marco crucial na luta global contra o EI", que promoveu uma "ocupação brutal" na cidade e matou milhares de civis.
Crise humanitária longe do fim
As Nações Unidas também saudaram a retomada de Mossul, classificando-a como um "passo significativo na luta contra o terrorismo e o extremismo violento". Em nota, o secretário-geral Antonio Guterres ofereceu condolências pelas vidas perdidas e afirmou que a ONU prestará todo o apoio necessário às comunidades deslocadas e à restauração do Estado de direito na região.
A batalha para recuperar Mossul deixou grande parte da cidade em ruínas e milhares de civis mortos. Cerca de 920 mil residentes fugiram da cidade desde a chegada das forças iraquianas, em outubro passado, estimou o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (OCHA).
Mesmo com a liberação da cidade, muitos desses refugiados não serão capazes de voltar às suas casas tão cedo, afirmaram as Nações Unidas, levando em conta o estado de destruição que se encontra Mossul. O governo iraquiano diz que, no centro antigo, cerca de 65% das construções foram severamente danificadas, enquanto nos bairros ocidentais, como Zanjili, a situação é ainda pior.
Apoio de Teerã
Entre as nações vizinhas, o Irã também se disse disposto a ajudar na reconstrução da região devastada, e parabenizou Bagdá pela vitória em Mossul. "Quando os iraquianos se dão as mãos, não há limites para suas conquistas", disse o ministro do Exterior iraniano, Mohammad Javad Zarif.
Qassem Soleimani, chefe de operações estrangeiras da Guarda Revolucionária, chegou a lançar críticas contra o governo em Washington ao exaltar o papel de Teerã na luta contra o EI. "O Irã não é como os EUA, que tiram dinheiro do Iraque e se recusam a fornecer armas em tempos de necessidade. Nosso Ministério da Defesa trabalhou três turnos para produzir armas para o Iraque", alegou.
Foi em Mossul que, há quase três anos, o líder do "Estado Islâmico", Abu Bakr al-Baghdadi, declarou um califado na Síria e no Iraque. Conforme vêm perdendo território, é possível que os militantes revejam suas táticas de insurgência. O grupo também é alvo de uma ofensiva apoiada pela coalizão internacional na Síria, sobretudo na cidade de Raqqa, capital não oficial do EI.
EK/dpa/afp/efe/lusa/ots
"Estado Islâmico": de militância sunita a califado
Origens do grupo jihadista remontam à invasão do Iraque, em 2003. Nascido como oposição ao domínio xiita e inicialmente um braço da Al Qaeda, EI passou por mudanças e virou uma ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com a derrubada do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo sunita surgiu a partir da união de diversas organizações extremistas, leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra a ascensão dos xiitas ao governo iraquiano.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al Qaeda
A insurreição se tornou cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi, fundador da Al Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se voltaram contra eles e se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
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Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea e ele foi sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Bagdadi. A AQI mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). No ano seguinte, Washington intensificou sua presença militar no país. Masri e Bagdadi foram mortos em 2010.
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Volta dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a se reagrupar, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o EIIL atravessou a fronteira para participar da luta contra o presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram se fundir com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EIIL e a central da Al Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do racha com a Al Qaeda, o EIIL fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando sua segunda maior cidade, Mossul, em 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já havia sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
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Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista econômico quanto estratégico. Ela é uma importante rota de exportação de petróleo e ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Mas a conquista da cidade é vista como apenas uma etapa para os extremistas, que pretenderiam avançar a partir dela.
Foto: Getty Images
Atual abrangência do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho, a organização declarou um "Estado Islâmico" que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e tem Abu Bakr al-Bagdadi como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da charia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado" após serem colocados diante da opção: converter-se ao islã sunita, pagar um imposto ou serem executados. Os xiitas também eram alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o patrimônio histórico
O EI destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. Eles diziam que esculturas antigas entram em contradição com sua interpretação radical dos princípios do Islã. Especialistas afirmam, porém, que o grupo faturou alto no mercado internacional com a venda ilegal de estátuas menores, enquanto as maiores eram destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Durante suas ofensivas armadas, o "Estado Islâmico" saqueou centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupou diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Seus militantes também se apossaram do armamento militar de fabricação americana das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional.