EUA e Otan iniciam retirada de tropas do Afeganistão
1 de maio de 2021
Milhares de soldados estrangeiros começam a deixar o país, após 20 anos da guerra mais longa já travada pelos americanos. Talibã alerta que retirada ocorre tarde demais.
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Os Estados Unidos e a Otan iniciaram formalmente neste sábado (01/05) a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão, após duas décadas de uma batalha sangrenta contra o Talibã. A medida colocará fim à guerra mais longa já travada por Washington.
O presidente americano, Joe Biden, havia definido 1º de maio como o início oficial da retirada das tropas remanescentes: entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7.000 soldados da Otan devem deixar o território afegão até 11 de setembro.
Antes mesmo deste sábado, a complexa tarefa de fazer as malas já havia começado. Os militares têm trabalhado em um inventário, decidindo o que será enviado de volta para os EUA, o que será entregue às forças de segurança do Afeganistão e o que será vendido nos mercados do país. Nas últimas semanas, equipamentos têm sido enviados em enormes aviões de carga.
Estima-se que os Estados Unidos gastaram mais de 2 trilhões de dólares no Afeganistão nos últimos 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War (custos da guerra) da Universidade Brown, que documenta os gastos ocultos do envolvimento militar americano.
Autoridades do Departamento de Defesa e diplomatas disseram à agência de notícias Associated Press que a retirada das tropas envolveu o fechamento de bases menores ao longo do último ano. Segundo eles, desde que Biden confirmou a saída em meados de abril, apenas cerca de 60 militares deixaram o território afegão.
Os Estados Unidos e seus aliados da Otan chegaram juntos ao Afeganistão em 7 de outubro de 2001, em resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro daquele ano. O objetivo era caçar os perpetradores da organização terrorista Al Qaeda que viviam sob a proteção dos governantes talibãs do país.
Ao anunciar a retirada das tropas no mês passado, Biden afirmou que a missão inicial havia sido cumprida há uma década, quando militares americanos mataram o fundador da Al Qaeda, Osama Bin Laden, em seu esconderijo no vizinho Paquistão.
Desde então, o grupo perdeu força, e a ameaça terrorista sofreu uma "metástase" para se tornar um fenômeno global que não pode ser contido mantendo milhares de soldados em um único país, afirmou o presidente americano em abril.
Segundo Biden, a cada ano que passava a justificativa para manter os soldados no Afeganistão ficava "mais obscura". "Um ataque terrível há 20 anos [...] não pode explicar por que deveríamos permanecer ali em 2021", disse. "Não podemos continuar o ciclo de estender ou expandir nossa presença militar no Afeganistão na esperança de criar as condições ideais para nossa retirada, esperando um resultado diferente."
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Ameaça do Talibã
Até agora, os EUA e a Otan não receberam qualquer garantia por parte do Talibã de que as tropas estrangeiras não serão atacadas durante a retirada. Um porta-voz do Talibã disse que a liderança do grupo ainda estava refletindo sobre sua estratégia.
Em mensagem publicada no Twitter neste sábado, o Talibã afirmou que a retirada das tropas acontece tarde demais, já que um acordo firmado no ano passado entre o grupo e Washington garantia que todos os soldados deixariam o país até 1º de maio.
"O prazo acordado para 1º de maio já passou", diz o tuíte em inglês. O pacto fora fechado pelo antecessor de Biden na Casa Branca, o então presidente Donald Trump. Em abril, Biden confirmou a retirada, mas adiou unilateralmente o prazo final para 11 de setembro.
"A violação, em princípio, abriu caminho para o Emirado Islâmico do Afeganistão [nome usado pelo Talibã para o país] tomar todas as contra-ações que considerar apropriadas contra as forças de ocupação", disse o grupo.
O Talibã afirmou ainda que seus combatentes iriam agora aguardar uma decisão de sua liderança "à luz da soberania, valores e maiores interesses do país".
"Um erro"
Neste sábado, o comandante das forças estrangeiras no Afeganistão, o general americano Scott Miller, alertou que seria um erro se insurgentes atacassem as tropas ainda presentes no país.
"Não se enganem, temos os meios militares para responder vigorosamente a qualquer tipo de ataque contra a coalizão, e temos os meios militares para apoiar as forças de segurança [afegãs]", afirmou Miller em vídeo publicado no Twitter.
A declaração veio após um porta-voz das forças americanas afirmar que houve um "disparo indireto ineficaz" em um campo de aviação em Kandar, a segunda maior cidade do Afeganistão. O incidente não deixou feridos nem causou danos, e o Talibã ainda não se pronunciou sobre se tem alguma responsabilidade sobre o disparo.
O Talibã reagiu à decisão de Biden de manter as tropas americanas no país até setembro com uma retórica inflamada e ameaças de que haveria consequências. O grupo chegou a boicotar uma conferência crucial planejada para o mês passado na Turquia que visava estimular as negociações de paz paralisadas no Afeganistão.
Fontes oficiais e do Talibã dizem que contatos foram mantidos para tentar levar o Talibã de volta à mesa de negociações e convencer o grupo a concordar com a presença de tropas estrangeiras até setembro, mas nenhum anúncio nesse sentido foi feito até este sábado.
A violência no país aumentou nas últimas semanas, com mais de cem membros das forças de segurança afegãs mortos. Na sexta-feira, um ataque com um carro-bomba na cidade de Pol-e-Alam, capital da província de Logar, no leste do país, deixou dezenas de mortos e feridos. Não ficou claro quem esteve por trás do atentado, mas o governo culpou o Talibã.
ek (AP, Reuters, DPA, Efe)
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.