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EUA e Rússia fazem troca histórica de prisioneiros

Publicado 1 de agosto de 2024Última atualização 2 de agosto de 2024

Jornalista do Wall Street Journal, alemão condenado à morte em Belarus e russo sentenciado por assassinato de checheno em Berlim estão entre os beneficiados pelo acordo, que é o maior desde a Guerra Fria.

O ex-membro da Marinha Americana Paul Whelan e os jornalistas Evan Gershkovich e Alsu Kurmasheva sorriem ao lado de representantes do governo americano a bordo de avião que os levou de volta aos Estados Unidos
O ex-membro da Marinha Americana Paul Whelan (camisa polo azul marinho) e os jornalistas Evan Gershkovich (sentado à esquerda) e Alsu Kurmasheva (sentada à direita) a bordo de avião do governo americanoFoto: U.S. Government/REUTERS

O jornalista americano Evan Gershkovich e o ex-membro da Marinha americana Paul Whelan foram soltos de prisões na Rússia nesta quinta-feira (01/08), como parte de um amplo acordo com os Estados Unidos que resultou na troca de 24 prisioneiros.

A negociação, a maior do tipo entre a Rússia e países do Ocidente desde a Guerra Fria, envolveu ainda a Alemanha, Polônia, Eslovênia, Noruega e Belarus.

A informação foi anunciada pelo governo da Turquia e veiculada por diversas emissoras americanas.

Repórter do jornal americano Wall Street Journal, Gershkovich, 32, foi detido durante uma viagem a trabalho em março de 2023 na cidade de Ecaterimburgo, na Rússia. Ele foi condenado em julho por espionagem em um julgamento apressado e denunciado pelos EUA e pelo WSJ como farsa.

Já Whelan, 54, foi preso em 2018 em Moscou. Ele, que na época fazia a segurança de uma empresa americana de peças automotoras, sempre alegou que as evidências contra ele eram falsificadas e que havia viajado para comparecer a um casamento.

Gershkovich e Whelan, os americanos que estavam detidos na RússiaFoto: AP/picture alliance

A lista de libertados inclui ainda o dissidente Vladimir Kara-Murza, 42, cidadão de dupla nacionalidade russa e britânica que sobreviveu a duas tentativas de envenenamento; o alemão Rico K., 30, que havia sido preso em Belarus e sentenciado à morte por "terrorismo"; e a jornalista Alsu Kurmasheva, 47, da Radio Free Europe, condenada em julho após ser acusada pelo Kremlin de espalhar informações supostamente falsas sobre o Exército russo.

Kurmasheva tem dupla cidadania russa e americana. Ela vivia em Praga e foi presa em 2023 ao visitar a mãe na Rússia. O Kremlin alegou que ela descumpriu a obrigação de se registrar como "agente estrangeiro" – a Radio Free Europe é financiada pelo governo americano – e acusou-a de espalhar "informação falsa" sobre as Forças Armadas russas após o início da guerra na Ucrânia.

A jornalista Alsu Kurmasheva, em foto tirada em um tribunal russo, quando ainda estava sob custódia do KremlinFoto: AP/picture alliance

Prisões de cidadãos americanos pela Rússia têm aumentado nos últimos anos e são vistas por Washington como uma tentativa do Kremlin de negociar a soltura de cidadãos russos condenados no exterior.

"Isso é um alívio para aqueles que estão orando por esse dia há muito tempo", disse o presidente dos EUA, Joe Biden, sobre a libertação de Kurmasheva, Gershkovich e Whelan, ao lado de parentes da primeira. "Eles estão a caminho de casa para ver suas famílias."

A ONG Repórteres Sem Fronteiras disse estar "imensamente aliviada" com a soltura do jornalista Gershkovich. "A política contínua do governo russo de fazer reféns é ultrajante. Jornalistas não são espiões e nunca devem ser visados para fins políticos", afirmou.

Acordo dependeu de concessões significativas de outros países

O acordo é o mais recente de uma série de trocas de prisioneiros negociadas entre a Rússia e os EUA nos últimos dois anos, mas o primeiro a exigir concessões significativas de outros países.

Oleg Orlov, 71, também foi solto. Ele é um dos líderes do Memorial, organização da sociedade civil russa premiada com o Nobel em 2022, e estava na prisão por criticar o Exército russoFoto: Alexander Zemlianichenko/AP Photo/picture alliance

Entre os libertados pelo lado russo estão jornalistas como o próprio Gershkovich, dissidentes, críticos à guerra na Ucrânia e outros ocidentais condenados em processos cuja lisura é alvo de questionamentos. Em troca, a Rússia assegurou a liberdade de cidadãos condenados por crimes graves no Ocidente.

Um deles é Vadim Krasikov, um russo que cumpria pena na Alemanha pelo assassinato, em plena luz do dia, de um ex-combatente rebelde checheno em 2019.

Em entrevista ao jornalista americano Tucker Carlson em fevereiro deste ano, o presidente russo Vladimir Putin já havia sinalizado interesse em obter a libertação de Krasikov. "Há uma pessoa servindo uma sentença em um [país] aliado dos EUA. Aquela pessoa, por sentimentos patrióticos, eliminou um bandido em uma capital europeia", disse, sem citar Krasikov pelo nome.

Indagado depois sobre se Krasikov seria um agente do FSB, o serviço secreto russo, o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, disse: "Vou deixar essa pergunta sem resposta."

Em dezembro de 2022, a Rússia já havia conseguido a soltura do traficante de armas Viktor Bout em troca da libertação da atleta americana de basquete Brittney Griner, condenada na Rússia por porte de drogas,  depois de cartuchos de vaporizador contendo óleo de haxixe terem sido encontrados na bagagem dela.

Troca de presos foi intermediada pela Turquia, onde avião russo pousou mais cedoFoto: Tunahan Turhan/REUTERS

Quem mais a Rússia conseguiu soltar

Além de Krasikov, o Kremlin conseguiu negociar a soltura de Roman Seleznev, que cumpria pena de 27 anos nos Estados Unidos. Filho de um parlamentar russo aliado de Putin, ele foi condenado em 2016 acusado de roubar dados de cartões de crédito por meio de um ataque cibernético, gerando prejuízo de 169 milhões de dólares (R$ 972,1 milhões).

Outro condenado pela Justiça americana é Vladislav Klyushin, dono de uma empresa de TI que trabalhava com o Ministério da Defesa russo. Ele foi sentenciado em 2023 a nove anos de prisão por ter participado de um esquema milionário envolvendo informações de empresas obtidas ilegalmente.

Já Vadim Konoshchenok foi preso acusado de lavar dinheiro para o governo russo, enquanto Maxim Marchenko foi condenado por envolvimento em um esquema ilegal para enviar tecnologia militar americana a contatos russos.

Também foram soltos o casal Artem Dultsev e Anna Dultseva, espiões que atuavam sob identidade falsa na Eslovênia, fingindo serem argentinos, até serem presos em 2022. Os filhos do casal, menores de idade, eram mantidos em um abrigo e foram devolvidos aos pais. 

Outro que atuava sob identidade falsa era Mikhail Mikushin. Ele se passava por brasileiro e foi preso na Noruega, onde trabalhava como pesquisador na área de ameaças híbridas de segurança.

O presidente Vladimir Putin recebe Anna Dultseva e a filha dela. Dultseva era acusada de atuar sob identidade falsa como espiã na EslovêniaFoto: Mikhail Voskresensky/ITAR-TASS/IMAGO

"Troca de prisioneiros é passo em direção à impunidade"

Em 2010, a Rússia e o Ocidente trocaram 14 supostos espiões – entre eles estavam o agente duplo Sergei Skripal, que estava preso na Rússia e foi enviado ao Reino Unido, e a agente russa Anna Chapman, que estava presa nos EUA e foi enviada à Rússia.

Antes disso, grandes trocas de prisioneiros entre os dois lados envolvendo mais de uma dezena de pessoas só haviam sido realizadas durante a Guerra Fria, em 1985 e 1986.

Secretário-geral interino da Anistia Internacional na Alemanha, Christian Mihr comemorou a libertação de presos injustamente na Rússia, mas ponderou que "um assassino e outros criminosos condenados em julgamentos justos agora saem livres em troca de pessoas que apenas usaram do seu direito à liberdade de expressão".

Segundo Mihr, "a troca de prisioneiros é um passo em direção à expansão da impunidade", já que o governo russo pode se sentir encorajado a continuar fazendo presos políticos e a violar direitos humanos sem precisar temer quaisquer consequências.

O governo alemão defendeu a troca de prisioneiros alegando dever de proteger cidadãos alemães e solidariedade para com os EUA. Segundo Berlim, sem a soltura de um condenado por assassinato não teria sido possível obter a liberdade pessoas presas injustamente na Rússia.

ra (AFP, AP, Reuters, ots)