Tratado prevê retirada de todas as tropas americanas do Afeganistão no decorrer dos próximos 14 meses e abre caminho para encerrar 18 anos de guerra no país.
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Os governos dos Estados Unidos e do Afeganistão anunciaram neste sábado (29/02) que preveem uma retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan baseadas no país da Ásia Central dentro de 14 meses.
A medida faz parte de um acordo histórico que foi assinado em Doha, no Catar, entre os EUA e o grupo islâmico Talibã.
O pacto foi assinado pelo negociador especial dos Estados Unidos para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar. Ambos apertaram as mãos no salão de um luxuoso hotel no Catar, diante de uma grande presença talibã, que gritou "Alá é grande" na ocasião. O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, participou da cerimônia.
A iniciativa pretende pôr fim a 18 anos de conflito no Afeganistão. Cerca de 3.500 militares dos EUA e de países da coalizão liderada pelos americanos morreram no país desde 2001. O envolvimento americano no país teve início após os atentados de 11 de Setembro, conduzidos pela rede terrorista Al-Qaeda, à época baseada no Afeganistão.
Como parte do acordo, o número de militares estrangeiros no Afeganistão será reduzido de cerca de 14 mil para 8.600 até julho deste ano. O restante da retirada será feito de forma gradual ao longo dos meses seguintes, caso o Taliba cumpra sua parte no acordo.
"A coalizão completará a retirada de suas forças restantes do Afeganistão dentro de 14 meses após o anúncio desta declaração conjunta e do acordo EUA-Talibã... sujeito ao cumprimento pelo Talibã de seus compromissos sob o acordo EUA-Talibã", afirmou o comunicado conjunto divulgado pelos americanos e afegãos.
Caso ocorra um retorno da violência no país, o processo poderá ser interrompido.
O presidente afegão, Ashraf Ghani, declarou que alguns pontos no pacto entre os EUA e o Talibã precisarão de "consideração" e serão discutidos com o grupo islâmico. "Esperamos que o acordo leve a um cessar-fogo permanente", declarou.
Já o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que a aliança está preparada para "ajustar e reduzir" sua presença no país. No entanto, ele também frisou que, se a situação na região eventualmente piorar, os membros da aliança podem voltar a aumentar sua presença.
"A paz é longa e dura e precisamos nos preparar para retrocessos e dificuldades", disse Stoltenberg.
Em discurso pouco antes da assinatura, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, pediu para que o Talibã corte quaisquer laços com a rede Al-Qaeda e que continue a combater os terroristas do Estado Islâmico. "Continuem comprometidos com o acordo, sentem-se com o governo afegão, e a comunidade internacional estará pronta para retribuir", declarou Pompeo. "Estamos à beira de uma oportunidade histórica de paz", disse Pompeo.
Pompeo, que chegou neste sábado a Doha para participar do evento histórico, disse que o acordo "não é perfeito, mas os talibãs mostraram que podem ser pacíficos quando querem".
O acordo vinha sendo negociado há um ano e meio.
Na sexta-feira, o presidente dos EUA, Donald Trump, pediu que os afegãos "aproveitem a chance de paz". "Se o Talibã e o governo afegão conseguirem cumprir seus compromissos, teremos um caminho claro para acabar com a guerra no Afeganistão e levar nossos soldados para casa", disse Trump.
Em setembro do ano passado, Trump chegou a cancelar abruptamente as negociações em resposta a um ataque em Cabul que matou um americano, mas o processo acabou sendo retomado no final de novembro, após uma visita do governante ao Afeganistão.
Finalmente, em 22 de fevereiro, os talibãs implementaram uma redução da violência durante sete dias, um teste para o compromisso com o processo de paz exigido por Washington e pelo governo afegão, que foi excluído das negociações.
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.