Em mais um revés para o Planalto, americanos rejeitam reabrir mercado para carne do Brasil. Tema havia sido abordado em visita de Bolsonaro a Trump, quando brasileiros fizeram uma série de concessões.
Anúncio
Em novo revés para a política de alinhamento de Jair Bolsonaro com o governo americano, os EUA negaram a reabertura do seu mercado interno para carne bovina in natura de origem brasileira.
O tema das exportações havia sido tratado entre o presidente Jair Bolsonaro e seu homólogo americano, Donald Trump, em março, durante uma visita do brasileiro a Washington. Na ocasião, havia sido acertada a viagem de um grupo de inspetores do Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para auditar o sistema de inspeção de carne bovina do Brasil.
À época, os brasileiros fizeram uma série de concessões aos americanos, concordando em comprar carne suína dos EUA e abrindo uma cota para importação de trigo e aumentando o limite para a entrada de etanol americano no Brasil.
Além disso, o Brasil concordou em abdicar do status de país em desenvolvimento nas negociações junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), um tratamento diferenciado que prevê benefícios para países emergentes durante negociações com nações desenvolvidas.
Mas, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo publicada nesta segunda-feira (04/11), as concessões não se traduziram em nenhuma mudança na postura americana em relação à carne bovina in natura brasileira, frustrando os membros do governo Bolsonaro.
Após a inspeção, os americanos pediram informações adicionais ao governo brasileiro e estabeleceram que é preciso realizar uma nova inspeção no Brasil sobre a qualidade da carne. Não foi informada uma data para essa nova auditoria.
Segundo a Folha, somente depois dessa nova inspeção, dizem os americanos, haverá possibilidade de as barreiras contra a carne brasileira nos EUA serem levantadas. Ainda de acordo com o jornal, que citou interlocutores do governo Bolsonaro, a posição americana deve atrasar a abertura do mercado dos EUA em cerca de um ano.
Ainda segundo a Folha, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ficou decepcionada com o conteúdo do relatório, por considerar que todas as informações solicitadas pelos EUA já haviam sido esclarecidas.
Os EUA suspenderama compra de carne bovina in natura do Brasil em 2017, logo após a operação Carne Fraca. Conduzida pela Polícia Federal, a operação revelou um esquema de adulteração da carne vendida no mercado interno e externo. Desde então, exportadores brasileiros vêm tentando pressionar pela reabertura do mercado americano.
No final de setembro, um levantamento feito pela Câmara Americana de Comércio divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo já havia apontado que apenas dois de 13 compromissos firmados em março entre Bolsonaro e Trump haviam sido concretizados. Entre eles estavam a designação do Brasil como aliado extra-OTAN pelos americanos e a medida unilateral do governo brasileiro de isentar turistas dos EUA da necessidade de visto.
Em outubro, os EUA já haviam desistido de apoiar a inclusão do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), outro tema que havia sido acertado na visita de Bolsonaro a Washington, em março. Em troca das concessões, os americanos haviam concordado em promover a candidatura brasileira.
Mas, no final, o próprio governo americano rejeitouum pedido para discutir a ampliação do clube dos países industrializados e emergentes. Em vez de sugerir o Brasil, os americanos resolveram apoiar, por ora, apenas a candidatura da Argentina e da Romênia em uma carta enviada à organização.
Após a repercussão negativa para o governo Bolsonaro, o Planalto tentou minimizar o ocorrido, afirmando que os americanos ainda continuavam a apoiar a candidatura brasileira. Trump também seguiu a mesma postura pública, afirmando que Washington continuava promovendo a adesão dos brasileiros. No entanto, a Casa Branca não especificou quando de fato formalizaria seu apoio aos brasileiros.
As visitas de presidentes brasileiros aos Estados Unidos
Relembre como foram as principais visitas de presidentes do Brasil aos Estados Unidos após a redemocratização do Brasil nos anos 1980.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
Setembro de 1986: Sarney visita Reagan
Além de se reunir com Ronald Reagan, José Sarney proferiu um discurso ao Congresso. Os líderes discutiram a crise do endividamento internacional e a recusa do Brasil em assinar um acordo formal com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Outro tema foi a manutenção pelo Brasil da reserva de mercado para produtos de informática, mesmo com possíveis sanções pelos EUA. Pelé também estava na comitiva.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
1990-1992: visitas entre Collor e Bush
Os dois presidentes se encontraram duas vezes em 1990: em setembro, Fernando Collor esteve com George H. W. Bush durante a Assembleia Geral da ONU e, em dezembro, o americano visitou Collor e ainda discursou ao Congresso brasileiro. Em junho de 1991, o brasileiro visitou Bush nos EUA e, em junho de 1992, Bush teve um encontro com o brasileiro durante a Conferência Rio-92.
Abril de 1995: FHC visita Clinton
Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton abordaram um dos principais atritos entre os países: a aprovação da Lei de Patentes. Os EUA ameaçavam com sanções se o projeto não passasse. O texto chegou a ser aprovado em fevereiro de 1996, mas nos moldes como queriam os americanos. FHC repetiu ainda uma demanda brasileira existente até hoje: ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
FHC participou de uma reunião nas Nações Unidas sobre o combate ao tráfico de drogas e ficou hospedado em Camp David, a casa de campo da Presidência americana. Ele teve um encontro informal com Clinton, que cumprimentou FHC pela boa resposta brasileira à turbulência financeira asiática. Os dois líderes conversaram ainda sobre a paz no Oriente Médio e a estratégia de combate às drogas.
Foto: Imago/Zumapress/S. Farmer
Maio de 1999: FHC visita Clinton
Em Washington, FHC participou de vários encontros com governantes e empresários para convencê-los de que o pior da crise econômica já havia passado e afirmou que seu governo tentaria impedir outras no futuro. Com Clinton, FHC insistiu que era necessário buscar mecanismos financeiros que protegessem o país de ataques especulativos e de prejuízos provocados pela volatilidade de capitais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Walsh
Abril de 2001: FHC visita Bush
Na visita, o país desistiu de selar um acordo com os EUA sobre o início da Área de Livre Comércio das Américas (Alca. O revés de última hora ocorreu após o Departamento de Estado enviar a alguns países um memorando defendendo o ano de 2003 – em contraponto ao acordo fechado entre Brasília e Washington de começar a Alca em 2005. O documento esvaziou a visita de FHC.
Foto: Getty Images/M. Wilson
Novembro de 2001: FHC visita Bush
FHC e George W. Bush tiveram na Casa Branca uma conversa amigável, porém, morna. Ambos falaram sobre terrorismo, prejuízo do protecionismo às nações em desenvolvimento, economia da Argentina e a criação de um Estado palestino. FHC reforçou ainda o desejo do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Depois, o brasileiro foi para Nova York abrir a Assembleia Geral da ONU.
Foto: Getty Images/AFP/S. Thew
Junho de 2003: Lula visita Bush
O encontro terminou sem resultados concretos. O Brasil chegou a prometer que cooperaria para concluir com êxito a Alca até 2005 e a pedir o apoio de Washington para ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – dois assuntos que não avançaram. Eles também discutiram a paz no mundo e Lula disse que ela só seria alcançada se os países ricos ajudassem os mais pobres a se desenvolverem.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
Março de 2007: visitas entre Lula e Bush
No início do mês, Bush e Lula assinaram em Guarulhos/SP um memorando para a cooperação no desenvolvimento da tecnologia de biocombustíveis e prometeram diminuir a dependência do petróleo e de outros combustíveis fósseis não renováveis em seus países. No final de março, Lula foi recebido em Camp David (foto) para discutir o etanol como commodity mundial e a retomada da Rodada Doha, da OMC.
Foto: Getty Images/R. Sachs-Pool
Março de 2009: Lula visita Obama
No seu primeiro encontro, os dois presidentes anunciaram a criação de um grupo de trabalho para a reunião do G20, que aconteceu no mês seguinte em Londres, para buscar uma estratégia comum para enfrentar, na época, a crise econômica mundial, aumentar a confiança no sistema financeiro e recuperar as economias afetadas pelo maior crash vivido pelo mundo desde a década de 1930.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Reynolds
Abril de 2012: Dilma visita Obama
Dilma Rousseff mostrou preocupação com a depreciação das moedas dos países ricos em consequência das políticas monetárias deles para conter a crise, dizendo que esse desequilíbrio afeta todas as nações, principalmente as emergentes. Barack Obama disse que a relação dos dois países "nunca esteve mais forte" e discutiu com a brasileira temas como narcotráfico, intercâmbio estudantil e combustíveis.
Foto: Carolyn Kaster/AP Photo/picture alliance
Junho de 2015: Dilma visita Obama
A reunião marcou a superação de um imbróglio diplomático depois de documentos da Agência de Segurança Nacional (NSA) vazados por Edward Snowden mostrarem que os EUA também espionavam Dilma. Por causa do escândalo, ela chegara a cancelar uma visita de Estado a Obama em outubro de 2013. No encontro de 2015, Dilma tentou atrair investimentos, prometeu reduzir a poluição e aumentar o reflorestamento.
Foto: Getty Images/C. Somodevilla
Março de 2019: Bolsonaro visita Trump
Foi a primeira visita de Estado de Jair Bolsonaro – e a viagem foi bem-sucedida para o então presidente brasileiro. O fato de ele ter se encontrado com fiéis foi bem recebido entre seus eleitores evangélicos. Para militares e para a economia, ele conseguiu a promessa de Trump de apoiar o status de aliado preferencial na Otan e a entrada do Brasil na OCDE.
Foto: Allen Eyestone/ZUMAPRESS.com/picture alliance