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EUA modernizam armas nucleares estacionadas na Alemanha

Naomi Conrad | Nina Werkhäuser ca
27 de março de 2020

Washington estacionou armas nucleares em toda a Europa para intimidar Moscou. Na Alemanha, o Parlamento aprovou retirada de bombas americanas em 2010, mas elas não só serão mantidas, como também modernizadas.

Em Büchel, manifestantes protestam contra as bombas atômicas americanas
Em Büchel, há protestos regulares contra as bombas atômicas americanasFoto: picture-alliance/dpa/T. Frey

Em vista aérea, os campos ao redor da Base Aérea de Büchel se estendem como uma colcha de retalhos verde-marrom, pontuada por pequenos vilarejos e bosques que compõem a região do Eifel, no oeste da Alemanha. Observando mais de perto as imagens de satélite, veem-se várias dezenas de hangares camuflados. Vários metros sob a terra, encontra-se um segredo cuidadosamente guardado: depósitos subterrâneos com bombas nucleares americanas da época da Guerra Fria.

O número exato de bombas armazenadas nos depósitos subterrâneos na base aérea é desconhecido. As estimativas variam entre 15 e 20, e sua localização é um segredo de Estado. Tão secreto que a residente Elke Koller, farmacêutica aposentada, só descobriu sua existência por meio de reportagens da mídia em meados dos anos 1990 ‒ apesar de ser membro do Partido Verde local, na época.

Ela disse à DW ter ficado "completamente chocada" ao saber da existência dessas bombas. Desde então, tornou-se manifestante convicta, organizando marchas e manifestações locais contra os artefatos nucleares.

O governo alemão nunca confirmou oficialmente a existência das bombas nucleares em Büchel. De fato, os parlamentares corriam o risco de ser processados por divulgação de segredo de Estado, caso reconhecessem oficialmente sua localização.

Publicamente, Berlim só admite fazer parte do que é oficialmente chamado Acordo de Compartilhamento Nuclear.

No caso de um ataque nuclear, os militares americanos que vigiam as bombas localizadas na base aérea alemã ‒ com a ordem de atirar em qualquer intruso ‒ acoplariam a bomba aos aviões-caças alemães e ativariam o código. Em seguida, as equipes alemãs embarcariam no que os iniciados chamam de "missão de ataque", conduzindo as bombas americanas ao seu destino.

Essa seria, de fato, a primeira vez que as equipes chegariam mais perto das bombas bem guardadas: de acordo com um piloto, que falou com a DW sob condição de anonimato, eles

treinam apenas com maquetes. Esse acordo ‒ bombas americanas vigiadas por soldados americanos numa base alemã, mas transportadas por tripulações e aviões das Forças Armadas alemãs, a Bundeswehr ‒ remonta à Guerra Fria e à estratégia de dissuasão nuclear da Otan, destinada a conter a União Soviética. Ainda hoje, a postura nuclear da aliança atlântica é parte integrante – alguns diriam: fundamental – de sua composição estratégica.

Basicamente, o Acordo de Compartilhamento Nuclear prevê que os Estados-membros da aliança militar não possuidores de armas nucleares participem do planejamento e treinamento para o emprego delas pela Otan. Além disso, segundo afirmam as autoridades Estados, isso garante que seus pontos de vista sejam levados em consideração por países com capacidade nuclear, incluindo os EUA. Embora seja desconhecido o número exato de bombas americanas armazenadas na Europa, as estimativas indicam aproximadamente 150. Alemanha, Bélgica, Holanda e Itália fazem parte do acordo de compartilhamento. Com exceção das em solo italiano, todas as bombas estão localizadas a poucas centenas de quilômetros entre si outra.

2010: Parlamento pressiona por retirada

Em março de 2010, o Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) aprovou uma resolução interpartidária instando o governo a trabalhar "enfaticamente" no sentido de conseguir que seus aliados americanos retirem todas as armas nucleares da Alemanha. Isso foi seguido pelo apelo do então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de criar um mundo livre de armas nucleares. Uma década depois, no entanto, esse objetivo parece cada vez mais ilusório, após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e o investimento em mísseis de médio alcance com capacidade nuclear. Agora, em vez de trabalhar pela remoção das bombas, as Forças Armadas dos EUA deverão modernizá-las.

Vsta aérea da Base Aérea de Büchel Foto: Google Earth

Tobias Lindner, deputado federal da oposição pelo Partido Verde, chamou depreciativamente o Acordo de Compartilhamento Nuclear da Alemanha de "uma contribuição simbólica cara, perigosa e antiquada para ter voz na Otan". Diante do que ele chama de "defesa aérea russa de última geração", Lindner defende que a Otan invista num moderno sistema de defesa antimísseis e sensores de reconhecimento.

Lindner disse achar improvável que a Rússia se deixe impressionar, , pelas bombas lançadas pelos caças Tornado da Alemanha, que foram introduzidos pela primeira vez na década de 1980. Eles provavelmente precisariam ser reabastecidos para conseguir jogar sua carga sobre a Rússia -‒ se conseguissem passar pela defesa aérea russa sem ser abatidos. A frota de Tornados da Alemanha está chegando rapidamente ao fim de sua vida útil, e o custo de manutenção de uma esquadra para missão nuclear aumenta de exponencialmente. Isso também acarreta a escassez de aviões em condições de voo, necessários para o Acordo de Compartilhamento Nuclear e outras missões.

Mas esse vertiginoso preço é um investimento que vale a pena? O deputado verde Lindner não se mostra convencido, mas admite que -‒ apesar de ser membro da comissão parlamentar de defesa -‒ simplesmente não sabe de que tipo de compartilhamento de informações com as potências nucleares, particularmente os EUA, a Alemanha participa.

Ele lamenta que o Berlim não informe o Parlamento -‒ mesmo que confidencialmente -‒ sobre os assuntos discutidos no Grupo de Planejamento Nuclear, composto pelos ministros da Defesa de todos os Estados-membros da Otan (com exceção da França), independentemente de integrarem ou não do Acordo de Compartilhamento Nuclear. Mas é difícil avaliar se os países integrantes do compartilhamento nuclear (Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda) recebem mais informações do que os demais ‒ ou se suas opiniões são realmente consideradas por Washington, dado que muitas reuniões na Otan acontecem em nível informal.

Esse é um argumento frequentemente apresentado por autoridades e políticos alemães a favor do compartilhamento nuclear. Porém isso "é uma fantasia completa", segundo Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação de Cientistas Americanos e um dos principais especialistas em compartilhamento e armas nucleares.

"Nunca ouvi ninguém da Força Aérea Americana, do Comando Estratégico ou do Departamento de Defesa dos EUA dizer que, de alguma forma, leva em consideração visões específicas alemãs sobre o uso de armas nucleares", diz o especialista. Se a Alemanha saísse do acordo de compartilhamento, "teria exatamente a mesma capacidade de influenciar a opinião dos EUA em questões nucleares" que tem agora.

Esse ponto de vista não é partilhado por Heinrich Brauss, tenente-general reformado do Exército alemão, que serviu na Otan como secretário-geral adjunto de Política e Planejamento de Defesa até 2018: segundo ele, se a Alemanha decidir se retirar do pacto, os demais países europeus integrantes provavelmente seguirão o exemplo, o que "abalaria o Acordo de Compartilhamento Nuclear da Otan e a divisão de encargos -‒ ou talvez até o aniquilasse completamente".

Segundo o militar da reserva, os EUA estariam então muito menos inclinados a compartilhar qualquer informação sobre questões de política e planejamento nuclear: "Na pior das hipóteses, seríamos completamente privados de qualquer informação privilegiada relativa à nossa própria segurança."

"Capacidades significativamente melhoradas"

Por enquanto, no entanto, apesar da clara maioria de seus cidadãos se opor firmemente às armas nucleares, parece improvável que a Alemanha deixe o acordo em breve. Em vez disso, deverá receber bombas modernizadas. Kristensen explicou que as armas nucleares armazenadas em Büchel são do tipo B61-3 ou B61-4, implantado no fim dos anos 80 e início de 90, e estão chegando ao fim de seu ciclo.

O programa de modernização prevê que as bombas antigas sejam desmontadas e as novas entregues a sítios militares americanos nos EUA e em todo o mundo, e é extremamente caro.

Modelo da nova bomba, B61-12Foto: Sandia National Laboratory

"É a bomba de queda livre mais cara que os EUA já construíram", segundo Kristensen. "Houve quem calculou que seria mais barato construir a bomba de ouro maciço."

A nova bomba, B61-12, terá "capacidades significativamente melhoradas", informa Kristensen: ela está equipada com um kit de cauda, permitindo que seja direcionada e atinja seu alvo com precisão muito maior, de 30 a 60 metros. As bombas atuais são simplesmente lançadas do avião, enquanto as com kits de cauda se guiam uma vez lançadas.

Coca-Cola ou bombas

Muitos especialistas temem que isso torne mais atraente o emprego da bomba, pois, em vez de destruir uma região inteira, pode atingir um alvo preciso. Embora admitindo que o argumento proceda, do ponto de vista militar, Kristensen ressalva politicamente ainda seria difícil romper o tabu nuclear em vigor desde 1945.

Ainda não está claro quando a Alemanha receberá as bombas, pois houve um atraso na produção dos artefatos nos EUA, devido a problemas na reprodução de componentes. Kristensen estima que levará até pelo menos 2022, talvez 2024, até cheguem a Büchel e outros locais europeus.

Mas, de acordo com o piloto que falou à DW, os primeiros testes para integração da arma nos caças alemães Tornado estão programados para 2020. Depois de a atualização do software ser testada, ele poderá ser instalado em toda a frota estacionada em Büchel. Apenas um pequeno círculo está a par do processo de modernização. O informante diz duvidar que sequer o comandante alemão de Büchel esteja informado sobre a chegada das bombas: sempre que um avião americano chega à base aérea, todo o aeroporto é fechado. "É tudo tão secreto que nunca se sabe se o avião estava carregado com Coca-Cola ou bombas."

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