Em reação a "ataques acústicos", metade dos funcionários da embaixada em Havana será retirada do país. Estados Unidos também emitem alerta de viagem para seus cidadãos. Cuba considera decisão precipitada.
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Em reação aos "ataques acústicos"em Cuba, os Estados Unidos ordenaram nesta sexta-feira (29/09) a retirada de metade dos funcionários diplomáticos da embaixada em Havana e alertaram americanos a não viajar ao país. Os EUA alegam que pelo menos 21 pessoas tiveram problemas de saúde decorrentes dos incidentes sonoros.
"Enquanto o governo cubano não garantir a segurança de nossos diplomatas em Cuba, nosso corpo diplomático será reduzido ao emergencial para minimizar o número de expostos ao risco de danos", disse o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, no comunicado que anunciou as medidas.
O anúncio é um golpe nos delicados laços entre Estados Unidos e Cuba, que reataram as relações diplomáticas em 2015, após meio século de animosidades. Atualmente, cerca de 50 americanos trabalham na embaixada em Havana. Com a redução, fica suspensa indefinidamente a emissão de vistos para cubanos no país.
Cronologia da relação entre Cuba e EUA
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Apesar das medidas, Tillerson destacou que os EUA manterão as relações diplomáticas com a ilha. "Nosso trabalho em Cuba continua sendo guiado pela segurança nacional e interesses da política externa dos Estados Unidos", disse. "Cuba afirmou que continua investigando os ataques e nós continuaremos cooperando com eles nesse esforço", acrescentou o secretário.
Além da ordem de redução de funcionários, os Estados Unidos emitiram um alerta de viagem a americanos que desejam visitar a ilha caribenha. O Departamento de Estado disse que alguns dos supostos ataques ocorreram em hotéis, e que turistas podem ser expostos a essa ameaça caso viagem à ilha.
"Dado que a segurança de nossos funcionários está em risco e por não termos identificado a fonte dos ataques, acreditamos que cidadãos americanos podem também estar em risco e lhes alertamos a não viajar à Cuba", destaca o comunicado.
O Departamento de Estado também decidiu limitar as viagens de seus funcionários a Cuba envolvidos na investigação sobre os supostos ataques.
Decisão precipitada
O governo cubano considerou a decisão dos Estados Unidos precipitada. "Para o esclarecimento total dos fatos será essencial ter e contar com a participação e o envolvimento efetivo das autoridades americanas", acrescentou a diretora para os EUA do Ministério das Relações Exteriores de Cuba, Josefina Vidal.
Segundo a diplomata cubana, os anúncios americanos vão prejudicar a relação bilateral, em especial a cooperação sobre temas de interesse mútuo e as trocas de diversa natureza que ocorrem entre os países. Vidal ressaltou, porém, a vontade do governo de Raúl Castro de continuar a cooperação ativa com os Estados Unidos.
"O governo cubano não tem responsabilidade alguma sobre os fatos que são alegados e cumpre séria e rigorosamente as suas obrigações com a Convenção de Viena no que diz respeito à proteção de diplomatas", reafirmou Vidal.
Incidente misterioso
Há cerca de um ano, alguns diplomatas começaram a apresentar problemas de saúde inexplicáveis. Depois de um período sem novos casos, eles voltaram a ser registrados em agosto. Washington afirmou que 16 membros da "comunidade da embaixada" haviam apresentado sintomas associados aos misteriosos ataques acústicos. Desde então, o Departamento de Estado elevou para 21 o número de pessoas afetadas.
De acordo com a Associação do Serviço Diplomático dos EUA, relatos médicos apontam que os 21 funcionários e membros de suas famílias sofreram consequências como lesões cerebrais traumáticas, perdas de audição e dificuldades de concentração.
Alguns dos atingidos relataram terem ouvido um ruído alto e ensurdecedor. Outros relataram vibrações ou ruídos que seriam audíveis em apenas algumas partes dos cômodos, o que levou os investigadores a suspeitarem de um potencial ataque acústico. Algumas pessoas não perceberam nada de estranho, mas, posteriormente, desenvolveram os sintomas.
Investigadores americanos ainda não sabem o que e quem estaria por trás dos incidentes. Os Estados Unidos não responsabilizam diretamente o governo cubano.
Já o governo cubano nega qualquer envolvimento ou responsabilidade pelo suposto ataque e se colocou à disposição para ajudar os americanos a esclarecer o caso.
Os governos dos dois países seguem investigando o caso. Os Estados Unidos não descartam a possibilidade de um "terceiro país" ser o responsável pelos supostos ataques sônicos contra os diplomatas.
CN/efe/afp/ap/rtr
EUA e Cuba: crônica da rivalidade
Desde a Revolução Cubana, em 1959, Cuba e os Estados Unidos estão em disputa, que já envolveu mercenários, bloqueios navais, sanções econômicas, criminosos e carros de boi.
Foto: picture-alliance/dpa
Bordel dos EUA
Antes da revolução, Cuba era, para muitos americanos, sinônimo de jogos de azar, casas noturnas e outros tipos de entretenimento – como um jantar no Havana Yacht Club (foto). "Cuba era o bordel dos EUA", definiu mais tarde o cientista político americano Karl E. Meyer. Para a população, a ditadura de Fulgencio Batista, no entanto, significava principalmente estagnação, desemprego e pobreza.
Para derrubar o regime já falido, Fidel Castro precisa de apenas um exército de guerrilha de algumas centenas de homens. Em 1° de janeiro de 1959, Batista foge de Cuba, e os rebeldes tomam Havana. Os EUA impõem sanções imediatamente, que vão sendo intensificadas nos anos seguintes. A liderança cubana, então, recorre à União Soviética.
Foto: picture-alliance/dpa
Fiasco na Baía dos Porcos
Uma tropa mercenária de cubanos exilados tentou derrubar o regime em 1961, com ajuda da CIA. A operação foi um fiasco. O Exército Revolucionário Cubano acaba com a invasão na Baía dos Porcos dentro de três dias, afirmando ter feito mais de mil prisioneiros.
Foto: AFP/Getty Images/M. Vinas
À beira de uma guerra nuclear
Devido ao relacionamento abalado entre EUA e Cuba, a União Soviética, passa, de repente, a dispor de uma base localizada a apenas cerca de 150 quilômetros dos Estados Unidos. O Kremlin quer estacionar mísseis na ilha. E, em 1962, a crise cubana deixa o mundo à beira de uma guerra nuclear. Com um bloqueio naval, os Estados Unidos impedem o transporte dos mísseis.
Foto: picture-alliance/dpa
Saúde e educação exemplares
A União Soviética não poupa esforços. Por décadas, Cuba é fortemente subsidiada, recebendo, entre outras coisas, petróleo bruto, que é reexportado pela ilha para obtenção de divisas. Cuba consegue, assim, construir sistemas de saúde e de educação exemplares.
Foto: picture-alliance/dpa
O êxodo dos marielitos
Em 1980, Fidel Castro permite que emigrantes deixem o país a partir do Porto de Mariel, com destino aos Estados Unidos. Cerca de 125 mil cubanos chegam à Flórida. Entre eles, estão alguns que haviam sido libertados pela administração cubana de prisões e hospitais psiquiátricos. A taxa de criminalidade em Miami aumenta drasticamente.
Foto: picture-alliance/Zuma Press/T. Chapman
Dependência açucarada
Por décadas, o embargo dos EUA limita a economia cubana de forma maciça. Além disso, não ocorre diversificação alguma. A cana-de-açúcar permanece sendo, mesmo após a revolução, o principal produto de exportação da ilha. Cuba continua totalmente dependente da assistência da União Soviética, algo que fica bastante claro a partir de 1990.
Foto: AFP/Getty Images/N. Barroso
"Período especial em tempo de paz"
Com o colapso da União Soviética, vem a quebra da economia cubana. Tudo passa a faltar. Fidel Castro declara a época de choque da economia cubana, a partir de 1990, como o "Período Especial em Tempos de Paz". Na ausência de combustível e peças de reposição, bois passam a ser usados como meio de transporte. Desde o final da década de 1990, a Venezuela fornece petróleo a preço baixo ao país.
Foto: AFP/Getty Images/A. Roque
O vai e vem das sanções
Desde 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas apela todos os anos para que os EUA acabem com sua política de embargo. Os EUA apertam e desapertam os parafusos das retaliações de tempos em tempos. Assim, as regulamentações do bloqueio ficam mais rigorosas em 1996 e mais relaxadas em 1999. Em 2004, o presidente George W. Bush endurece as sanções.
Foto: Getty Images/J. Raedle
Um novo capítulo se inicia
Após a libertação do prisioneiro americano Alan Gross e de três agentes cubanos presos nos EUA desde 1998, Raúl Castro e Barack Obama surpreendem o mundo ao anunciar, no dia 17 de dezembro de 2014, que normalizarão as relações diplomáticas entre os dois países e reabrirão suas embaixadas. Obama amplia as exceções ao embargo econômico e comercial sobre a ilha.
Pouco mais de seis meses após o anúncio da retomada das relações diplomáticas, Obama anuncia em 1º de julho de 2015 a reabertura das embaixadas dos EUA e de Cuba em Havana e Washington dentro de alguns dias. Desde dezembro de 2014, passos tomados para a reaproximação incluem a retirada de Cuba da lista de países que financiam o terrorismo e a libertação de presos políticos pelo governo cubano.