Apesar de eventos para lembrar o Dia Europeu em Homenagem às Vítimas do Terrorismo em todo o continente, muitos dos atingidos e seus familiares se sentem deixados sozinhos em sua dor.
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Por toda a Europa, diversos eventos marcam nesta quarta-feira (11/03) o Dia Europeu de Homenagem às Vítimas de Terrorismo. Na França, onde nos últimos cinco anos mais de 250 morreram em ataques terroristas, o presidente Emmanuel Macron esteve à frente das celebrações que reuniram 900 vítimas e seus familiares em Paris.
Em Zwickau, no estado da Saxônia, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, reuniu-se já na terça-feira com prefeitos de todo o país para falar sobre ódio e violência.
Muitas vítimas de ataques terroristas lutam por toda a vida com as consequências das atrocidades sofridas. Elas costumam se sentir decepcionadas com a postura da sociedade, um sentimento que mesmo um dia memorial pouco poderá mudar.
Como no caso de Đỗ Anh Lân, morto por três coquetéis molotov na noite de 22 de agosto de 1980. Ele tinha 18 anos quando fugiu do Vietnã para a Alemanha, onde vivia num centro de refugiados em Hamburgo. Terroristas de extrema direita jogaram os dispositivos incendiários pela janela. Đỗ Anh Lân morreu de queimaduras dias depois, assim como seu vizinho, Nguyễn Ngọc Châu. "Fora estrangeiros!", picharam os assassinos na fachada do abrigo de migrantes.
Nas estatísticas, esse dia marcou os primeiros assassinatos de cunho racista na República Federal da Alemanha. Passados 40 anos, a mãe, Đỗ Mui, luta até hoje com sua dor e para que seja construído um memorial em Hamburgo, oficial e aberto ao público, um local que dê visibilidade à dor. "Ninguém se importa", disse Đỗ Mui em entrevista ao jornal Die Zeit.
Assassinatos racistas
A Alemanha tem dificuldade de lidar com a cultura moderna de lembrança das vítimas do terrorismo. É claro que há uma memória viva, como agora após os assassinatos na cidade de Hanau, no estado de Hessen. Em 19 de fevereiro de 2020, um homem de 43 anos matou nove pessoas a tiro. As vítimas ou suas famílias eram imigrantes, o motivo: racismo. A cerimônia fúnebre contou com a presença do presidente Frank-Walter Steinmeier e da chanceler federal Angela Merkel.
Foi uma celebração digna. Mas as famílias das vítimas temem, em breve, serem novamente deixadas sozinhas com sua dor – e, acima de tudo, com seus medos. "Agora estamos recebendo cada vez mais relatos de alguns parentes que estão com medo de levar seus filhos à escola", relata Robert Erkan, do Centro de Assistência a Vítimas em Hanau.
Para os familiares das vítimas, o terror de direita não é um caso isolado: é uma realidade amarga, porque, apesar de todos os alertas e declarações da política, nunca deixou de existir.
Memoriais vandalizados
Obviamente também existem inúmeros locais importantes para lembrar as vítimas do terrorismo na Alemanha, especialmente na capital Berlim: o Memorial do Holocausto ou o centro de documentação Topografia do Terror estão entre os pontos mais visitados do país, com milhões de visitantes. Mas eles lembram as vítimas do nacional-socialismo, ou seja, de uma época anterior à fundação da República Federal da Alemanha.
Para novos memoriais, a situação não é fácil. Algumas vezes, sua construção é rejeitada, como no caso de Đỗ Anh Lân, outras, eles são vandalizados. Em muitas cidades, há memoriais em homenagem às vítimas da série de assassinatos de cunho racista praticados pelo grupo autodenominado Clandestinidade Nacional Socialista (NSU). Eles foram danificados, roubados ou pichados com suásticas. Na cidade de Kassel, os pais do Halit Yozgat, morto pela NSU, desejam há anos que a rua em que ele nasceu ganhe o nome Halitstrasse, o que a prefeitura da cidade rejeita.
Para os parentes, é difícil de aceitar. Eles não estão exigindo dinheiro do Estado, nenhuma indenização, mas resgate crítico e locais memoriais que devolvam ao falecido um pouco de dignidade. Muitas vezes, trata-se de uma dura luta: na cidade de Zwickau, na região da antiga Alemanha Oriental, um pequeno carvalho lembrava as vítimas. A árvore foi serrada. Como em outros casos, os autores provavelmente eram extremistas de direita.
O presidente Steinmeier foi a Zwickau conversar com os prefeitos do país na véspera do Dia Europeu de Homenagem às Vítimas de Terrorismo. Porque cada vez mais políticos locais estão sendo vítimas de ataques e insultos, o que foi confirmado por metade dos prefeitos, que afirmaram ter sido abordados várias vezes.
O presidente alemão lhes falou de coragem. No entanto dirigiu-se principalmente ao centro mais amplo da sociedade: "Ninguém deve mais dizer: isso não me interessa. E ninguém pode ficar calado. O chamado centro silencioso da sociedade ficou quieto por muito tempo, mas também sabemos: ela existe, sim existe essa maioria em nosso país que quer viver pacificamente e condena explicitamente a violência. Mas é justo essa maioria que precisa falar alto agora."
O recado do presidente alemão para essa parcela maior da sociedade é: "Não nos calemos. Devemos nos unir contra o ódio."
Após mais de cinco anos de processo, saem as sentenças pelas mortes de nove imigrantes e uma policial na Alemanha, num caso envolvendo extremismo de direita e críticas a instâncias estatais.
Foto: dapd
Beate Zschäpe, o rosto da NSU
Entre 2000 e 2006, nove homens de origem estrangeira foram mortos com a mesma pistola na Alemanha. A polícia tateava no escuro, e a mídia falava de "assassinatos do kebab". Em 4 de novembro de 2011, uma casa explodiu em Zwickau, no leste do país. Entre os destroços foram encontrados a arma do crime e outros objetos incriminadores. Quatro dias mais tarde, Beate Zschäpe se entregou à polícia.
Foto: dapd
O (presumível) trio da NSU
Em 1998, Zschäpe se unira aos amigos ultradireitistas Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos na célula terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). O trio viveu incógnito em diversos locais por quase 14 anos, por último em Zwickau, no estado da Saxônia. Segundo os investigadores, eles teriam cruzado a Alemanha cometendo assassinatos e atentados a bomba, financiando-se através de assaltos a bancos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Burgi
As vítimas
Ao que se sabe, a NSU matou ao menos nove homens e uma mulher. A primeira vítima, Enver Şimşek, sucumbiu em setembro de 2000 a ferimentos graves. As demais vítimas foram (a partir do alto, esq.) Abdurrahim Özudogru, Süleyman Taşköprü, Habil Kılıç, a policial Michèle Kiesewetter, Mehmet Turgut, Ismail Yasar, Theodorus Boulgarides, Mehmet Kubaşık e Halit Yozgat.
Foto: picture-alliance/dpa
Atentados a bomba em Colônia
Na rua Keupstrasse, em Colônia, habitada majoritariamente por turcos, uma bomba cheia de pregos explodiu em 9 de junho de 2004. Mais de 20 pessoas ficaram feridas, em parte gravemente. Antes, em 19 de janeiro de 2001, uma outra fora detonada na Probsteigasse. Uma jovem de 19 anos de origem iraniana sofreu queimaduras, cortes, fratura do crânio e perfuração do tímpano.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma fuga
Em 4 de novembro de 2011, um assalto a banco fracassou em Eisenach, na Turíngia. Os criminosos conseguiram inicialmente escapar, mas foram perseguidos pela polícia. Pouco mais tarde, os cadáveres de dois homens foram encontrados num trailer fumegante. Os indícios eram de suicídio. Ambos foram identificados como Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, supostos integrantes da célula terrorista NSU.
Foto: picture-alliance/dpa
Último esconderijo
Poucas horas após a morte dos supostos assassinos da NSU, uma casa residencial foi pelos ares em Zwickau. Com a explosão, Beate Zschäpe aparentemente tentou eliminar as pistas na moradia que dividia com seus amigos Böhnhardt e Mundlos. Entre as ruínas, os policiais encontraram, entre outros, a arma do tipo Ceska utilizada na série de assassinatos da NSU e um vídeo de reivindicação.
Foto: picture-alliance/dpa
Reivindicação cruel
Num macabro vídeo, utilizando a apreciada figura de desenhos animados Pantera Cor-de-Rosa, a NSU reivindicou os assassinatos de nove turcos e uma policial. No entanto, uma das vítimas, Theodorus Boularides, tinha origem grega.
Foto: picture-alliance/dpa/Der Spiegel
O início do processo
Em 6 de maio de 2013, começou o processo da NSU no Tribunal Superior Regional de Munique. A única sobrevivente do trio terrorista, Beate Zschäpe, apresentou-se de terno escuro, aparentando autoconfiança. O procurador-geral da República a acusou, entre outros crimes, de "ter matado, em dez casos, um ser humano de forma traiçoeira e por motivação torpe".
Foto: Reuters/Michael Dalder
Cúmplices da NSU?
Além de Zschäpe, quatro homens foram acusados no processo da NSU como presumíveis acessórios dos crimes. Apenas Ralf Wohlleben (abaixo, dir.), ex-membro do partido de extrema direita NPD, pode ter seu nome completo citado na imprensa. Os demais, André E., Carsten S. e Holger G. estão protegidos pelo direito de personalidade.
Zschäpe quebra o silêncio
Em 9 de dezembro de 2015, após dois anos e meio de silêncio, Beate Zschäpe se pronunciou, fazendo ler uma declaração em que inculpa Böhnhardt e Mundlos pela série de assassinatos. Em meados do ano, ela se desentendera com seus três advogados indicados, passando a ser representada adicionalmente por Hermann Borchert e Mathias Grasel.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Escândalo do informante
Desde o início do processo, era ambíguo o papel do Departamento de Defesa da Constituição, responsável pela segurança interna da Alemanha, nas atividades da NSU. O extremista de direita Tino Brandt (foto), informante do órgão, relatou em juízo como, nos anos 90, criara o grupo Defesa da Pátria da Turíngia (THS). A partir dele, o trio liderado por Zschäpe se radicalizou, criando a NSU.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Schutt
Relações mal explicadas
Quando Halit Yozgat foi baleado num internet-café de Kassel, em 6 de abril de 2006, o informante Andreas T. estava no local. Apesar disso, o funcionário da Defesa da Constituição afirmou nada saber sobre o atentado. No processo da NSU, o pai da vítima, Ismael Yozgat, relatou de forma comovedora como segurara nos braços o filho agonizante. No tribunal, levou consigo uma foto de infância de Halit.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Gebert
Protestos contra falta de clareza
Já houve uma série de manifestações contra o envolvimento de órgãos estatais alemães no caso da NSU. A organização Keupstrasse Está Por Toda Parte é uma das participantes dos protestos. Ela leva o nome da cidade de Colônia, onde a célula terrorista explodiu uma bomba cheia de pregos.
Foto: DW/M. Fürstenau
Parlamento interfere
O Parlamento federal alemão tentou trazer luz às intrigas no caso da NSU. Em agosto de 2013, o presidente da primeira comissão de inquérito, Sebastian Edathy (dir.), entregou ao líder parlamentar Norbert Lammert seu relatório final de mais de mil páginas. A conclusão foi avassaladora: "fracasso estatal". Mais tarde haveria outras CPIs em nível federal e estadual.
Foto: picture-alliance/dpa
Promessas quebradas
Em 23 de novembro de 2012, foi realizado na Konzerthaus de Berlim um evento em memória das vítimas da NSU. A chefe de governo Angela Merkel (esq.) prometeu a Semiya Şimşek e outros familiares o esclarecimento total. Mas eles estavam decepcionados diante de dossiês da Defesa da Constituição eliminados ou mantidos em caráter confidencial. Sua suspeita era de que o Estado sabia mais do que admitia.
Foto: Bundesregierung/Kugler
Procuradoria Geral exige pena máxima
Em meados de 2017, o procurador-geral Herbert Diemer e colegas apresentaram suas considerações finais. Eles exigiram para Beate Zschäpe a pena máxima, de prisão perpétua, devido à gravidade extrema de seus crimes. Para Ralf Wohlleben e André E., a acusação pediu 12 anos de cárcere, assim como cinco para Holger G. e três para Carsten S..
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Exigência surpreendente
Em abril de 2018, os defensores se pronunciaram. Hermann Borchert e Mathias Grasel, representando Zschäpe apenas desde 2015, reivindicaram para ela um máximo de dez anos de prisão. Entretanto, seus antigos advogados, Wolfgang Stahl, Wolfgang Heer e Anja Sturm (da dir. para a esq.) surpreenderam ao pedir a libertação imediata de Zschäpe da prisão preventiva.
Foto: Reuters/M. Rehle
Juiz respeitado
Manfred Götzl, de 64 anos, é o juiz-presidente no processo da NSU, no Tribunal Superior Regional de Munique, encarregado de pronunciar as sentenças contra Beate Zschäpe e os demais réus. Os advogados de alguns coautores do processo criticaram Götzl, desejando que ele conduzisse a ação com maior rigor. No geral, contudo, ele goza de grande respeito.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Hase
Prisão perpétua para a ré principal
Em 11 de junho de 2018, Beate Zschäpe (esq.), de 43 anos, foi condenada à prisão perpétua pelo Tribunal Superior Regional de Munique. Como os crimes são de extrema gravidade, ela não poderá deixar a prisão depois de cumprir 15 anos de pena. A defesa anunciou que vai recorrer da decisão à instância superior, a Corte Federal de Justiça. Os demais réus receberam penas entre dez e dois anos e meio.