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Senador e rei da soja

22 de junho de 2011

O senador e agroempresário Blairo Maggi conversou com a Deutsche Welle durante uma visita de negócios na Holanda. Senado deve votar em breve texto do Código Florestal, já aprovado pela Câmara dos Deputados.

Plantação e floresta no Brasil
Plantação e floresta no BrasilFoto: AP
Na Europa, o nome de Blairo Maggi é rapidamente associado ao agronegócio – "o maior produtor de soja do mundo", é como ele sempre aparece na imprensa. Numa visita ao Velho Continente, Maggi conversou com a Deutsche Welle por telefone. Pelas mãos de Maggi, que também é senador, passará o texto do novo Código Florestal, já aprovado pela Câmara dos Deputados e em discussão no Senado.
Do lado empresarial, Maggi comemora a exportação da primeira carga de soja certificada, segundo os padrões adotados pela Round Table on Responsible Soy (Mesa-Redonda sobre Soja Responsável), uma iniciativa fundada em 2006, na Suíça. O selo é dado àqueles que empregam boas práticas agrícolas em suas propriedades quanto a questões trabalhistas, sociais e ambientais.
Sob o ponto de vista político, o senador elogia na entrevista à DW o texto do novo Código Florestal, do deputado Aldo Rebelo, e defende-se da acusação de que a legislação aborda apenas os interesses "ruralistas" e desafia o resto do mundo a adotar os mesmos padrões brasileiros de produção. Maggi afirmou ainda que "é uma sacanagem" dizer que o novo código vai enfraquecer o potencial ambiental do Brasil.
Deutsche Welle: O que fez o senhor vir a Roterdã?
Ex-presidente Lula e senador Blairo MaggiFoto: picture-alliance/dpa
Blairo Maggi
: A minha empresa tem negócios aqui, temos um escritório de vendas na Europa, que fica aqui em Roterdã, e temos uma indústria de esmagamento na Noruega. Vim fazer uma visita ao escritório e sigo para a Noruega depois. Estou a negócios aqui.
Na semana passada, saiu o primeiro navio de soja do Brasil com a certificação RTRS (Round Table on Responsible Soy) e foi descarregada aqui em Roterdã. E foi a minha empresa que mandou a primeira carga do tipo pra cá, 85 mil toneladas de soja.
Sobre sua atuação como senador, qual a avaliação que o senhor faz do texto do Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados, agora em tramitação no Senado?
Para nós, o código se divide basicamente em duas partes. A primeira diz respeito às questões de reserva legal nas propriedades. Nesse contexto, eu não tenho nenhuma consideração a fazer, ao contrário, nós elogiamos o trabalho do deputado Aldo Rebelo. Ele fez um trabalho que há muito tempo já se vinha tentando fazer no Brasil. Ou seja, um trabalho de reconhecer o direito dos agricultores de terem as suas propriedades legalizadas sob o aspecto ambiental, conforme era na época em que eles fizeram as conversões das propriedades.
Isso significa dizer o seguinte: se você abriu uma fazenda na década de 1980, a legislação daquela época era diferente da de 2011. Portanto, os agricultores queriam que essa observação fosse feita. A nossa lei era dúbia nesse sentido, e havia muitos processos na Justiça, no Ministério Público, em órgãos ambientais também. E isso no texto do Aldo foi totalmente resolvido e deu a possibilidade de cada proprietário mostrar o período em que foi feito a conversão e se adequar à lei de então. Concordamos com tudo o que está escrito lá.

E o segundo ponto diz respeito à questão da Área de Preservação Permanente (APP)?
Na forma como está escrito no novo texto, há espaço para uma dupla interpretação. E isso pode, novamente, nos levar a conflitos legais no Brasil, de um determinado órgão entender a lei de um jeito, e outro entender de outra maneira.
Da forma como se lê, pode-se interpretar que tudo o que você fez no passado (desmatamento de APP para cultivo agrícola) pode ficar do jeito que está, sem nenhum tipo de recomposição [da floresta]. Segundo a outra interpretação, entende-se que a lei exige a recomposição em 15 metros na beira de rio, ou de córrego. A gente vai tentar corrigir isso no Senado.
Vão tentar corrigir de qual forma?
A emenda 164 consolida todas as atividades que estão dentro da APPs como definitivas. Num trecho da emenda, está dito textualmente: o proprietário não precisa fazer nada. Quem fez, fez, e fica do jeito que está. E daí que vem a tal da "anistia" que todo mundo fala.
Mas logo depois, o texto dá a instrução de como se faz a regularização, de como fazer a correção. Essa é a dúvida maior. Ou seja, logo acima ele dá um "perdão", chame do que você quiser chamar, e logo em seguida ele recomenda como se faz a recomposição da mata (que foi desmatada dentro da APP). Essa é a grande dúvida, e eu já debati com alguns colegas da Câmara. O que todos nós não queremos é que fique dúvida sobre a lei.
A lei foi muito bem escrita e não tem muito reparo a fazer. A única confusão é esse artigo oitavo da emenda 164. Num momento ele diz uma coisa, e logo em seguida reconhece que tem que fazer outra coisa.
O que o senhor defende, pessoalmente? Deve-se ou não recompor a mata desmatada dentro de uma APP?
Eu vou tentar discutir isso com o governo, não sei se será possível. Nas APPs, para os pequenos produtores, também até quatro módulos fiscais, eu defendo o mesmo mecanismo que foi dado na questão da Reserva Legal [O texto aprovado dá isenção aos pequenos produtores da obrigatoriedade de recompor reserva legal em propriedades de até quatro módulos fiscais – um módulo pode variar de 40 hectares a 100 hectares dependendo da região. Reserva legal: área de mata nativa que deve ser protegida dentro da propriedade].
Nós temos milhares e milhares de pequenos produtores em todas as regiões no Brasil. Talvez esteja 80% das propriedades brasileiras nesta situação. Se você quiser trazer todo mundo para a legalidade nesse momento, não vamos ter condição de fazer toda a regularização no tempo que a lei está prevendo, que são dois anos. O próprio Estado brasileiro não terá condição de colocá-los na legalidade em dois anos.
A minha sugestão é que o mesmo critério usado para a Reserva Legal seja usado na APPs: os pequenos produtores ficariam livres da obrigatoriedade de recompor a mata desmatada. Esse seria o primeiro momento. No segundo momento, o governo pode criar programa de incentivo financeiro para que, ao longo dos anos, daqui para frente, os que recompuserem as APPs teriam direito a um crédito, a um juro subsidiado para que o proprietário faça isso ao longo dos anos.
A lei ambiental no Brasil era tida, até então, como rígida. O senhor avalia que essa flexibilização do novo código vai enfraquecer o país?
Eu não vejo flexibilização da lei. O que eu vejo é apropriação, levar a lei ao momento que estamos vivendo. Os agricultores, até então, sempre contestavam essa lei, porque é uma legislação modificada por uma medida provisória, em 1998, e que não teve qualquer discussão com a sociedade, com os setores produtivos, com absolutamente ninguém. E o setor produtivo não aceitava esse tipo de coisa.
Podíamos dizer que, havia uma queda de braço em relação à vontade desses produtores contra a legislação. E a chegada dessa nova lei é aceita pelos produtores, não está havendo contestação por parte dos que estão produzindo no campo.
Para o senhor, não se trata de uma lei que favoreça à ala ruralista, acusação que, acredito, o senhor ouça bastante?
De forma nenhuma. A data de corte admite que você seja trazido para a legalidade até 22 de junho de 2008. Qualquer coisa [desmatamento] depois dessa data não se enquadra, o proprietário será penalizado. Não se cria a possibilidade de aumentar o desmatamento.
Acho que é uma injustiça que fazem com o Brasil. Criar alarde para esse tipo de coisa, porque a lei não permite que isso aconteça [o aumento do desmatamento].
O senhor acha que a nova lei não ameaça, de maneira alguma, o potencial ambiental e ecológico do país?
Não, de nenhuma maneira. Não existe nenhum país do mundo que tenha as condições e exigências que o Brasil tem hoje para produzir. Nenhum. Eu chego a dizer o seguinte: se o Brasil colocasse uma lei que dissesse que o país só pode importar alimentos ou derivados da atividade agropastoril de nações que produzem nas mesmas condições que o Brasil produz, nós não iríamos importar absolutamente nada: nem leite, nem feijão, nem trigo, nem carne bovina. Porque simplesmente ninguém tem as condições que o Brasil tem para fazer esse tipo de produção e as exigências que o brasileiro tem para produzir.
Às vezes, essas colocações que a gente ouve aqui na Europa, essa falta de informação, a gente pode tratar como uma sacanagem que fazem com o Brasil. A gente não entende isso, porque ninguém faz o que a gente faz.
O senhor teria alguma desconfiança, então, de por que o Brasil é alvo dessas acusações?
Existe um medo, e eu concordo com esse medo, de que o Brasil possa relaxar, flexibilizar, permitir qualquer coisa. E para quem não conhece a legislação, [não conhece] a forma de operação de todas essas questões no Brasil, o medo leva à desconfiança. Temos que fazer um trabalho de dizer que não, de mostrar, de dar garantias de que estamos fazendo uma coisa diferente do que o resto [do mundo] pensa.
Os agricultores não aceitaram a medida provisória de 1998 [Lei de Crimes Ambientais], que foi imposta pelo governo. Mas de jeito nenhum. Nessa nova discussão do Código Florestal, os agricultores aceitam a discussão que está sendo colocada, que é uma discussão de vanguarda mundial. Não há contestação do setor produtivo nesse momento.
Eu estou em meio a fogo cruzado. Os meus colegas agricultores acham que eu abri demais a discussão. Os ambientalistas dizem que eu sou muito ruralista. Na verdade, vou fazer um trabalho de buscar um texto que traga tranquilidade para o produtor, que traga uma imagem para o Brasil, aqui fora, que ninguém tem. Queremos dizer o seguinte: "Você me critica, mas você tem alguma coisa parecida? Não, você não tem."
A nossa tarefa não é fácil: conciliar os interesses públicos, fazer um texto que seja palatável para que o governo faça a sanção da lei depois que aprovarmos, e que a Câmara dos Deputados aprove novamente. Não podemos fazer um enfrentamento com a Câmara também.
Interessa agora buscar o consenso, para que o Brasil tenha uma lei moderna de proteção de florestas e que tenha o reconhecimento de um setor extremamente importante para o Brasil, afinal, 40% do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro vem do agronegócio. A gente não pode brincar com um negócio desse.
Entrevista: Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque
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