Europeus advertem Irã sobre violações de pacto nuclear
14 de janeiro de 2020
Alemanha, França e Reino Unido acionam mecanismo que pode provocar reimposição de sanções contra Teerã. Europeus afirmam que querem salvar pacto, mas que "ficaram sem escolha" diante de violações.
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França, Alemanha e Reino Unido acusaram formalmente nesta terça-feira (14/01) o Irã de violar o acordo nuclear de 2015. Em um comunicado conjunto, as três potências europeias informaram que acionaram o mecanismo de solução de controvérsias previsto no pacto, uma iniciativa que pode levar a imposição de novas sanções contra os iranianos.
No comunicado, os ministros das Relações Exteriores dos três países europeus dizem que Teerã "não respeita seus compromissos" e que os europeus "ficaram sem escolha" a não ser recorrer à comissão conjunta para resolver os desacordos. Agora, os signatários do pacto têm 35 dias para resolver suas diferenças e negociar a volta do Irã às condições do acordo.
Caso isso não ocorra, o país persa pode voltar a sofrer as sanções que haviam sido impostas pelas Nações Unidas antes da assinatura do pacto.
Paris, Berlim e Londres apontaram que consideram injustificado que Teerã ultrapasse os "limites significativos" contidos no pacto, que prevê limitar o programa nuclear iraniano em troca da retirada de sanções ao país.
O acordo de 2015 sofreu um duro golpe quando os Estados Unidos abandonaram o pacto em 2018 e voltaram a impor sanções contra os iranianos. Depois disso, o Irã passou a abandonar gradativamente vários aspectos do acordo.
Em janeiro de 2020, após a morte do general Qassim Soleimani em uma operação dos EUA, os iranianos afirmaram que estavam abandonando um dos pontos mais sensíveis do acordo: a limitação no número de centrífugas nucleares.
Sobre o abandono gradual das cláusulas diante da saída dos EUA, os europeus lembraram que o Irã não recorreu aos mecanismos de resolução de litígios incluídos no acordo e preferiu anunciar publicamente que não respeitaria alguns de seus compromissos.
Os três países europeus asseguram que não desejam aderir à campanha de "pressão máxima" dos americanos contra o Irã e apontam que seu objetivo é preservar o acordo por meio dos canais diplomáticos.
"Esperamos devolver ao Irã o pleno respeito por seus compromissos", dizem os signatários, convencidos da validade desse "histórico acordo multilateral internacional e de sua contribuição para a não proliferação".
Apesar dos "esforços redobrados" dos três países europeus para garantir que todas as partes respeitem o acordo, "o Irã continua violando limites importantes estabelecidos no acordo", os quais "têm implicações crescentes e irreversíveis em termos de proliferação".
"Não aceitamos o argumento de que o Irã estaria autorizado a cessar parcialmente a implementação de seus compromissos", disseram os ministros, lembrando de que em várias ocasiões eles exigiram que Teerã recuasse.
Diante desses avisos, o regime iraniano continuou a violando o acordo e, no último dia 5, anunciou que não respeitaria o limite de centrífugas de urânio imposto no acordo e que "seu programa nuclear não estaria sujeito a nenhum limite operacional de enriquecimento".
Se as queixas não forem satisfeitas, o assunto pode ser repassado ao Conselho de Segurança da ONU, onde, se não houver consenso, as sanções impostas ao Irã antes do acordo seriam reativadas automaticamente, sem a possibilidade de veto por qualquer membro permanente.
Em resposta à decisão dos europeus, o Irã alertou Berlim, Londres e Paris para "as consequências" da decisão caso ela implique novas sanções ao país.
"É claro que, se os europeus [...] quiserem abusar [desse processo], devem estar preparados para aceitar as consequências, que já lhes foram enunciadas", disse o Ministério das Relações Exteriores do Irã, em comunicado.
O ministério iraniano avisou que a resposta será "adequada e decisiva" e sublinhou que a República Islâmica está "totalmente preparada para enfrentar qualquer tipo de esforço construtivo para manter o importante acordo internacional".
O Irã afirma que seu programa nuclear é exclusivamente para uso civil. No entanto, há muita semelhança entre a tecnologia nuclear para fins civis e a que tem objetivos militares.
Foto: aeoi.org.ir
Intenções obscuras
Há anos, o Irã amplia seus conhecimentos em tecnologia nuclear. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) está segura de que o país trabalhou em armas nucleares pelo menos até 2010.
Foto: aeoi.org.ir
Querer não é poder
Sem dúvida, a construção de uma arma nuclear com um sistema de transporte confiável impõe consideráveis desafios ao país. De forma simplificada, isso envolve cinco passos:
Foto: picture-alliance/dpa
Primeiro passo: obtenção da matéria-prima
Para fabricar uma bomba atômica, é necessário urânio altamente enriquecido ou plutônio quase puro. O Irã possui urânio suficiente, e o metal é extraído também para a indústria nuclear civil, como na minas de Saghand.
Foto: PD
Segundo passo: enriquecimento
Para seu enriquecimento, o urânio é concentrado em centrífugas de gás especiais, para facilitar a fissão. Para armas nucleares, é necessário um enriquecimento de 80%. Até novembro de 2012, o Irã alcançou oficialmente 20%. Mas após um acordo, a AIEA confirmou, em meados de 2013, que o país deixou de enriquecer urânio acima de 5% de pureza - nível suficiente para produzir energia.
Foto: picture-alliance/dpa
Terceiro passo: a ogiva
Ter urânio altamente enriquecido não basta. Para fabricar uma ogiva nuclear explosiva, os técnicos devem primeiro dar forma ao material puro e conseguir uma reação em cadeia através de um impulso controlado. Não se sabe até que ponto o Irã domina essas técnicas.
Foto: picture-alliance/dpa
Quarto passo: o detonador
A tecnologia para o detonador de uma arma nuclear é semelhante à de uma arma convencional. O Irã domina esse conhecimento. Além disso, cientistas iranianos realizaram extensos cálculos baseados em modelos e experimentos, simulando as propriedades de um detonador. Isso está comprovado por publicações das universidades Shahid Behesti e Amir Kabir.
Foto: AFP/Getty Images
Quinto passo: transporte
O Irã possui um sistema de transporte para armas nucleares. O míssil de médio alcance Shahab 3 é uma variante iraniana do Nodong-1, da Coreia do Norte. Ele alcança uma distância de 2 mil quilômetros e pode assim atingir alvos em Israel, a partir do Irã.
Foto: picture-alliance/dpa
A vontade de construir uma bomba
Sem controle, é difícil distinguir um programa nuclear civil de um militar, pois os recursos técnicos necessários são basicamente os mesmos. Precisa-se de centrífugas tanto na tecnologia nuclear civil quanto na militar. Se o Irã estará apto a fabricar uma bomba atômica e se vai realmente colocar isso em prática, depende decisivamente da vontade de quem está no poder.
Foto: dapd
Sem diálogo com Ahmadinejad
Após o programa nuclear do Irã ser descoberto, em 2002, os EUA e os aliados europeus pressionaram o país a suspender o enriquecimento de urânio. Mas a eleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2005, interrompeu qualquer avanço nas negociações. Nos oito anos de seu governo, o número de centrífugas para o enriquecimento de urânio foi ampliado de 100 para 19 mil.
Foto: picture-alliance/dpa
Declínio econômico força Irã a negociar
Somente após a eleição do presidente Hassan Rohani, em agosto de 2013, o processo de negociações voltou a funcionar. O chefe de governo iraniano – na foto com o diretor geral da AIEA, Yukuya Amano – insta a um acordo, porque ele quer a suspensão das sanções econômicas que assolam o país há mais de uma década. As negociações diplomáticas, porém, durariam mais dois anos.
Foto: picture-alliance/dpa
"Novo capítulo"
Em 14 de julho de 2015, o Irã fechou um acordo histórico com as potências do grupo P5+1 (Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha). Enquanto a República Islâmica garante não produzir bomba nuclear, EUA e União Europeia prometem aliviar as sanções que têm afetado as exportações de petróleo e a economia iraniana. UE vê decisão como um "novo capítulo nas relações internacionais".
Foto: Reuters/L. Foeger
Parlamento aprova acordo
O acordo foi aprovado pelo Parlamento do Irã em 13 de outubro de 2015, efetivamente encerrando o debate entre os legisladores do país sobre o tratado e, assim, abrindo caminho para sua implementação formal. Líderes afirmam que as inspeções internacionais precisam ser aprovadas pelo Conselho dos Guardiões da Constituição. Já as sanções devem ser suspensas no final do ano ou até janeiro de 2016.