Eurotúnel: 10º aniversário e 9 bilhões de euros de dívidas
6 de maio de 2004Para os admiradores das grandes invenções técnicas, o Eurotúnel é a oitava maravilha do mundo. Durante sete anos, dez mil trabalhadores e engenheiros perfuraram o fundo do mar, no Canal da Mancha, e construíram três túneis de 50 quilômetros de cumprimento. Um para cada direção e mais um, de emergência.
Ao ligar Coquelles (perto de Calais) com Dover, realizou-se o eterno sonho de geólogos, políticos e engenheiros, de restabelecer a ligação da Grã-Bretanha com o continente europeu. Ligação que existiu um dia, mas foi levada pelas águas entre oito mil e dez mil antes de Cristo.
Aniversário sem clima de festa
A construção consumiu 15 bilhões de euros – mais do que o dobro do previsto – dinheiro levantado por 200 bancos e mais de 600 mil pequenos acionistas, convencidos de que estavam fazendo um bom negócio.
O Eurotúnel já transportou cem milhões de pessoas desde sua inauguração, com pompa e circunstância, pela Rainha Elizabeth II e o então presidente francês François Mitterrand. A euforia inicial, porém, passou há muito tempo, pois a expectativa de que o empreendimento desse lucro não se concretizou logo. Daí não é de se admirar que o clima, no décimo aniversário, esteja mais para velório do que para festa.
Os acionistas e os bilhões enterrados no mar
Também pudera: a ação do Eurotúnel, que chegou a valer 96,51 francos – hoje 14,71 euros – no auge de sua cotação, em 1989, hoje despencou para inglórios 42 cents. O movimento do túnel é razoável, mas seria preciso muito mais para diminuir as dívidas acumuladas que somam nove bilhões de euros. No fundo, a empresa nunca se recuperou dos custos astronômicos da construção.
À beira de um ataque de nervos coletivo, milhares de acionistas derrubaram, no início de abril, a direção britânica da empresa – uma iniciativa única na história da França. Em seu lugar, colocaram o francês Jeacques Maillot, um empresário do setor do turismo. Seu plano não é muito original: pedir aos governos francês e britânico que auxiliem a resolver a questão das dívidas.
Mas os tratados vigentes proíbem categoricamente qualquer ajuda estatal direta, o que foi uma imposição de Margaret Thatcher. Fervorosa defensora da livre economia de mercado, a "dama de ferro" não quis saber de que os cofres públicos financiassem nem um só centavo do empreendimento.
Maior rapidez e lucros futuros
Os usuários estão satisfeitos de poder ir de Paris a Londres em cerca de 2 horas e meia. No ano passado, mais de 6,3 milhões de pessoas atravessaram o Eurotúnel, além de 2,27 milhões de automóveis, 1,28 milhão de caminhões e 1,74 milhão de toneladas de mercadorias.
Os britânicos gostam cada vez mais da sua única ligação terrestre com a Europa continental. Depois de opor-se a ela durante anos, agora decidiram ampliar, por etapas, a ferrovia do condado de Kent a Londres. Assim, dentro de três anos, contarão com uma nova ferrovia de alta velocidade, pela qual o Eurostar poderá "voar". No teste em um primeiro trecho ele já atingiu 334,7 quilômetros por hora.
Com isso, o percurso Londres-Paris poderá ser feito em apenas duas horas, com o que o Eurotúnel terá realmente uma importante vantagem frente ao avião, pois o passageiro desembarca no centro de uma das capitais. A expectativa, dez anos atrás, era que o Eurotúnel passaria para trás a concorrência. O que não aconteceu: as barcaças continuam transportando carros pelo Canal da Mancha e as companhias aéreas diminuíram tanto o preço dos vôos que é muito difícil superar as suas ofertas.
Mais problemas
Em 2006, vence um acordo que garante à empresa uma taxa mínima pelo uso do Eurotúnel, paga pela operadora da ferrovia. Um ano depois, será a vez de começar a pagar as amortizações do capital. Se agora mal dá para pagar os juros, a nova diretoria precisará de boas idéias para salvar a empresa da bancarrota.
No momento não há luz no fim do túnel. As primeiras negociações não deram em nada. Fontes de Londres afirmam que credores britânicos descontentes com a nova cúpula francesa querem negociar a venda com a companhia ferroviária estatal SNCF, da França. Esta já tem participação no grupo Eurostar, cujos trens circulam pelo túnel.
Mas o governo britânico poderia opor-se, uma vez que isso equivaleria a uma nacionalização do Eurotúnel por parte da França. Além do que, subvenções estatais seriam ilegais conforme o tratado de fundação da empresa Eurotúnel.