Ex-presidente do Peru é condenado a prisão no caso Odebrecht
22 de outubro de 2024
Condenado a 20 anos de prisão, Alejandro Toledo recebeu propina para favorecer empreiteira brasileira na concessão das obras de uma rodovia.
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O ex-presidente do Peru, Alejandro Toledo, que governou o país entre 2001 e 2006, foi condenado a 20 anos e seis meses de prisão pela Justiça peruana por conluio e lavagem de dinheiro no escândalo de corrupção envolvendo a construtora brasileira Odebrecht. Toledo é o primeiro ex-presidente peruano considerado culpado nesse caso no país sul-americano – outros três ex-mandatários são investigados.
A sentença foi proferida pelo Segundo Tribunal Penal Nacional que aceitou integralmente o pedido do Ministério Público e condenou Toledo a nove anos de detenção por conluio e a onze anos e seis meses por lavagem de dinheiro. A Corte entendeu que o ex-presidente favoreceu a Odebrecht na concessão das obras dos trechos 2 e 3 da Rodovia Interoceânica, que liga o Peru ao Brasil, entre 2004 e 2005.
A sentença, que foi lida pela juíza Inés Rojas, afirma que Toledo, de 78 anos, "conspirou com pessoas interessadas, como a Odebrecht, para que, por meio de uma propina de 35 milhões de dólares, a empresa brasileira ganhasse a licitação para a construção dos trechos 2 e 3 da Rodovia Interoceânica, causando danos ao Estado".
Além disso, a sentença destaca que o ex-presidente, para obter o dinheiro do suborno, "convenceu seu amigo Josef Maiman [empresário israelense já falecido] a ser seu intermediário e a receber, por meio de suas empresas, a propina da Odebrecht". "Essas irregularidades constituem e evidenciam um acordo claro entre a mais alta autoridade do Estado e o setor privado, uma conduta que atinge o Estado", reforça o texto.
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Prisão imediata
O tribunal anunciou que a sentença deve ser cumprida imediatamente. Por isso, Toledo retornará à prisão de Barbadillo, no distrito de Ate, nos arredores de Lima, onde está detido desde que foi extraditado dos Estados Unidos, em abril de 2023.
A defesa informou que irá apelar. Toledo nega as acusações desde 2016, quando a Odebrecht admitiu à Justiça dos EUA um esquema de corrupção para obter contratos de obras públicas. Na semana passada, ele alegou inocência e pediu clemência aos juízes devido a problemas de saúde.
"Estou com câncer e tenho problemas no coração. Quero ir para uma clínica particular. Peço, por favor, que deixem me tratar ou morrer em casa", afirmou, em suas considerações finais.
Além do ex-presidente, a decisão também condenou a nove anos de prisão dois ex-funcionários públicos da Agência de Promoção de Investimentos Privados (Proinversión), Alberto Pasco-Font e Sergio Bravo, e a 14 anos o empresário José Castillo Dibós.
Após a audiência, o promotor José Domingo Pérez classificou a condenação como "histórica" e "exemplar", acrescentando que ela mostra que a corrupção não significa impunidade no Peru graças ao trabalho do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Escândalos em diferentes países
Atualmente conhecida como Novonor, a construtora Odebrecht foi protagonista de um imenso escândalo de corrupção que abrangeu o pagamento de subornos a funcionários públicos em diferentes países.
Por meio da Operação Lava Jato, que começou em março de 2014 em Curitiba, descobriu-se que a Odebrecht – e diversas outras empreiteiras brasileiras – pagaram propinas para obter concessões de obras tanto no Brasil quanto no exterior.
Num acordo com a Justiça dos EUA, a Odebrecht admitiu que, de 2001 até 2016, efetuou pagamentos ilegais no valor de 788 milhões de dólares em 12 países da América Latina e África.
Depois do Brasil, o Peru é o segundo país mais afetado por este caso, que provocou várias crises políticas. Quatro ex-presidentes peruanos estão envolvidos no escândalo. Além de Toledo, os outros três são Alan Garcia (2006-2011), que se suicidou em 2019 antes de ser preso, Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018).
No Panamá, dois ex-presidentes foram a julgamento, e no Equador o caso Odebrecht derrubou um vice-presidente.
gb/cn (EFE, AP, AFP, ots)
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.