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Ex-soldada ajuda traumatizados de guerra nos EUA

15 de outubro de 2016

Num terreno de 9 mil metros quadrados, Kym Sanchez criou o Centro dos Não Esquecidos. Sua própria luta contra os fantasmas do passado militar e a depressão a ajudam a entender os traumas dos veteranos.

Kym Sanchez em seu  rancho no Novo México
Kym Sanchez em seu rancho no Novo MéxicoFoto: DW/I. Pohl

Não são nem 7 horas em Taos, no estado americano do Novo México. As sombras noturnas ainda escurecem o horizonte nessa manhã de fim de verão. Como sempre, o dia de Kym Sanchez começa com seus dois pôneis, Dolly e Donny.

"Por muito tempo, Dolly não deixava ninguém acariciá-la, seus antigos donos a maltrataram muito", comenta a ex-soldada. Agora, os olhos castanhos, cercados de sobrancelhas brancas, a observam, confiantes: Dolly aprecia os afagos e tapinhas pelo menos tanto quanto sua porção diária de feno fresco.

Muitos dos animais no Not Forgotten Outreach (Centro dos Não Esquecidos) tiveram vivências terríveis. Por isso, combinam com este local onde veteranos de guerra traumatizados aprendem a conviver com os horrores do passado.

Casa para veteranos e suas famílias

Em 2015, Kym Sanchez fundou esse projeto com seu atual parceiro, Don Peters, usando como capital inicial a herança do marido, Paul, morto em combate. Nos Estados Unidos há 21 milhões de veteranos, e 60 mil não têm um teto, na grande maioria afro-americanos e hispânicos. E muitos deles vivem em Taos.

Em 9 mil metros quadrados de terreno, o coração do Not Forgotten Outreach é a casa marrom-terra no estilo tradicional do Novo México. Durante anos, ela esteve vazia, mas agora, se tudo der certo, em meados de 2017 todos os seus seis quartos estarão prontos para serem ocupados.

Sanchez: "Ajudar aos outros sempre me deu muito"Foto: DW/I. Pohl

"Não é a nossa casa, é uma casa para veteranos e suas famílias, um lugar onde nos reunimos e conversamos, onde nos ajudamos e consolamos", explica Sanchez. As famílias podem morar lá de graça por cinco dias. Todas as quartas-feiras há comida para todos na grande cozinha, e "isso custa dinheiro". De resto, o projeto se mantém graças a doações e o apoio dos voluntários.

"Nós, veteranos, não acreditamos em papo furado", afirma a ex-militar. "Nós percebemos imediatamente se a pessoa sabe do que está falando." Também por isso ela considera sua vocação ajudar outros veteranos. "Afinal, eu entendo aquilo por que esses homens e mulheres passam, por que vivem sozinhos, em algum lugar nas montanhas, por que têm medo de voltar a perder o controle e machucar os outros."

As vozes dos mortos

Kym tinha 20 anos quando entrou no Exército, em 2001. Ela estudara teologia e psicologia em Eugene, Oregon, e tinha as dívidas da universidade para pagar. Após um breve treinamento no Forte Jackson, na Carolina do Sul, foi transferida para a Alemanha, primeiro para Kitzingen, depois para Würzburg.

"Ajudar aos outros sempre me deu muito. Por isso, calhou bem eu assistir ao pastor militar no trabalho diário dele." No terceiro dia de seu estacionamento na Baviera, ela encontra Paul Timothy Sanchez. Ambos se aproximam, tornam-se um casal: ele é o amor da vida dela.

Tatuagens colorem a vida da ex-militarFoto: DW/I. Pohl

Juntos, Paul e Kym sobem na carreira militar. Em seu quinto ano, ela assume a responsabilidade de organizar os cultos para os soldados e soldadas caídos em combate. De sua função faz parte conversar com as famílias, amigos e camaradas dos soldados estacionados na Alemanha que morreram.

Embora os regulamentos sejam muito rigorosos, Kym tenta configurar as cerimônias fúnebres da maneira mais pessoal possível. "Eu queria honrar os tombados condignamente. Às vezes a rotina militar é bastante insensível." À noite, quando não consegue dormir, ela escreve em seu diário sobre cada um deles. Porque os mortos falam com ela, a acusam de não se importar o suficiente com as famílias, os filhos deles.

Ela sente que não é bom a vida dela só ter a ver com a morte, mas ninguém quer saber disso. "Nas Forças Armadas, a gente aprende a baixar a cabeça e simplesmente seguir em frente." Quem mostra sentimentos, é fraco; quem admite ter medo ou ataques de pânico, é visto como perdedor.

A importância de ser necessário

Kym e Paul decidem se casar. Ela deixa o Exército e retorna ao Forte Drum, em Nova York, vai trabalhar na direção de uma firma de cosméticos. Até hoje, ela sente o abraço de despedida de Paul, em 2006, no dia seguinte ao Thanksgiving: ele tem que voltar para o Iraque.

Quarenta e cinco dias mais tarde, toca a campainha: "Eu sabia que ele estava morto." Eles haviam estado 14 meses casados. Kym entra em colapso total: ter o marido ao seu lado a ajudara a domar os monstros da memória. Agora ela perde o controle.

"Você não consegue mais respirar e fica em pânico, por medo da morte e da solidão. E ao mesmo tempo tem vergonha por ser tão pouco senhora de si." Foram necessários quase seis anos, com a ajuda de medicamentos, até Kym Sanchez estar novamente funcional, até certo ponto.

"Sem o amor da minha mãe e da minha família, eu nunca teria dado conta. Do Estado, não vem nada." E tampouco das Forças Armadas: "Eles nos usam enquanto estamos funcionando para o jogo deles. E quando apresentamos defeitos, estamos sós. Esse medo profundo não deixa você nunca mais."

Em certos dias, Sanchez não tem mais forças já pela tarde. Aí as sombras do passado assumem a dianteira, a exaustão a domina. Ela tem que ir para a cama, ficar simplesmente deitada.

Até chegar a próxima manhã. "Então, eu me levanto, pois sei que há quem precise de mim. E que os meus animais se alegram por me ver. Aí não há felicidade maior."

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