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Existe Música Nova no Brasil?

(sm)9 de março de 2005

Compositora e música paulistana Silvia Ocougne fala à DW-WORLD sobre a música contemporânea brasileira, um dos focos do festival MaerzMusik, em Berlim.

Silvia Ocougne toca instrumentos preparadosFoto: Sophie Schasiepen

DW-WORLDO diretor artístico do festival MaerzMusik, Matthias Osterwold, declarou que, após ter assistido a um festival de Música Nova no Brasil, chegou à conclusão de que não havia Música Nova no Brasil. Agora, você e Chico Mello, que vivem em Berlim há cerca de 20 anos, montaram o programa brasileiro do festival de música contemporânea MaerzMusik, que até inclui um debate entre compositores brasileiros sobre esta questão. Mas afinal, na sua opinião, existe ou não existe Música Nova no Brasil?

Silvia Ocougne ― É uma questão complicada. Quando eu estudei composição no Brasil, acreditava que o que existia lá era uma cópia mal feita. Existe uma série de compositores brasileiros que optaram por uma estética de silêncio, que acham que não vale a pena compor uma cópia de uma música européia que não pode existir no Brasil, porque os ouvidos são outros. Música acadêmica contemporânea no Brasil é como sambão na Alemanha.

De um ponto de vista histórico, a música erudita que existia no Brasil antes de 1922 era feita por compositores que imitavam Chopin ou Debussy, por exemplo, e excluíam todo elemento brasileiro e evitavam a mistura de popular e erudito. A semana de 22 passou a propagar uma música brasileira. Então vieram todos os nacionalistas, como Camargo Guarnieri e outros, que faziam uma música nos moldes eruditos, usando harmonias mais diferenciadas, mas com elementos populares brasileiros. Digamos, eles faziam um samba mais chique do que o samba, e com isso emburreciam tanto uma coisa quanto a outra.

O que isso tinha de contemporâneo? Foi Koellreutter que levou para o Brasil a música serial, dodecafônica da segunda Escola de Viena, provocando altos escândalos e brigas com os nacionalistas. Os que seguiam a escola do Koellreutter e o grupo Música Viva só faziam uma música estritamente pós-schönberguiana. Quanto eu entrei na USP, violão era um instrumento absolutamente impensável, por ser popular.

Silvia OcougneFoto: Jürgen Dietrich

Só que a primeira coisa a se fazer é reconhecer o que você é e, a partir disso, procurar uma conexão com a realidade contemporânea e internacional. Então entraram em cena pessoas que tinham experiências nos dois campos e assimilaram tanto o erudito como o popular. Este é o caminho que o festival procura ressaltar.

A programação brasileira do MaerzMusik se chama "Música Brasileira Descomposta". Que tipo de música você e o Chico Mello procuraram incluir no festival?

Existe uma parte do programa ligada à pesquisa de instrumentos. O Koellreutter, que levou a música dodecafônica para o Brasil, é uma pessoa bastante aberta, tendo aceitado a música brasileira. Depois de fundar escolas de música contemporânea em São Paulo, no Rio, na Bahia e em Brasília, ele chamou para trabalhar com ele o compositor suíço Walter Smetak, que pesquisava sistemas tonais novos e começou a criar instrumentos com materiais locais da Bahia, como calabaças e coisas bem simples, de madeira. Ele foi professor de música experimental de Gil, Tom Zé, Caetano, entre outros, e teve uma influência muito grande sobre a escola de composição da Bahia.

O festival trouxe pessoas que seguem esta linha e conseguiram bolar até outros instrumentos e sons, para dar uma característica brasileira: Tuzé de Abreu e Thomas Gruetzmacher, Tato Taborda, o grupo Chelpa Ferro e eu, que trabalho com instrumentos preparados.

Depois vem a parte de teatro musical, com a ópera de Chico Mello Destino das Oito, uma adaptação livre da peça Heart’s Desire, de Caryl Churchill, onde ele trabalha o contraste entre Bossa Nova e telenovela. Além disso, o programa inclui Aperto, meu ex-passo, da Madalena Bernardes, com ela cantando o tempo todo com a cabeça numa gaiola, e uma versão concertante de uma peça da Jocy de Oliveira chamada Kseni, que são praticamente três interpretações sobre o mito de Medéia.

Depois temos o Rodolfo Caesar, que vem da música erudita, mas toca um som eletrônico digital de lounge com Alexandre Fenerich; o filme São Paulo – Sinfonia e Cacofonia, de Jean Claude Bernadet, uma homenagem ao clássico Berlim, Sinfonia de uma Metrópole e ao cinema experimental brasileiro, com música nova, ao vivo, de Livio Tragtenberg e Wilson Sukorski. A DJ Grace Kelly vai colocar música brasileira para a gente dançar. O concerto de música de câmara brasileira inclui peças de Koellreutter, Paulo César Chagas, Silvio Ferraz e Luis Carlos Csekö.

Silvia Ocougne prossegue falando de sua peça com 12 violões preparados e sobre o que vale a pena conferir no ambiente de Música Nova alemão.

A sua contribuição como compositora, improvisadora e música para o festival é a peça "Ilu Ilonlo, música para 12 violões preparados". Como é este trabalho?

Quando eu saí do Brasil, há 20 anos, o meu violão quebrou por causa de umidade. Uma coisa que funcionava no Brasil não funcionava mais fora. Quanto eu cheguei em Berlim, todos os meus instrumentos quebravam e quebravam. Então comecei a investigar sons específicos para os instrumentos naquele estado, inventar outros instrumentos a partir dos originais e prepará-los, como John Cage fazia.

Esta peça tem a ver com isso. São 12 violões preparados, alguns brasileiros, como cavaquinho, viola de cocho, banjo-bando, viola caipira, com sons étnicos, e outros usados no mundo inteiro, como guitarra elétrica ou violão acústico. Esses instrumentos são preparados com elementos estranhos, digamos, pedaços de papel e outros objetos que mudam mecanicamente o som. Ilu Ilonlo é um groove que transporta para cada box da sala um motivo diferente. Uma espécie de telefone sem fio, na verdade.

E o título, o que significa?

Silvia OcougneFoto: Jürgen Dietrich

Não importa. Eu o achei num dicionário mesmo, numa língua tonal que eu não sei falar. Ele vai significar uma coisa para mim, outra para você, dependendo do ouvido.


Para quem está estudando música e composição no Brasil, o que você acha que há de interessante a se conhecer na Alemanha, fora do Brasil?

Eu conheço muita gente que sai daqui para ir estudar música no Brasil. Mas é claro que vale a pena ver o que acontece aqui. Por mais que, depois do tecno, tenha surgindo no Brasil uma cena nova, aberta a assimilar tudo, o que ainda falta é informação. A informação que você tem aqui é absurda. E também a liberdade que o alemão toma em relação à Música Nova: é muito mais difícil você tomar a mesma liberdade quando você está num país periférico, tendo que compor "à la" alguma coisa. No Brasil, existem muito mais obrigações, e as pessoas pensam que precisam compor de um certo jeito. Aqui o ambiente é muito grande, uma coisa que faz falta no Brasil, pois lá as pessoas trabalham isoladas. Não existe comunicação entre o pessoal do tecno e o pessoal da música erudita: ainda são dois mundos separados no Brasil.
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