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Exploração e destruição marcam história da Amazônia

18 de abril de 2020

A preocupação com a preservação ambiental no Brasil é historicamente pequena perto de décadas de desmatamento quase em escala industrial. Um quinto da cobertura vegetal original não existe mais.

Área desmatada no Pará, em imagem de 2014
Área desmatada no Pará, em imagem de 2014Foto: AFP/R. Alves

Imensa, pouco habitada e distante dos principais polos econômicos do país, a região amazônica foi alvo de políticas governamentais variadas desde a época do Brasil Colônia. Inicialmente encarada como território a ser anexado e de coleta de produtos naturais, depois se tornou área de povoamento e grandes obras, espaço de natureza rica e povos nativos a serem preservados e região a ser desmatada para dar lugar à exploração mineral e ao agronegócio.

A delimitação conhecida como Amazônia Legal compreende hoje os sete estados da Região Norte, mais Mato Grosso e parte do Maranhão. São 5,2 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a 60% do território nacional – se fosse um país, seria o sétimo maior do mundo, maior do que a União Europeia. É uma região diversa, com variedade de perfis morfológicos, climáticos e sociais, onde moram 29 milhões de pessoas, ou 14% da população brasileira.

Veja o Especial da DW Brasil sobre a Amazônia

A preocupação com a preservação ambiental da Amazônia é recente e se fortaleceu apenas após a Constituição de 1988. O desmatamento em grande escala, também relativamente novo, ocorreu nos últimos 50 anos. Em 1970, apenas 1% da sua floresta havia sido derrubada e, hoje, cerca de 18% da cobertura vegetal original não existem mais.

Entenda como a relação do poder público com a Amazônia evoluiu ao longo do tempo:

Colônia e Império: ampliação do território

Uma das primeiras iniciativas governamentais para explorar a região amazônica foi uma expedição em 1637 patrocinada pelo então estado do Maranhão e Grão-Pará, que enviou desbravadores pela floresta, que chegou ao Equador.

Nessa época, o Tratado de Tordesilhas ainda dividia o domínio da América entre Portugal e Espanha e deixava a maior parte da Amazônia para os espanhóis, o que não impediu os portugueses de fazer seguidas expedições para ampliar suas fronteiras, construir vilas, capturar e escravizar índios e coletar produtos valiosos da floresta, como castanhas, fibras e ervas medicinais, as drogas do sertão. Em 1750, um novo tratado entre Portugal e Espanha redefiniu os limites territoriais e incorporou a Amazônia ao Brasil.

Apesar de restrições legais para escravizar os índios a partir do século 18, na prática muitos deles viviam sob condições análogas à escravidão, explorados por colonos e pelo governo. Empreendimentos locais também usavam africanos escravizados, que trabalhavam em plantações de arroz e cacau, entre outras.

A economia amazônica começou a se dinamizar a partir de 1870, nos últimos anos do Império, com o ciclo da borracha. O látex, extraído das seringueiras, se tornou um insumo importante na indústria mundial. Uma elite local ser organizou em torno da exploração do produto, e os governos realizaram campanhas para atrair migrantes para trabalhar nos seringais.

República Velha: o primeiro ciclo da borracha

A região se enriqueceu bastante com o ciclo da borracha, pois o látex era então um produto praticamente exclusivo da Amazônia. Belém e Manaus se tornaram cidades prósperas, houve aumento da arrecadação de impostos e os governos no início da República patrocinaram novas iniciativas para atrair mão de obra para trabalhar nos seringais e na agricultura locais.

Amazônia brasileira: história de destruição

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As condições de trabalho, porém, eram duras, segundo o historiador César Augusto Queirós, professor da Universidade Federal do Amazonas. "A vida no seringal era muito complicada, era comum o uso de trabalho semiescravo e compulsório. Havia uma profunda exploração dos trabalhadores, afastados dos centros urbanos e distantes das famílias", afirma.

A partir de 1910, o início da produção de látex na Malásia derrubou a demanda pelo produto brasileiro, e a economia gomífera na Amazônia entrou em crise. Migrantes que haviam ido trabalhar nos seringais se mudaram para as cidades, que não estavam preparadas para recebê-los, e a região entrou em recessão.

Getúlio Vargas: fôlego da guerra e pecuária

Ao assumir o país em 1930, Getúlio estabeleceu como prioridade na Amazônia recuperar a economia extrativista para criar alternativas a uma região em crise e estabelecer colônias agrícolas para manter os trabalhadores de seringais no interior em vez de migrarem para as cidades, segundo Queirós.

A virada, no entanto, só chegou com o início da Segunda Guerra Mundial e o ingresso do Brasil no conflito junto aos Aliados. A invasão da Malásia pelo Japão bloqueou o acesso da indústria dos Estados Unidos ao látex asiático, e para suprir a demanda o Brasil se comprometeu a dobrar sua produção. O governo de Getúlio desenvolveu campanhas para atrair mais trabalhadores para os seringais, especialmente do Nordeste.

O segundo ciclo da borracha durou pouco. Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, o fornecimento de látex asiático se normalizou, e a economia da Amazônia voltou a entrar em crise.

Foi durante a gestão de Getúlio que também se fortaleceu a ocupação de áreas de Mato Grosso para a pecuária extensiva, em uma época em que ainda não havia preocupação com a preservação do meio ambiente.

Ditadura militar: o desmatamento em grande escala

A chegada do regime militar ao poder resgatou e amplificou a ideia de que seria necessário ocupar a Amazônia para consolidar o domínio sobre esse território. O governo lançou campanhas para povoar a região com o intuito de protegê-la de um imaginado risco de invasão estrangeira. A iniciativa era resumida pelo slogan "Integrar para não entregar", que servia de justificativa para grandes projetos e degradação ambiental.

Foi um período marcado por obras de infraestrutura, exploração mineral, expansão do agronegócio e desprezo pelos índios. "Os indígenas eram considerados uma população sem perspectiva de progresso, e foram criadas propagandas para habitar essa região, que o governo dizia ser sem homens, sem habitantes", diz a historiadora Lilian Moser, professora da Universidade Federal de Rondônia.

Em 1970, o governo militar lançou o Programa de Integração Nacional e anunciou obras que serviriam de estímulo para atrair migrantes, especialmente do Nordeste. Um dos eixos foi a abertura de rodovias, como a Transamazônica, que ligaria a Paraíba ao sul do Amazonas, e a BR-174, para conectar Manaus à Venezuela, e a destinação das áreas que margeiam as estradas a particulares. Também há investimentos em projetos de mineração, como o Programa Grande Carajás, no sul do Pará, onde a Vale explorou diversos minérios, como ferro, estanho e bauxita.

As grandes obras tiveram impacto negativo nos povos indígenas, cujos direitos eram negados pelo regime militar. "O Maurício Rangel, que era ministro do Interior [de 1974 a 1979], disse que os povos indígenas não poderiam ser um obstáculo e que dentro de 10 ou 20 anos não haveria mais índios. Ele só não colocou claramente se não haveria mais índios porque eles seriam 'incorporados' à sociedade capitalista ou se seriam dizimados", diz Queirós.

A construção da BR-174, por exemplo, quase extinguiu a etnia Waimiri-Atroari — sua população foi reduzida de 3 mil em 1972 para 350 em 1983, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade. O órgão registrou violações dos direitos de indígenas durante a ditadura, como retiradas forçadas de terras, massacres, torturas, envenenamentos e contágios estimulados de doenças, e estima que 8.350 indígenas foram mortos em decorrência da ação direta ou omissão do regime militar.

Nesse período também ocorreu a expansão do agronegócio no Pará e em Mato Grosso, com incentivo à pecuária extensiva e políticas fundiárias que beneficiavam grandes proprietários. "O governo militar foi na direção oposta aos anseios por reforma agrária e se colocou do lado dos interesses dos grandes agricultores", diz Queirós.

Segundo ele, boa parte das terras nessa região pertenciam ao estado e foram repassadas a grandes posseiros e grileiros, que tinham a obrigação de desmatar ao menos 50% da área, com uso frequente de trabalhadores em condição análoga à escravidão.

Em 1967, foi criada a Zona Franca de Manaus, com o objetivo de estabelecer indústrias na região, que teve impacto econômico positivo para a Amazônia, mas sem valorizar as "potencialidades locais", diz Queirós.

Período democrático: esforço de preservação e retrocessos

A Constituição de 1988 trouxe inovações positivas para a preservação da Amazônia. Houve o reconhecimento de direitos dos povos indígenas e foi acelerado o processo de demarcação de suas terras. Na mesma época, se firmou no debate mundial a necessidade de preservar o meio ambiente, expressa na conferência internacional Rio-92.

Em suas gestões, Fernando Henrique Cardoso homologou 99 terras indígenas na Amazônia, e Luiz Inácio Lula da Silva, 65, atribuindo alto nível de proteção a essas áreas. E novas obras na região passaram a ter menor impacto ambiental devido às regras de licenciamento ambiental.

A taxa de desmatamento na Amazônia, porém, seguiu pressionada pela exploração da madeira e o agronegócio e continuou alta até 2004, quando atingiu 27,7 mil hectares. A partir daquele ano, políticas conduzidas por Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, que criaram novas áreas de proteção legal e fortaleceram órgãos de fiscalização, começaram a dar resultado — o desmatamento caiu de forma sustentada até 2012, quando alcançou 4,5 mil hectares. Depois houve uma reversão, e o desmate voltou a subir.

"No final do governo Lula houve redução de investimentos nos processos de fiscalização na Amazônia, e Marina Silva saiu do governo fazendo críticas ao que ela identificava como retrocessos. Havia uma tentativa de se manter uma base no Congresso que desse governabilidade e a necessidade de dialogar com interesses da bancada ruralista. Isso continuou e se acentuou no governo Dilma", diz Queirós. Segundo ele, "não é à toa" que o desmatamento voltou a crescer a partir de 2012 e se acentuou em 2016, com a chegada de Michel Temer ao poder, liderando um governo "que claramente se identificava com os ruralistas".

A reversão da proteção ambiental atingiu seu auge em 2019, com o governo de Jair Bolsonaro, cuja atuação se inspira nos princípios que nortearam os projetos da ditadura militar. O presidente reduziu o poder dos órgãos de fiscalização, fez diversas menções à exploração de recursos minerais na Amazônia e questionou dados oficiais sobre o desmatamento. "A história às vezes nos prega essas peças", diz Queirós.

Para Moser, os discursos de Bolsonaro têm impacto simbólico negativo na população e podem estabelecer as bases para mais retrocessos no futuro. "O próprio pequeno produtor começa a concordar que 'não precisa de tanta mata', que 'o índio não precisa de toda essa terra' e que 'o que dá dinheiro é a soja'", diz.

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