1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Arte

Soraia Vilela7 de setembro de 2007

Mostra em Düsseldorf expõe obras de artistas que se dedicam à encenação teatral e fazem uso de estruturas narrativas em seus trabalhos, a fim de refletir sobre questões como identidade, autenticidade e representação.

'Sem depressão no céu', ensaio em vídeo de Mathilde ter HeijneFoto: Mathilde ter Heijne

A mostra Talking Pictures: Teatralidade em trabalhos contemporâneos de cinema e vídeo, no museu K21, em Düsseldorf, dá continuidade à recente exposição no mesmo espaço, que ao lado de outros quatro museus alemães recapitulou os 40 anos da videoarte. Com uma especificidade: a atual seleção se concentra num aspecto que, entre os anos 1960 e 1980, foi secundário no cenário das artes plásticas: a encenação.

O ponto de partida da exposição foi o desejo da curadoria de expor a reconciliação das artes plásticas com o teatro. Uma tendência observada desde a década de 1990 e que surgiu após anos de narizes torcidos por parte das artes plásticas para tudo o que pudesse carregar a conotação de "teatral" (entendido no sentido do exagero, da falsidade e do maneirismo).

Hibridismo de linguagem

A partir dos anos 1990, houve então uma reorientação das artes plásticas em direção a estruturas narrativas, sem que estas, no entanto, apareçam nos trabalhos cronologicamente. As formas usadas para levar a narrativa ao espectador são diversas: monólogos, diálogos, entrevistas, som em off, etc. E as obras em questão recorrem, via de regra, ao uso de textos poético-literários. São obras híbridas, que transitam entre o cinema, o teatro e a literatura, através da inserção de elementos da moda, dança, ópera e performance.

O mote talking pictures da mostra em Düsseldorf, por sua vez, não remete apenas à tradição das "imagens que falam", sendo também uma referência direta ao advento do som no cinema, como fica explícito na colagem de filmes Garlands (Grinaldas), do artista norte-americano T.J. Wilcox, que digitaliza imagens feitas em super 8, para depois transferi-las para 16 mm e projetá-las para o espectador.

Mostrando estórias

A palavra, tratada pelos artistas com menos atenção do que a imagem, passa a ganhar espaço a partir da presença freqüente de um "roteiro" a ser seguido. A arte começa não exatamente a contar estórias, mas a mostrar estórias, como em uma das mais interessantes obras da exposição: The Intruder (O Intruso), da belga Ana Torfs.

Instalação 'O Intruso', de Ana Torfs,Foto: Ana Torfs



A artista une o som em off de vozes impostadas à projeção de diapositivos em sépia, para encenar a obra de mesmo nome do autor belga Maurice Maeterlinck (1862-1949). A peça lendária teve sua estréia em 1861, numa noite beneficente em prol do poeta Paul Verlaine e do pintor Paul Gauguin, tendo sido encenada posteriormente tanto por Konstantin Stanislavski quanto por Vsevolod Meyerhold.

Em sua instalação, Torfs coloca o espectador frente a protagonistas estáticos ("presos" pela inércia da fotografia) e usa o exagero da entonação da fala para exacerbar o caráter sufocante do drama familiar. A artista já havia usado diapositivos aliados a som em off em seu Anatomy, trabalho em vídeo com 25 atores, que reconstrói o julgamento dos culpados pelo assassinato dos comunistas Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht em Berlim.

Identidade e representação

De formas distintas, as dez obras expostas, criadas por artistas de nove nacionalidades diferentes, buscam referências históricas para refletir sobre questões contemporâneas, como a situação da minoria rom na Albânia, tema do trabalho de Danica Dakić, que nasceu em Sarajevo e hoje vive em Düsseldorf.

'A Grande Galeria', de Danica DakićFoto: VG Bild-Kunst, Bonn

A artista leva o espectador a três locações distintas, ao acompanhar uma trupe de teatro em várias estações geográficas e diversos momentos, desde as tentativas de chegar a Alemanha em 2003, passando pela dissolução do grupo por falta de recursos em 2004 até uma visita ao enclave roma em Preoce e Plementina, na Albânia.

Dakić usou um catálogo do museu parisiense Louvre, bem como a pintura Vue Imaginaire de la Grande Galerie en Ruines (1796), do pintor Hubert Robert, em que aparecem ciganos, cartomantes e batedores de carteira. Tendo a "grande galeria de ruínas" ao fundo, os protagonistas (atores leigos) escolhidos por Dakić contam suas próprias histórias, confrontando o espectador com as esferas do real e dos estereótipos da ficção.

"Escrevemos o roteiro ou representamos apenas o que está, há muito, escrito?", pergunta uma psicóloga estilizada de cigana e inserida no vídeo pela artista para refletir em frases soltas sobre aspectos da representação. A encenação, no trabalho de Dakić, é usada para questionar os papéis impostos pelas sociedades não apenas ao indivíduo, mas também a uma determinada etnia – "A primeira coisa da qual você deve abdicar na Europa é sua identidade", diz um dos personagens.

Clique para continuar lendo.

Memória e máscara

Na mostra, a palavra em cena (ou palavra encenada) é trazida ao espectador através da representação dos personagens como "material de escultura", no caso do russo Victor Alimpiev, ou para discutir a luta de classes, como no ensaio em vídeo de Mathilde ter Heijne, No depression in heaven (Sem depressão no céu), um diálogo entre duas mulheres (ambas representadas pela própria artista).

Entre as obras expostas, contudo, o questionamento mais contundente através do uso da teatralidade no vídeo se dá, sem dúvida, no trabalho da videoartista britânica Gillian Wearing, que documenta testemunhos de pessoas traumatizadas em função de abusos sexuais na infância ou adolescência. Os depoentes aparecem com os rostos cobertos por máscaras que, porém, deixam entrever, através de pequenos indícios, suas personalidades reais.

Enquanto observa as máscaras inertes, o olhar do espectador é desviado para os pequenos sinais de vida: uma garganta real que se move, o olhar verdadeiro detectado nas duas perfurações da máscara e os movimentos da respiração. A ausência da mímica e do gestual, aliada ao som em off, que descreve a violência e a barbaridade vividas pelo entrevistado, fala mais que qualquer documentário de duas horas ou livro de 200 páginas sobre o assunto.

Exposição "Taliking Pictures", no museu K21, em Düsseldorf, aberta até o dia 4/11/2007, com trabalhos de Victor Alimpiev ,Keren Cytter, Danica Dakić, Mathilde ter Heijne, Markus Schinwald, Catherine Sullivan, Ana Torfs, Gillian Wearing, T.J. Wilcos e Yang Fudong.

'Trauma' na 'Caixa de Confissões' da artista britânica Gillian WearingFoto: Gillian Wearing
Pular a seção Mais sobre este assunto