Exposição em Berlim mostra diferentes facetas da modernidade do Brasil
21 de outubro de 2013O Modernismo foi um dos maiores movimentos culturais que aconteceram no Brasil no século 20. Seu legado histórico e artístico ainda tem grande influência em diversos campos, dentro e fora do país. O movimento não teve um impacto somente na produção cultural brasileira, mas também em sua sociedade, que passava por um momento de grande transformação e modernização.
Uma parte importante desse processo pode ser vista através de quatro olhares distintos na exposição "Modernidades fotográficas 1940-1964" em cartaz no Museu da Fotografia em Berlim, em parceria com o Instituto Moreira Salles (IMS). A mostra reúne 244 imagens feitas no Brasil pelo francês Marcel Gautherot (1910-1996), o húngaro Thomaz Farkas (1924-2011), o alemão Hans Gunter Flieg (1923) e o brasileiro José Medeiros (1921-1990).
O período que vai da Segunda Guerra Mundial até o começo da ditadura militar no Brasil compreende toda a primeira grande onda de modernização generalizada da vida brasileira (da guerra ao golpe), "em que as promessas e as contradições do país se acirram e se mostram com toda nitidez", disse Samuel Titan, coordenador executivo cultural do IMS e um dos curadores da exposição, em conversa com a DW Brasil.
Esse também foi um dos períodos mais férteis e criativos desses quatro artistas. "Eles estavam tentando capturar, com cliques de Leica e Rolleiflex, essa mesma onda moderna em que todos viviam, quisessem ou não, do Rio de Janeiro ao Xingu, de São Paulo ao canteiro de obras de Brasília", explicou o curador.
Símbolo da modernidade
A escolha desses fotógrafos – paradigmáticos segundo Titan, pois não pertencem a uma mesma escola ou corrente – buscava refletir facetas específicas (e por vezes contraditórias) do processo de modernização do Brasil, "que não foi homogêneo e consensual". Um país que estava às voltas com uma modernidade que concretiza suas diversas facetas através desses retratos em preto-e-branco.
A construção e os primeiros anos de Brasília são parte do trabalho de Marcel Gautherot e Thomaz Farkas: "A relação com o Modernismo é muito clara em Gautherot, que de certa forma levou adiante o projeto modernista de casamento da vanguarda com o popular, num horizonte desde sempre político. Farkas deve muito às vanguardas fotográficas dos anos 20, mas sua caixa de ressonância mais imediata é a nova onda vanguardista dos anos 40", afirmou Titan.
Nascido em Paris em 1910, Gautherot se estabeleceu no Rio de Janeiro no final da década de 1940. Seu trabalho retrata o folclore, a arquitetura, a natureza e o povo em diversas regiões do país e prima por uma excelente qualidade técnica e artística, além de um rigor clássico visto na fotografia documental. Carlos Drummond de Andrade se referiu ao trabalho do francês como "um dos mais notáveis documentos da vida no Brasil".
Gautherot foi responsável por mais de quatro mil imagens que documentam a construção de Brasília, entre 1955 e 1960. Algumas de suas fotos icônicas, que contrastam as linhas futurísticas de Niemeyer com a poética do cerrado, podem ser vistas Berlim.
A construção e inauguração de Brasília também são retratadas por Thomaz Farkas. O húngaro, que chegou ao Brasil com seis anos de idade, apontou sua austera lente para os icônicos prédios tomados por populares na inauguração da capital brasileira, mas também foi a fundo mostrando como viviam as pessoas que trabalharam na construção da cidade. Esse mesmo olhar pode ser visto de maneira mais bruta nas fotos feitas por Farkas, ainda adolescente, do Estádio do Pacaembu, de importantes prédios ou de pessoas nas ruas de São Paulo no final da década de 1940.
Vida de um povo: do trabalho ao lazer
As fotos de Hans Gunter Flieg mostram o processo de industrialização do Brasil. Fugindo do regime nazista, a família de Flieg chegou a São Paulo quando ele tinha 16 anos. Suas imagens são interpretações pictóricas clássicas da reformulação do país, através do aumento da tecnologia, e mostram o interior de fábricas, estruturas de engenharias, centrais de energia, além de estandes em feiras e produtos industriais.
Para Samuel Titan, o fato de três dos quatro fotógrafos terem nascido fora do Brasil é "um traço recorrente da história da fotografia brasileira, que volta e meia se renova por intermédio desse influxo estrangeiro, do francês Marc Ferrez no século 19 a duas fotógrafas contemporâneas como Claudia Andujar e Maureen Bisilliat".
O frio ambiente industrial de Flieg se contrapõe aos calorosos e irônicos retratos de José Medeiros, o único fotógrafo genuinamente brasileiro na exposição. Nascido no Piauí, ele trabalhou durante 15 anos na revista O Cruzeiro, se consagrando como uma dos maiores fotojornalistas brasileiros na década de 1940 e 1950.
Suas imagens captaram a vida no Rio de Janeiro no período, mostrando a praia, o carnaval, além de eventos sociais, como uma parada de 7 de Setembro ou uma corrida no Jockey Club Brasileiro. Suas viagens pelo interior do país mostram uma imensa diversidade, que vai dos índios do Xingu aos terreiros de Candomblé de Salvador, que encontra nos sensíveis e competentes olhos de Medeiros uma unidade tipicamente brasileira.
Depois da temporada em Berlim, a exposição deve passar por Lisboa e Paris e "talvez ainda Madri e Budapeste", anunciou Titan. "Estamos de olho em novas oportunidades [de expor na Alemanha] porque há muitos outros pontos de contato entre a coleção fotográfica do IMS e a fotografia alemã dos séculos 19 e 20", concluiu o curador.
A exposição "Modernidades fotográficas 1940-1964" está em cartaz no Museu da Fotografia em Berlim até 5 de janeiro de 2014.