Ameaçado por radicais de direita, prefeito de pequeno município na Saxônia renunciou ao cargo. Ele foi alvo de telefonemas, bilhetes e até suásticas em seu carro. Este é apenas um entre vários casos similares no país.
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Arnd Focke perdeu a paciência: por demasiadas vezes ele fora vítima de ameaças de extremistas de direita. Sua decisão: em 31 de dezembro, renunciou ao cargo de prefeito do município de Estorf, na Baixa Saxônia. "A decisão doeu, mas foi acertada", reafirma o político de 48 anos. Afinal de contas, ele esteve oito anos à frente da cidade de 1700 habitantes.
Ele, que há anos defende a ajuda a refugiados, era constantemente alvo de ataques de simpatizantes da extrema direita. Há algum tempo recebia "telefonemas ameaçadores", de vez em quando, "mas sempre achei que estava protegido".
Contudo a coisa não se parou nas chamadas telefônicas. Suásticas foram desenhadas em seu carro particular, Focke começou a encontrar bilhetes em sua caixa do correio: "Vamos colocar você e a Antifa [movimento de militância de esquerda] na câmara de gás", dizia um deles. "Passaram dos limites. Tornou-se pessoal e direto demais", conta Focke.
A renúncia do prefeito teve grande repercussão, pois o caso alimentou uma questão que vem sendo discutida há algum tempo na Alemanha: quão seguros estão os políticos locais, especialmente contra ataques de direita?
Os casos passados transmitem uma mensagem clara: em outubro de 2015, a política independente Henriette Reker – na época candidata, atualmente prefeita de Colônia – foi agredida em plena rua com uma faca de caça de 40 centímetros, ficando gravemente ferida no pescoço.
Perante o tribunal, o agressor Frank S. relatou que queria enviar um sinal contra a política de refugiados na quarta maior cidade da Alemanha. Alguns meses antes, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, tomara a decisão de deixar as fronteiras da Alemanha abertas, diante das notícias de que milhares de refugiados estavam a caminho de seu país e da Áustria.
Outro ano, outro lugar, crime semelhante: em novembro de 2017, um homem de 56 anos atacou com uma faca de 30 centímetros de comprimento Andreas Hollstein, prefeito da cidade de Altena, localizada perto de Colônia. Ainda durante o ataque, o agressor alcoolizado teria reclamado de forma depreciativa da política simpática aos refugiados do prefeito.
Dois anos mais tarde, os ataques de extrema direita a políticos locais alemães atingem um novo patamar de violência: o chefe do conselho administrativo da cidade de Kassel, Walter Lübcke, foi executado em junho de 2019, em frente à própria casa, com um tiro na cabeça, a curta distância, de acordo com as investigações.
O suspeito Stephan E. citou como motivo do ataque as declarações de Lübcke durante a onda de migração de 2015, quando o político conservador se pronunciara abertamente contra o racismo e a islamofobia. Mais tarde o presumível assassino retirou sua confissão, e o processo ainda está em andamento.
"O problema está no seio da sociedade"
Simultaneamente à divulgação da renúncia de Focke, surgiu a notícia de que o prefeito de uma cidade na Renânia do Norte-Vestfália haveria solicitado uma licença de porte de arma – por enquanto, negada. O político em questão, que não teve seu nome revelado, também teve que encarar extremismo de direita e agitação popular em sua comunidade.
No início de 2020, o presidente da Federação Alemã de Cidades e Municípios (DStGB), Gerd Landsberger, observou que "infelizmente, a situação de ameaça não melhorou". A associação, que representa os interesses dos municípios alemães, entrevistou mais de mil prefeitos, um quarto dos quais já foram insultados ou ameaçados.
"A política federal vai abordar isso", garantiu Landsberger. Atualmente, há em todos os estados pessoas de contato, às quais os prefeitos podem denunciar as ameaças. A DStGB também quer que a perseguição e assédio (stalking) de políticos seja criminalmente punível.
O ex-prefeito de Estorf não atribui o problema à política: "Ela está impotente. O problema está no seio da nossa sociedade. Não nos erguemos mais em defesa mútua e contra o extremismo. Pode-se novamente dizer coisas que há cinco anos não se podia nem pensar." Isso se aplica tanto aos radicais de direita quanto aos de esquerda.
Mas de onde vem esse desdobramento? "Descuidamos da educação. É preciso transmitir às crianças e aos jovens que na Alemanha temos um passado que não pode ser repetido. Além disso, há muita gente insatisfeita e fácil de manipular", analisa Arnd Focke.
Organizações populistas de direita, como o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), acabam por ser um forte meio de disseminação da ideologia ultradireitista, mas defini-las como origem dos ataques radicais é simplificar demais o problema,
O ex-prefeito diz depositar sua confiança nos órgãos de segurança estatal, que investigam sobre os desenhos de suásticas e as cartas. Ele não acha que o seu seja um caso isolado. Pelo contrário: Focke acredita que muitos políticos se retiraram da vida pública por causa de perseguições. Eles simplesmente não levaram seus casos a público.
Após mais de cinco anos de processo, saem as sentenças pelas mortes de nove imigrantes e uma policial na Alemanha, num caso envolvendo extremismo de direita e críticas a instâncias estatais.
Foto: dapd
Beate Zschäpe, o rosto da NSU
Entre 2000 e 2006, nove homens de origem estrangeira foram mortos com a mesma pistola na Alemanha. A polícia tateava no escuro, e a mídia falava de "assassinatos do kebab". Em 4 de novembro de 2011, uma casa explodiu em Zwickau, no leste do país. Entre os destroços foram encontrados a arma do crime e outros objetos incriminadores. Quatro dias mais tarde, Beate Zschäpe se entregou à polícia.
Foto: dapd
O (presumível) trio da NSU
Em 1998, Zschäpe se unira aos amigos ultradireitistas Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos na célula terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). O trio viveu incógnito em diversos locais por quase 14 anos, por último em Zwickau, no estado da Saxônia. Segundo os investigadores, eles teriam cruzado a Alemanha cometendo assassinatos e atentados a bomba, financiando-se através de assaltos a bancos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Burgi
As vítimas
Ao que se sabe, a NSU matou ao menos nove homens e uma mulher. A primeira vítima, Enver Şimşek, sucumbiu em setembro de 2000 a ferimentos graves. As demais vítimas foram (a partir do alto, esq.) Abdurrahim Özudogru, Süleyman Taşköprü, Habil Kılıç, a policial Michèle Kiesewetter, Mehmet Turgut, Ismail Yasar, Theodorus Boulgarides, Mehmet Kubaşık e Halit Yozgat.
Foto: picture-alliance/dpa
Atentados a bomba em Colônia
Na rua Keupstrasse, em Colônia, habitada majoritariamente por turcos, uma bomba cheia de pregos explodiu em 9 de junho de 2004. Mais de 20 pessoas ficaram feridas, em parte gravemente. Antes, em 19 de janeiro de 2001, uma outra fora detonada na Probsteigasse. Uma jovem de 19 anos de origem iraniana sofreu queimaduras, cortes, fratura do crânio e perfuração do tímpano.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma fuga
Em 4 de novembro de 2011, um assalto a banco fracassou em Eisenach, na Turíngia. Os criminosos conseguiram inicialmente escapar, mas foram perseguidos pela polícia. Pouco mais tarde, os cadáveres de dois homens foram encontrados num trailer fumegante. Os indícios eram de suicídio. Ambos foram identificados como Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, supostos integrantes da célula terrorista NSU.
Foto: picture-alliance/dpa
Último esconderijo
Poucas horas após a morte dos supostos assassinos da NSU, uma casa residencial foi pelos ares em Zwickau. Com a explosão, Beate Zschäpe aparentemente tentou eliminar as pistas na moradia que dividia com seus amigos Böhnhardt e Mundlos. Entre as ruínas, os policiais encontraram, entre outros, a arma do tipo Ceska utilizada na série de assassinatos da NSU e um vídeo de reivindicação.
Foto: picture-alliance/dpa
Reivindicação cruel
Num macabro vídeo, utilizando a apreciada figura de desenhos animados Pantera Cor-de-Rosa, a NSU reivindicou os assassinatos de nove turcos e uma policial. No entanto, uma das vítimas, Theodorus Boularides, tinha origem grega.
Foto: picture-alliance/dpa/Der Spiegel
O início do processo
Em 6 de maio de 2013, começou o processo da NSU no Tribunal Superior Regional de Munique. A única sobrevivente do trio terrorista, Beate Zschäpe, apresentou-se de terno escuro, aparentando autoconfiança. O procurador-geral da República a acusou, entre outros crimes, de "ter matado, em dez casos, um ser humano de forma traiçoeira e por motivação torpe".
Foto: Reuters/Michael Dalder
Cúmplices da NSU?
Além de Zschäpe, quatro homens foram acusados no processo da NSU como presumíveis acessórios dos crimes. Apenas Ralf Wohlleben (abaixo, dir.), ex-membro do partido de extrema direita NPD, pode ter seu nome completo citado na imprensa. Os demais, André E., Carsten S. e Holger G. estão protegidos pelo direito de personalidade.
Zschäpe quebra o silêncio
Em 9 de dezembro de 2015, após dois anos e meio de silêncio, Beate Zschäpe se pronunciou, fazendo ler uma declaração em que inculpa Böhnhardt e Mundlos pela série de assassinatos. Em meados do ano, ela se desentendera com seus três advogados indicados, passando a ser representada adicionalmente por Hermann Borchert e Mathias Grasel.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Escândalo do informante
Desde o início do processo, era ambíguo o papel do Departamento de Defesa da Constituição, responsável pela segurança interna da Alemanha, nas atividades da NSU. O extremista de direita Tino Brandt (foto), informante do órgão, relatou em juízo como, nos anos 90, criara o grupo Defesa da Pátria da Turíngia (THS). A partir dele, o trio liderado por Zschäpe se radicalizou, criando a NSU.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Schutt
Relações mal explicadas
Quando Halit Yozgat foi baleado num internet-café de Kassel, em 6 de abril de 2006, o informante Andreas T. estava no local. Apesar disso, o funcionário da Defesa da Constituição afirmou nada saber sobre o atentado. No processo da NSU, o pai da vítima, Ismael Yozgat, relatou de forma comovedora como segurara nos braços o filho agonizante. No tribunal, levou consigo uma foto de infância de Halit.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Gebert
Protestos contra falta de clareza
Já houve uma série de manifestações contra o envolvimento de órgãos estatais alemães no caso da NSU. A organização Keupstrasse Está Por Toda Parte é uma das participantes dos protestos. Ela leva o nome da cidade de Colônia, onde a célula terrorista explodiu uma bomba cheia de pregos.
Foto: DW/M. Fürstenau
Parlamento interfere
O Parlamento federal alemão tentou trazer luz às intrigas no caso da NSU. Em agosto de 2013, o presidente da primeira comissão de inquérito, Sebastian Edathy (dir.), entregou ao líder parlamentar Norbert Lammert seu relatório final de mais de mil páginas. A conclusão foi avassaladora: "fracasso estatal". Mais tarde haveria outras CPIs em nível federal e estadual.
Foto: picture-alliance/dpa
Promessas quebradas
Em 23 de novembro de 2012, foi realizado na Konzerthaus de Berlim um evento em memória das vítimas da NSU. A chefe de governo Angela Merkel (esq.) prometeu a Semiya Şimşek e outros familiares o esclarecimento total. Mas eles estavam decepcionados diante de dossiês da Defesa da Constituição eliminados ou mantidos em caráter confidencial. Sua suspeita era de que o Estado sabia mais do que admitia.
Foto: Bundesregierung/Kugler
Procuradoria Geral exige pena máxima
Em meados de 2017, o procurador-geral Herbert Diemer e colegas apresentaram suas considerações finais. Eles exigiram para Beate Zschäpe a pena máxima, de prisão perpétua, devido à gravidade extrema de seus crimes. Para Ralf Wohlleben e André E., a acusação pediu 12 anos de cárcere, assim como cinco para Holger G. e três para Carsten S..
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Exigência surpreendente
Em abril de 2018, os defensores se pronunciaram. Hermann Borchert e Mathias Grasel, representando Zschäpe apenas desde 2015, reivindicaram para ela um máximo de dez anos de prisão. Entretanto, seus antigos advogados, Wolfgang Stahl, Wolfgang Heer e Anja Sturm (da dir. para a esq.) surpreenderam ao pedir a libertação imediata de Zschäpe da prisão preventiva.
Foto: Reuters/M. Rehle
Juiz respeitado
Manfred Götzl, de 64 anos, é o juiz-presidente no processo da NSU, no Tribunal Superior Regional de Munique, encarregado de pronunciar as sentenças contra Beate Zschäpe e os demais réus. Os advogados de alguns coautores do processo criticaram Götzl, desejando que ele conduzisse a ação com maior rigor. No geral, contudo, ele goza de grande respeito.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Hase
Prisão perpétua para a ré principal
Em 11 de junho de 2018, Beate Zschäpe (esq.), de 43 anos, foi condenada à prisão perpétua pelo Tribunal Superior Regional de Munique. Como os crimes são de extrema gravidade, ela não poderá deixar a prisão depois de cumprir 15 anos de pena. A defesa anunciou que vai recorrer da decisão à instância superior, a Corte Federal de Justiça. Os demais réus receberam penas entre dez e dois anos e meio.