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Extremismo de direita nas Forças Armadas alemãs

Anne Höhn | Tessa Clara Walther av
4 de julho de 2020

Casos de militares envolvidos com extremismo de direita colocam a Bundeswehr sob pressão pública. A DW conversou com um ex-soldado que não suportou o clima de racismo e antissemitismo dentro da corporação.

Soldado da Bundeswehr
Ao escutar recruta lançar insulto racista contra o prefeito da cidade vizinha, ex-soldado resolveu fazer uma denúnciaFoto: picture-alliance/dpa/S. Gollnow

Durante um longo passeio pelo parque Tiergarten, em Berlim, o ex-soldado das Forças Armadas alemãs (Bundeswehr) relata sobre seu serviço militar – com sentimentos ambivalentes, como diz. Ele fala devagar, escolhe as palavras com cuidado, faz longas pausas. Ao entrar para a Bundeswehr, tinha apenas 18 anos, acabara de sair da escola. Permaneceu dois anos, aí pediu baixa: coisas demais o haviam perturbado, sobrecarregado, enojado.

Tudo começou com uma piada antissemita, tomando uma cerveja depois do serviço diário. "O assunto era o nariz comprido dos judeus e coisas assim. E aí um outro disse: 'O quê? Ainda tem judeus? Eu pensava que a gente tivesse acabado com eles todos. É preciso se ocupar disso de novo.'"

Na época, o então soldado ficou chocado e inseguro em relação a como reagir. Como nenhum dos demais colegas protestou, ele se calou, pensando: "Talvez seja um caso isolado." Mas os incidentes se acumularam.

Em 2015, em plena crise dos refugiados – fazia poucas semanas que a chanceler federal Angela Merkel lançara seu slogan "Vamos conseguir" – um dos camaradas contou, cheio de orgulho, como, junto com o irmão, expulsara alguns refugiados do lago próximo.

Pela primeira vez o ex-soldado interveio, perguntou se o relato era a sério. "Eu acabava de entrar para a tropa, o outro percebeu que eu tentava colocar algo em movimento, e quis reprimir. Aí foi realmente a primeira vez que senti medo. Como soldado, nunca se deve ter medo dos próprios camaradas."

A camaradagem militar é algo muito próximo, que vai além da amizade: cada um tem que confiar nos outros, em combate e em outras situações, diz o ex-soldado.

"Mas se a pessoa é um traidor, um 'kamaradenschwein' [camarada-porco, na tradução literal], aí se vive o inferno na Terra", constata objetivamente. A pressão social entre os soldados é enorme, ninguém quer chamar atenção, pois quem chama atenção é excluído.

"São muitos de alto escalão"

Tais descrições soam familiares demais para o major reformado Florian Pfaff, porta-voz da Darmstädter Signal, uma associação de ex-militares crítica à Bundeswehr.

"Se você mesmo vivenciou um superior exigindo que quebre a lei, ordenando que encubra delitos, se é forçado a essas coisas, aí você diz, claro, não são casos isolados que destoam, mas sim muitos superiores em escalões muito altos, até o campo da política", afirma, em entrevista à DW.

Essa elite militar é, no melhor dos casos, hesitante em enfrentar problemas estruturais da tropa. E isso, apesar de nos últimos anos atividades de extrema direita dentro do Exército alemão terem vindo repetidamente à tona.

O ex-soldado ouvido pela DW logo notou que havia método por trás do silêncio. Ainda assim, resolveu fazer uma denúncia: ao escutar um recruta lançar um insulto racista contra o prefeito negro da cidade vizinha, lhe pareceu que a coisa ia longe demais.

Ao apresentar queixa ao chefe do pelotão, este lhe perguntou se ele não sabia que o recruta em questão se apresentara como voluntário para a assistência aos refugiados, quando havia falta de pessoal. "Eu respondi que naturalmente não sabia de nada, mas que é possível dizer 'A' e fazer 'B'."

Pouco mais tarde, caiu doente. Durante a licença médica chegaram pelo correio os documentos de baixa militar, por iniciativa de seu superior imediato. "Lá dentro de mim eu sabia que meu chefe de pelotão tinha ambições de carreira. E talvez a minha denúncia tenha sido um ponto no currículo que poderia atrasar a carreira dele."

Promessa de reformas

Confrontado com as experiências do ex-militar, o Ministério alemão da Defesa afirmou que "condena todo tipo de comportamento antissemita, xenófobo e extremista partindo de integrantes da divisão da Bundeswehr". Segundo a ministra Annegret Kramp-Karrenbauer, "todo aquele que cala é parte do problema, e se torna cúmplice". O ministério promete tomar medidas para tratar do assunto.

De fato, haveria motivos para se ter esperança de uma reforma: no fim de maio, após incidentes de radicalismo direita, uma carta de apelo do general de brigada Markus Kreitmayr, do Comando de Forças Especiais (KSK), a tropa de elite das Forças Armadas alemãs, provocou algum movimento. Kramp-Karrenbauer deu o ultimato à unidade: ela tem quatro meses para se renovar internamente. "Queremos encorajar os corajosos", disse.

Para o ex-soldado, chega tarde demais essa nova consciência do problema do extremismo de direita: ele não se objetou ao afastamento, e em 2017 acabou por dar as costas às Forças Armadas.

 Agora torce para que finalmente haja mudanças, pois, apesar das experiências negativas, ele tem uma visão clara para a instituição: "Uma Bundeswehr aberta, mais honesta, que cuide dos soldados que abram a boca e digam 'tem alguma coisa errada', em vez de demitir quem se torna incômodo." Se isso acontecesse, ele talvez até retornasse à vida militar.

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