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"Extremos climáticos chegaram mais rápido que o esperado"

Roberta Jansen, do Rio24 de junho de 2016

Uma das maiores autoridades do mundo em mudanças climáticas, o climatologista brasileiro Carlos Nobre alerta, em entrevista à DW, que os efeitos do aquecimento global estão superando modelos previstos pelos cientistas.

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Fenômenos climáticos extremos como os que têm acontecido nesta década eram esperados só após 2030Foto: Fotolia/Daniel Loretto

O Brasil já enfrenta problemas climáticos severos diretamente relacionados ao aquecimento global do planeta e justamente na Amazônia – o maior cartão postal ambiental do país. A análise é do cientista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas climáticos do mundo, que fala nesta sexta-feira (24/06) sobre o tema no seminário "Crise Hídrica no Brasil – Ontem, Hoje e Amanhã", organizado em parceria pelo Museu do Amanhã e o Projeto #Colabora.

Em entrevista à DW Brasil, Nobre falou sobre as influências do aquecimento global na grande seca de 2014 no Sudeste e também nos eventos extremos registrados nos últimos anos na Amazônia. Segundo o especialista, a resposta do planeta às mudanças climáticas está sendo mais intensa do que o previsto pelos modelos elaborados por pesquisadores.

DW Brasil: Até que ponto a crise de recursos hídricos vivida recentemente no Brasil – sobretudo com a seca no Sudeste em 2014, que levou os reservatórios aos níveis mais baixos – está diretamente relacionada às mudanças climáticas do planeta?

Carlos Nobre: Temos períodos de seca por razões que independem das mudanças climáticas. Mas o impacto de uma a seca similar (digamos, com 50% menos de chuva) há cem anos é diferente do de hoje, num planeta em que a temperatura já está um grau mais alta. Hoje, por conta disso, a evaporação da água é mais acelerada – isso é uma realidade em vários lugares do mundo. Então, o déficit de chuva pode ser o mesmo, mas o déficit de água no solo é maior. Este já é um efeito direto do aquecimento global, independentemente de não termos certeza absoluta de que o aquecimento já esteja induzindo a mais secas ou secas mais intensas. De qualquer forma, esse é um cenário previsto para as mudanças climáticas, o de extremos: secas mais intensas e chuvas mais intensas.

Climatologista Carlos NobreFoto: Imago//Fotoarena

Já existe algum lugar no Brasil onde esse cenário de extremos por conta do aquecimento já esteja ocorrendo?

Um lugar onde as pesquisas já indicam com alguma certeza científica uma mudança no regime de extremos é a Amazônia, onde, nos últimos onze anos (desde 2005) tivemos três secas severas e três inundações. Sendo que pelo menos duas dessas secas e duas dessas inundações foram recordes absolutos nos últimos cem anos, desde que temos registros precisos para a região. Então essa alternância de extremos secos e chuvosos pode já ser uma manifestação precursora do aquecimento global na Amazônia.

E isso não se aplica ao Sudeste?

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No Sudeste ainda não podemos falar isso. Tivemos uma seca muito intensa em 2014 e 2015, que teve um impacto talvez maior do que o esperado para um déficit de chuva de 40%, 50%, por conta daquilo que mencionei anteriormente, como estamos com a temperatura média um grau mais elevada, a evaporação da água é maior.

Mas estamos vivenciando no Sudeste um inverno especialmente frio depois de um verão muito quente, não? Não dá para falar em extremos climáticos?

O recorde em termos de verão mais quente foi em 2014, por conta da seca. Este último verão foi muito quente – embora não tão quente quando o de 2014 – por conta do El Niño (o fenômeno de aquecimento das águas do Pacífico Sul que eleva as temperaturas), que agora já está em condição de neutralidade. Sim, fazia muito tempo que não tínhamos um inverno tão frio, desde 1994, com a entrada de duas ondas de frio intensas e seguidas. Mas isso faz parte da variabilidade climática natural. Essas duas frentes frias foram bem típicas e não há nenhum estudo mostrando qualquer configuração particular na Antártica (de onde vêm as frentes frias que invadem o Brasil no inverno). É diferente do Ártico, onde há vários estudos mostrando o impacto do aquecimento global.

E teremos La Niña este ano? Quais serão as implicações?

O Pacífico está saindo do El Niño, e a La Niña não se estabeleceu ainda. As previsões ainda são incertas, e algumas são contraditórias, mas a principal aposta é de que haverá uma La Niña de intensidade moderada se estabelecendo nos próximos meses. Se o fenômeno for de moderado a intenso, poderemos ter seca no Sul e chuvas acima da média no Nordeste. Para o Nordeste, essa seria uma ótima notícia, já que a região está enfrentando a seca há cinco anos – os reservatórios por lá estão nos níveis mais baixos já registrados em 80 anos.

O senhor é um dos maiores especialistas do mundo em aquecimento global e já estuda isso há um bom tempo. As previsões que vocês faziam, digamos, há dez anos, estão todas se concretizando dentro das expectativas? Ou o cenário é pior do que o imaginado há uma década?

O que vem surpreendendo muito é essa coisa dos extremos. Vinte, dez anos atrás não imaginávamos que os extremos climáticos estariam acontecendo já nesta década. Esperávamos esta situação para depois de 2030. A sensibilidade do sistema climático planetário a um aumento de um grau na temperatura também me surpreendeu. Esperava ver as mudanças que estamos vendo hoje com um grau e meio ou dois de aumento. Em praticamente todas as áreas os impactos são mais visíveis do que era esperado com um grau de aumento. Outra coisa que surpreende são as tempestades oceânicas mais intensas, causando ressacas mais fortes em muitas partes do mundo, inclusive na costa do Brasil. O aquecimento já registrado nos oceanos é de apenas 0,7 grau, mas já estamos observando essas mudanças.

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