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Férias em tempos de pandemia

27 de julho de 2020

Restrições de viagem limitaram as possibilidades de locomoção, mas também deram asas à criatividade. A colunista conta como foi a experiência de atravessar a Alemanha de bicicleta, pedalando por mais de 600 quilômetros.

Placas de ciclovias em Berlim
Berlim também está investindo em sinalização de ciclovias Foto: DW/C. Neher

Neste ano, tudo se tornou mais complicado. Até os momentos de lazer acabaram sendo impactos pelas restrições necessárias para controlar a pandemia. Chegou julho, tradicional mês de férias aqui em Berlim, e muitas incertezas ainda pairavam no ar: é seguro viajar neste momento? Para onde ir? Será uma boa ficar horas dentro de um trem? E se houver um surto repentino na região escolhida? As perguntas eram muitas, e as respostas, pouco concretas.

Depois de passar dias pensando sobre para onde ir nas férias, a decisão acabou sendo a mais óbvia: ficar na Alemanha e fazer algo por aqui mesmo. Em Frankfurt, depois de ter visitado Heidelberg – que eu não conhecia –, ainda pensando em como ocupar os últimos dias de descanso que restavam, surgiu a ideia de aproveitar a rede de ciclovias de longa distância existentes por aqui e voltar para a casa pedalando até Berlim. 

Com cinco dias livres e algumas centenas de quilômetros pela frente, o primeiro passo foi programar mais ou menos a rota e determinar por cima a quilometragem diária a ser percorrida. A escolha da rota para primeira etapa foi a mais fácil: o estado de Hessen tem mais de 3,3 mil quilômetros de ciclovias de longa distância, segundo estimativas do governo estadual, e um mapa que reúne todas elas. 

Com o objetivo otimista de fazer 118 quilômetros até Fulda, partimos de Frankfurt. A etapa foi relativamente tranquila. As ciclovias eram bem sinalizadas, passando por florestas e cidadezinhas históricas. Na maior parte do percurso, eram asfaltadas, e quando não, eram suficientemente boas para pedalar. Os últimos quilômetros foram os mais difíceis, pois Fulda ficava depois de uma longa e íngreme subida. Mas no final veio a recompensa: a cidade barroca possui um lindo centro histórico, e a sensação era de vitória após pedalar tantos quilômetros.

O segundo dia começou com uma leve garoa e subida. Ainda em Hessen, a escolha das ciclovias para percurso até Eisenach, já na Turíngia, mas próximo à fronteira interestadual, foi também fácil devido à quantidade de informações disponíveis sobre a malha existente na região. O trajeto passou por parte da ciclovia chamada Kegelspielradweg, construída sobre uma antiga ferrovia. O trecho foi um dos mais bonitos do dia, passando por florestas e campos.

Também pedalamos pela ciclovia europeia chamada Cortina de Ferro, que percorre a antiga divisão do continente na Guerra Fria. Encontramos alemães muito simpáticos ao descobrir que na vila programada para o almoço não havia restaurantes e que não havia sinal de internet 3G. Fomos informados de que o próximo local com opções para almoçar ficava a 14 quilômetros. No fim do dia, estávamos 108 quilômetros mais perto de Berlim, e eu, com dores musculares nas pernas, achando que a viagem tinha acabado ali e que pegaria um trem para casa na manhã seguinte.

Ao acordar, por sorte, as dores haviam passado. No terceiro dia, tivemos a grande surpresa da viagem: a Turíngia também tem uma rede de ciclovias enorme, 1.700 quilômetros, segundo o governo local, e muito bem sinalizada. Passamos por paisagens muito bonitas durante todo o percurso até a pequena Bad Sulza, uma vila com águas termais localizada numa região chamada de "Toscana da Alemanha". A pausa para o almoço foi em Erfurt, uma cidade pouco conhecida por turistas brasileiros, mas muito mais interessante e bonita do que Dresden. Ambas ficam a cerca de duas horas de trem de Berlim. Em Bad Sulza, também nos surpreendemos com a simpatia das garçonetes que trabalham no restaurante onde jantamos.

O quarto dia foi o pior da viagem em termos de infraestrutura para bicicletas. O início da pedalada foi muito bonito, numa ciclovia que percorre a "Toscana da Alemanha", na fronteira entre a Turíngia e Saxônia-Anhalt. Ao deixarmos a fronteira cada vez mais para trás, a falta de placas indicando cidades e sinalizando a ciclovia, uma das poucas de longa distância existente na região, indicava que estávamos em outro estado alemão. Pedalamos ainda quilômetros e quilômetros na beira de estradas ou em caminhos ruins que passavam quase que exclusivamente por plantações sem fim e nenhuma natureza entre elas.

Neste dia, batemos o recorde: 139 quilômetros até Dessau, mas o desafio foi mais por falta de opção do que por vontade. A cidade mais próxima com infraestrutura para receber turista, ou seja hotéis, ainda estava muito longe de Berlim e, se encerrássemos o dia por ali, não completaríamos a viagem no dia seguinte. O único jeito foi pedalar até Dessau, terra da Bauhaus – o movimento que revolucionou a estética moderna.

Perto do fim e com o objetivo de chegar a Berlim, no quinto dia, a prioridade foi pedalar pelo trecho mais curto, que significa esquecer ciclovias e ir pela beira da estrada. Isso porque os caminhos exclusivos para bicicleta, na maioria das vezes, não são tão diretos, passando por dentro de cidades e dando algumas voltas por regiões bonitas. 

Saímos de Dessau pela ciclovia do Elba, uma das mais populares da Alemanha com mais de mil quilômetros ligando Cuxhaven a Špindlerův Mlýn, na República Tcheca. Até o almoço, seguimos pela ciclovia D3, que integra a rota da rede composta por 12 trechos que atravessam a Alemanha de norte a sul e de leste a oeste. Depois da pausa para recarregar as energias, seguimos por uma ciclovia construída na beira de uma estrada que ia até Berlim. Apesar de termos percorrido "apenas" 130 quilômetros nesse dia, ele foi um dos mais cansativos. Pedalar o tempo todo ao lado de carros é extenuante.

Depois de atravessar a Alemanha e percorrer 622 quilômetros, finalmente chegamos a Berlim. O sucesso dessa empreitada se deve principalmente a disciplina de acordar cedo e partir sempre às 9h para chegar à cidade definida como meta do dia por volta das 18h30, com uma pausa de cerca de uma hora para o almoço. 

Da minha primeira grande viagem de bicicleta, ficou a vontade de repetir a dose. Porém, com mais tempo para parar em pontos turísticos ao longo da rota ou curtir um pouco mais paisagens e evitar os trechos na beira da estrada. Também achei bem interessante conhecer o "campo alemão", além de passar por regiões pouco atraentes para turista, das quais eu não tinha nenhuma imagem. Além disso, a viagem contribuiu para aprofundar meu conhecimento sobre as diferenças visíveis que ainda existem entre as antigas Alemanha Ocidental e Oriental.

Para quem gosta de andar de bicicleta, natureza e ar livre, recomendo incluir na viagem de férias uma pedalada pela Alemanha.

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Clarissa Neher é jornalista da DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy. Siga-a no Twitter.

 

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