Defesa do ex-presidente questionou isenção dos procuradores da Lava Jato após mensagens vazadas pelo site The Intercept, dizendo que teriam agido "com clara motivação pessoal e política".
Anúncio
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou nesta quinta-feira (30/08) um pedido pela liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A defesa do petista alegou que os procuradores da força-tarefa da operação Lava Jato, coordenada por Deltan Dallagnol, não tinham isenção para investigar o caso do apartamento tríplex no Guarujá, que resultou na prisão do ex-presidente em abril do ano passado.
A argumentação da defesa se baseou na série de mensagens atribuídas aos procuradores divulgadas pelo portal The Intercept Brasil.
Fachin justificou com o fato de a Segunda Turma do STF ter negado em junho uma liminar da defesa de Lula que pedia sua liberdade em razão de uma suposta suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Após a decisão de Fachin, os advogados do ex-presidente poderão novamente recorrer à Segunda Turma.
O ministro e relator da Lava Jato no STF negou ainda outro pedido para que fossem feitas perícias nas mensagens atribuídas aos procuradores e divulgadas pelo Intercept, em parceria com outros veículos de imprensa no Brasil. O pedido da defesa foi feito através de habeas corpus, o que, segundo Fachin, não é o recurso ideal para esse tipo de requerimento.
A defesa incluiu na ação as mensagens atribuídas a Dallagnol e Moro, que, segundo os advogados, comprovam que os procuradores "agiram com clara motivação pessoal e política, além de terem ficado submetidos à coordenação e orientação do ex-juiz Sergio Moro”.
O argumento da defesa era que durante um processo penal "eventuais manifestações dos membros do Ministério Público devem ser realizadas serenas, prudentes e objetivas, evitando-se expor o investigado/acusado ou prejudicar a garantia da presunção de inocência". Segundo os advogados, isso não aconteceu no caso de Lula.
"Os procuradores da República que oficiaram no caso do ex-Presidente Lula ignoraram tais parâmetros e aniquilaram sua garantia à presunção de inocência", afirma a defesa.
Os advogados citaram como exemplo o fato de que os membros da força-tarefa "realizaram uma coletiva com uso de PowerPoint na data do protocolo da denúncia, dispensado a Lula tratamento de culpado antes mesmo da instauração do processo", segundo apontaram mensagens.
Com base nas conversas vazadas, a defesa afirma que, ao longo do processo, os procuradores davam declarações à imprensa "para rotular Lula como culpado, a despeito da inexistência de qualquer prova de culpa".
O mérito do recurso em que os advogados de Lula questionam a isenção de Moro ao conduzir o processo do tríplex começou a ser julgado pela Segunda Turma do STF no ano passado, após Fachin e a ministra Cármen Lúcia votarem contra o pedido da defesa. Ainda não votaram os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
Lula foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex e está preso desde abril de 2018. O STJ reduziu a pena do ex-presidente de 12 anos e um mês para 8 anos e 10 meses.
O petista ainda é réu em outros dois processos referentes ao imóvel do Instituto Lula e sobre o sítio em Atibaia. Neste último, ele foi condenado em fevereiro a 12 anos e 11 meses de prisão. A condenação ainda será analisada pelo TRF-4.
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.