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Fake news na saúde, uma epidemia de difícil controle

31 de janeiro de 2020

Surtos como o do novo coronavírus estimulam a disseminação de notícias falsas em redes sociais e, consequentemente, aumentam a sensação de pânico na população. No Brasil, doença já rendeu série de boatos.

Tela de celular com a frase "Fake news" à frente de uma tela inicial do Facebook
Ministério da Saúde brasileiro já analisou 14 notícias relacionadas ao coronavírus – todas elas falsasFoto: picture-alliance/L. Huter

As fake news encontram terreno fértil no pânico causado por alertas globais de saúde, gerando uma espécie de epidemia de informações capaz de se alastrar mais rapidamente que um vírus. Prova disso é que o medo do novo coronavírus surgido na China, que se espalhou por mais de 20 países, já rendeu uma série de notícias falsas compartilhadas em aplicativos de mensagem no Brasil.

Parece óbvio, mas vale ressaltar: é falso que o Ministério da Saúde tenha orientado a população a beber água quente e evitar lugares fechados até março de 2020; é falso que o diretor do Hospital das Clínicas emitiu alertas à sociedade; é falso que chá de erva doce tem a mesma substância do medicamento Tamiflu; é falso que se esteja cogitando cancelar o Carnaval no Brasil por causa do surto. E essa lista de disparates não deve parar de aumentar.

"É muito importante não passar para a frente mensagens assim. Porque é grande o risco de criar pânico", diz o médico Angelmar Roman, pesquisador do Instituto Presbiteriano Mackenzie e professor de Medicina de Família e Comunidade da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (Fempar).

"Sobre o atual surto, estou até fazendo uma coleção [de fake news]", comenta ele, que destaca desde teorias da conspiração – como uma imagem que mostraria "milhões de pessoas caindo nas ruas na China, e isso não estaria sendo divulgado" – até receitas mirabolantes, como "comer fígado de boi e ingerir vitamina C", além de beber toda a sorte de chás.

"Já foi demonstrado que vitamina C não tem eficiência em relação a viroses, mas se quiser tomar, não tem problema – só que é preciso saber que isso não é tratamento nem prevenção. Chá de erva doce pode ser gostoso, mas é claro que não tem nada a ver com medicamento", exemplifica.

Mitos médicos

Roman lembra que boatarias no meio médico sempre existiram. "O problema é que antigamente a história ficava numa conversa, numa roda de amigos. Hoje cai no WhatsApp e no Facebook e se espalha. E fica parecendo notícia, como se fosse verdade", compara.

A imaginação parece não ter limites: entre os mitos que viralizam estão o de que tomar água gelada "fecha quatro veias do coração e causa infarto", e outro garantindo que "exercícios com a língua previnem Alzheimer", bem como a indicação de que "quiabo cura diabetes".

O médico e professor universitário conta que o assunto tem sido motivo de debates entre os alunos de medicina. "Nós, médicos, tendemos a lidar muito mal com isso. Acabamos ficando antipáticos a esse caos de informação sem a menor base e passamos a nos irritar. Isso é ruim: afasta a possibilidade de diálogo com o paciente", argumenta.

Checagem de fatos na imprensa

Surtos como o do novo coronavírus movimentam os núcleos de checagem de fatos da imprensa. Segundo o jornalista Daniel Bramatti, editor do Estadão Verifica, serviço do jornal Estado de S. Paulo, "os boatos de saúde dependem se determinado assunto está ou não em evidência".

A responsabilidade e a complexidade de temas de saúde tornam mais difícil o trabalho. "São checagens mais complexas, que exigem consulta a literatura científica e fontes oficiais, além de profissionais da área", explica. "Por conta disso, tais verificações costumam demorar mais."

Nesse tipo de trabalho, Bramatti avalia que a empatia do jornalista é fundamental. "É preciso se colocar no lugar de quem difunde a falsa informação e saber que nem sempre existe má intenção por trás do ato. Muitos só compartilham 'dicas' por achar que estão fazendo algo bom. E é preciso agir com transparência em termos de fontes e procedimentos, dada a situação de baixa credibilidade da imprensa em geral", afirma.

Segundo ele, nem sempre uma checagem é bem recebida por determinados segmentos do público. O editor lembra que quando o Estadão Verifica desmentiu um boato de que a vacina contra HPV estaria "provocando danos" em adolescentes no Acre, eles receberam uma carta de repúdio assinada por uma "associação de vítimas de vacinas e medicamentos".

Ministério analisa boatos

O Ministério da Saúde mantém desde 2018 uma página na internet (saude.gov.br/fakenews) e um número de WhatsApp (+55 (61) 99289-4640) dedicado a receber e analisar informações sobre saúde – sobretudo as disseminadas via aplicativos de mensagens e grupos em redes sociais.

De acordo com balanço divulgado no ano passado, o serviço recebe pouco mais de mil mensagens por mês. Até a noite de quinta-feira (30/01), já eram 14 as notícias relacionadas ao coronavírus analisadas pelo órgão – todas elas falsas.

"Veicular informações de saúde sem fundamentos é um problema social, de fato", define Roman. "Se o que tem ocorrido no meio político [com relação a disseminação de fake news] já nos deixa muito tristes, que dirá quando mexe com saúde."

A receita, indica o médico, é simples e definitiva: não repassar adiante. "Isso é muito importante. Não passar para a frente [esse tipo de informação] é a atitude mais higiênica, mais saudável, mais cidadã. Não disseminar informações equivocadas em um momento crucial como esse – para não aumentar o pânico."

Contra-ataques

O assunto preocupa também as gigantes de tecnologia. O Twitter está implementando na Ásia um mecanismo que redireciona o usuário, mediante uso de hashtags específicas, para serviços oficiais de saúde.

Já o Facebook divulgou um comunicado no início da semana esclarecendo que as informações postadas na rede social sobre o coronavírus estão sendo checadas por um consórcio de sete empresas parceiras – e o conteúdo perde relevância no feed quando é considerado falso.

Instaurada no segundo semestre de 2019 no Congresso Nacional, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga "ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público" – mais conhecida como CPMI das fake news – pretende incluir a boataria da área de saúde no debate. A pedido dos parlamentares, técnicos já se debruçam sobre a elaboração de um parecer recomendando punição severa a quem divulgar informações mentirosas referentes ao tema.

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