Por que fala de Trump sobre Brasil pode ser tiro no pé
Fábio Corrêa
22 de janeiro de 2025
Para analistas, ao questionar importância do Brasil para a economia americana, novo presidente dos EUA arrisca fortalecer aliança anti-Trump. Dependência financeira e política persiste na América Latina, mas tem caído.
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Ao dizer numa entrevista após a posse que o Brasil precisaria mais dos Estados Unidos do que o contrário, Donald Trump deu um claro recado à diplomacia não só de Brasília, mas também de outros países da América Latina. A fala do republicano mostra uma tentativa de reafirmar o papel dos EUA como nação mais poderosa do mundo, num momento em que potências como a China e blocos econômicos como o Brics assumem cada vez mais protagonismo internacional.
Contudo, mesmo que historicamente a influência dos EUA na relação bilateral com o Brasil seja inegável, os dados atuais mostram que essa assimetria tem sido cada vez menos gritante. Economicamente, por exemplo, a balança comercial entre os dois países manteve um equilíbrio nos últimos anos. Os Estados Unidos são o segundo parceiro comercial brasileiro, ficando atrás apenas da China. Já o Brasil fica em 15º no ranking de relações bilaterais americanas.
Em 2024, as exportações brasileiras para a terra de Donald Trump somaram 40,3 bilhões de dólares (R$ 243 bilhões), de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). No movimento contrário, o volume foi bem similar, com as importações americanas no Brasil atingindo 40,5 bilhões bilhões de dólares (R$ 244,2 bilhões).
Ou seja, o saldo é positivo para os Estados Unidos. Mas essa diferença no ano passado foi de 253,3 milhões de dólares (R$ 1,53 bilhão), valor que pode ser considerado um equilíbrio nessa relação, aponta a professora Carolina Pedroso, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp).
"A balança comercial é muito equilibrada, por isso, não se vê tanto mais essa assimetria. Em outros tempos, haveria desbalanceamento – o Brasil importava muitos produtos de valor agregado e exportava os de baixo valor", diz ela.
"Hoje, exportamos para os EUA produtos primários, sim, como café e petróleo. Mas também celulose, aço e aeronaves. São produtos que têm alto valor agregado e tecnológico", complementa Pedroso. No ano passado, a indústria brasileira foi responsável por 78% dessas exportações, de acordo com Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil). Por outro lado, o Brasil também compra principalmente produtos de alto valor agregado dos Estados Unidos, com 15% das importações sendo de motores e máquinas não elétricas.
Apesar disso, há uma influência grande dos americanos na América Latina, o que pode ser explicado também pela conjuntura histórica. O fato de ter sido o primeiro país a conquistar a independência no continente, em 1776, proporcionou aos Estados Unidos a vantagem de sair na frente em vários aspectos, inclusive na industrialização, lembra a professora da Unifesp.
Mais tarde, no século 20, o país aumentou a influência cultural e política exercida sobre os vizinhos, principalmente durante a Guerra Fria, com apoios diretos e indiretos às ditaduras de direita que surgiram na América Latina, inclusive no Brasil.
"A América Latina sempre foi um pátio dos Estados Unidos. É claro que a dependência financeira e política ainda é bastante assimétrica, mas já foi maior. O Brasil não é um país pequeno, internacionalmente temos relevância. Historicamente, os EUA já reconheceram o papel da liderança brasileira na América Latina", acrescenta Pedroso, que vê na declaração do presidente mais um aceno ao eleitorado ressentido pela queda no padrão de vida americano do que uma verdade absoluta.
Uma das promessas de campanha dele, a de taxas de importações, pode até mesmo ser um tiro no pé e causar aumento de preços dentro dos EUA, já que o país também depende de produtos do exterior, como no caso do aço brasileiro.
O papel do Brics
Na mesma entrevista em que subestimou a relação bilateral com o Brasil, Trump teceu críticas ao Brics. O bloco – do qual fazem parte também Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia – terá presidência brasileira em 2025.
Na prática, o Brics representa um arranjo alternativo à hegemonia que os Estados Unidos construíram principalmente a partir da Segunda Guerra. Com a dianteira tomada pela China, segunda maior economia do mundo, há a ameaça de que a influência americana seja substituída.
Mas essa briga também não será fácil para Trump. "Os EUA também têm uma dependência enorme da China, que detém muitos títulos americanos e reservas em dólar", lembra Carolina Pedroso, da Unifesp.
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Aliança anti-trumpista
A retórica do chefe da nação mais poderosa do mundo funciona como um reforço do slogan trumpista de "tornar a América grande de novo". Nesse contexto, a frase sobre o Brasil é tanto estratégia de marketing pessoal quanto aceno aos apoiadores, lembra Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"Dizer essas coisas de forma desassombrada foi um dos traços que o eleitorado americano considerou. Mas, ao externar esse pensamento, Trump, ao mesmo tempo que galvaniza apoio interno, repele parceiros internacionalmente", lembra Lopes.
Segundo ele, a fala não é um "absurdo", já que, por se tratar do país mais rico e com maior poderio militar do mundo, é difícil pensar em relações bilaterais simétricas com os Estados Unidos. "Mas isso não quer dizer que o Brasil deva se subordinar e aceitar esse tipo de provocação. Não há indicativo qualquer neste momento que o Brasil possa se favorecer bilateralmente com o governo Trump", acrescenta.
Por outro lado, o professor da UFMG pontua que a posição do republicano pode ter consequências desfavoráveis aos americanos, já que cria reações de outros governos, que se veem instados a reagir, afastando parceiros potenciais como os latino-americanos e os europeus, por exemplo em temas como o meio ambiente. Uma das primeiras medidas de Trump foi retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris. "Ele pode estar criando para si um desafio que consistiria nessa aliança anti-trumpista", arremata o professor.
"É uma fala que em si não é absurda, já que os EUA tendem a ter vantagem na relação com a América Latina. Mas ela pode trazer mais malefício que benefício. Abdicar de diplomacia sempre é uma aposta arriscada, porque o custo aumenta nas interações e, pelo visto, a julgar pelas primeiras reações de países da América Latina, não vai ser submissão e subordinação o que o Trump vai encontrar pela frente", afirma Lopes.
Ele lembra que, na América Latina, já houve reações contrárias logo após a posse de Trump. O presidente do Panamá, José Raul Mulino, disse que "nenhum país vai interferir" na administração do Canal do Panamá, cujo controle o americano prometeu retomar para os EUA. Já Claudia Sheinbaum, presidente mexicana, provocou e sugeriu chamar o vizinho de "América Mexicana" após Trump ter externado a intenção de renomear o Golfo do México para "Golfo da América".
O mês de janeiro em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: Kenny Holston/The New York Times/AP/picture alliance
Ataque a faca deixa dois mortos no sul da Alemanha
Um homem de 41 anos e um menino de dois anos foram mortos e duas outras pessoas ficaram feridas em um ataque a faca em um parque na cidade de Aschaffenburg, no estado da Baviera, no sul da Alemanha. Um afegão de 28 anos, requerente de asilo, foi detido ao tentar escapar por trilhos de trem. A indignação com o crime pode impactar a campanha eleitoral, a um mês das eleições antecipadas. (22/01)
Foto: Ralf Hettler/dpa/picture alliance
Incêndio mata dezenas em resort de esqui na Turquia
Mais de 70 pessoas morreram e ao menos 51 outras ficaram feridas no incêndio num hotel localizado em uma popular área de esqui nas montanhas de Bolu, no noroeste na Turquia. O incêndio começou durante a madrugada no Grand Kartal, um hotel de 12 andares construído de madeira na estação de esqui de Kartalkaya, a uma altitude de 2.200 metros. (21/01)
Foto: IHA/AP/picture alliance
Trump de volta à Casa Branca
O republicano Donald Trump tomou posse em seu segundo mandato como presidente dos EUA. Em seu primeiro dia de governo, o republicano anunciou um pacote de medidas conservadoras, reverteu dezenas de decisões de seu antecessor, Joe Biden, concedeu perdão a 1.500 condenados pelo 6 de janeiro de 2021 e prometeu dar início a uma nova "era de ouro" no país. (20/01)
Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP/dpa/picture alliance
Alívio e emoção dos primeiros reféns liberados
Doron Steinbrecher, uma das três reféns israelenses libertadas no primeiro dia de cessar-fogo entre Israel e o grupo extremista Hamas, reencontra sua mãe após 15 meses de cativeiro. Hamas também libertou Romi Gonen e Emily Damaria, dando início ao processo previsto no acordo. Em troca, cerca de 95 prisioneiros palestinos deverão ser libertados, a maioria mulheres e adolescentes. (19/01)
Foto: Israeli Army/AP/picture alliance
Milhares vão às ruas de Washington contra Trump
Dois dias antes da volta de Donald Trump à Casa Branca, milhares protestaram contra políticas anunciadas pela próxima gestão. Chamada "Marcha do Povo", a manifestação foi organizada por movimentos de defesa dos direitos civis em defesa de pautas como o acesso ao aborto, proteção climática e direitos dos imigrantes. Mais de 350 marchas semelhantes aconteceram em todo o país. (18/01)
Foto: Amanda Perobelli/REUTERS
Gabinete israelense aprova cessar-fogo em Gaza
O governo israelense aprovou o acordo de cessar-fogo e libertação de reféns em Gaza, após horas de consultas que se estenderam até a madrugada de sábado (18/01)."O governo aprovou o plano de devolução dos reféns", disse o gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em comunicado. As armas deverão ser silenciadas inicialmente por seis semanas a partir do próximo domingo. (17/01)
Foto: Koby Gideon/AFP
David Lynch, diretor de "Cidade dos sonhos", morre aos 78 anos
Conhecido por produções como "Cidade dos Sonhos", "Twin Peaks" e obras surrealistas, o renomado diretor americano acumulou quatro indicações ao Oscar durante sua carreira. Causa da morte não foi divulgada. Em 2024, ele afirmou que foi diagnosticado com enfisema pulmonar. (16/01)
Hamas e Israel chegam a acordo para encerrar conflito em Gaza
Israel e Hamas chegaram a um acordo de cessar-fogo para encerrar o conflito na Faixa de Gaza após 15 meses de combates, segundo informaram mediadores nesta quarta-feira. O texto prevê troca de reféns por prisioneiros e a retirada de militares israelenses. População foi às ruas em Gaza e em Israel para comemorar a decisão. (15/01)
Foto: Abdel Kareem Hana/AP/picture alliance
Procurador diz que havia evidências para condenar Trump
Em relatório tornado público, o procurador especial Jack Smith afirma que havia evidências suficientes para condenação do presidente eleito dos EUA por tentar anular o resultado da eleição de 2020. Parte do documento foi enviado ao Congresso pelo Departamento de Justiça – não sem que antes Trump tentasse impedir que isso acontecesse. Republicano reagiu tachando Smith de "perturbado". (14/01)
Foto: Jacquelyn Martin/AP Photo/picture alliance
Lula sanciona lei que proíbe uso de celular nas escolas
Lei restringe uso de aparelhos eletrônicos portáteis, sobretudo telefones celulares, nas salas de aula de escolas públicas e privadas em todo o país. Há exceções para uso pedagógico, sob supervisão dos professores, ou em casos excepcionais de acessibilidade ou necessidade de saúde. Medida ainda será regulamentada por decreto a tempo de entrar em vigor no início do ano letivo, em fevereiro. (13/01)
Sobe para 16 número de mortos em incêndios em Los Angeles
O número de mortos nos incêndios florestais que atingem a região de Los Angeles aumentou para 16, enquanto as equipes lutam para conter as chamas antes da chegada prevista de novas rajadas de ventos fortes capazes, potencialmente, de empurrar o fogo em direção a outras regiões da cidade. (12/01)
Foto: Jae C. Hong/AP Photo/picture alliance
Milhares protestam contra convenção da ultradireita na Alemanha
Mais de 10 mil pessoas participam de uma manifestação em uma pequena cidade do leste alemão contra a convenção nacional do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD). A convenção é parte da campanha do partido para as eleições federais de 23 de fevereiro, convocada após o colapso do governo de coalizão do chanceler federal, Olaf Scholz. (11/01)
Foto: EHL Media/IMAGO
Trump é sentenciado e será 1º presidente condenado dos EUA
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, foi sentenciado por sua condenação criminal decorrente do pagamento em dinheiro para silenciar uma atriz pornô. A penalidade, porém, não inclui multa, prisão ou liberdade condicional. O juiz aplicou ao republicano uma sentença de "dispensa incondicional", que reconhece a culpa do réu, mas não impõe uma pena específica. (10/01)
Foto: Brendan McDermid-Pool/Getty Images
"Sinceramente, estou morrendo", diz ex-presidente do Uruguai José Mujica
Mujica, de 89 anos, revelou que o câncer em seu esôfago se espalhou para o fígado e que a progressão da doença não pode mais ser interrompida. "Não posso fazer nem um tratamento bioquímico nem uma cirurgia porque meu corpo não aguenta", disse. "O que eu peço é que me deixem em paz. O guerreiro tem direito ao descanso." (09/01)
Foto: Santiago Mazzarovich/AFP
Incêndios deixam rastro de destruição na Califórnia
Incêndios florestais de enormes proporções atingiram a Califórnia e deixaram ao menos cinco mortos e dezenas de feridos. No condado de Los Angeles, cerca de 180 mil pessoas tiveram que deixar suas casas por ordem das autoridades, com as chamas consumindo uma área de 117 quilômetros quadrados. (08/01)
Foto: Ringo Chiu/REUTERS
Morre o extremista francês Jean-Marie Le Pen
Líder histórico da extrema direita francesa e pai da ultradireitista Marine Le Pen morreu aos 96 anos. Ele foi um dos fundadores do partido Frente Nacional, renomeado em 2018 para Reunião Nacional. Figura polarizadora na política francesa, Le Pen era conhecido por sua retórica inflamada contra a imigração e o multiculturalismo. (07/01)
Congresso dos EUA certifica vitória eleitoral de Trump
O Congresso dos EUA certificou Donald Trump como vencedor da eleição de 2024. A cerimônia aconteceu sem interrupções – em contraste à violência de 6 de janeiro de 2021, quando, com pelo menos aquiescência de Trump, uma multidão invadiu o Capitólio para impedir certificação de Joe Biden. Os legisladores se reuniram sob forte segurança para cumprir a data exigida pela lei eleitoral. (06/01)
Foto: Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
Neve traz caos à Europa e aos Estados Unidos
Após um fim de ano com temperaturas relativamente amenas, nevou no Reino Unido e em outras partes da Europa. Pistas congeladas geraram transtorno nas estradas e levaram ao cancelamento de voos e fechamento de aeroportos, inclusive na Alemanha. Nos Estados Unidos, algumas áreas devem ter a pior nevasca da década. (05/01)
Foto: Danny Lawson/PA Wire/dpa/picture alliance
Trens de longa distância operados pela alemã Deutsche Bahn batem recorde de atraso
Em 2024, 37,5% dos trens de longa distância registraram atraso superior a seis minutos – a maior taxa em 21 anos. Empresa atribuiu piora no desempenho à "infraestrutura ultrapassada e sobrecarregada", obras na rede ferroviária, aumento do tráfego, falta de mão de obra e eventos climáticos extremos, mas disse trabalhar em um plano de ação para melhorar sua pontualidade. (04/01)
Foto: Sebastian Gollnow/dpa/picture alliance
Milhares de alemães assinam petição contra uso de fogos de artifício
Mais de 270 mil alemães assinaram uma petição online pedindo a proibição de fogos de artifício particulares em todo o país, após um Ano Novo marcado por cinco mortes e dezenas de feridos pelo uso incorreto dos fogos. Em várias cidades, equipes de emergência foram atingidas pelos explosivos. Em Berlim, um policial ficou gravemente ferido e precisou ser operado. (03/01)
Foto: Christian Mang/REUTERS
Multidão protesta contra prisão de presidente afastado da Coreia do Sul
Uma centena de pessoas se reuniram em Seul para protestar contra o mandado de prisão imposto ao presidente deposto da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, acusado de insurreição. Apoiadores se posicionaram em frente à residência de Yoon, que se propôs a "lutar até o fim". Agentes já se posicionam no local para cumprir a ordem judicial. (02/01)
Foto: Philip Fong/AFP
Homem atropela multidão em Nova Orleans e deixa 10 mortos
Ataque ocorreu na Bourbon Street, uma rua turística com bares e clubes noturnos. Condutor do veículo morreu em confronto com policiais e FBI investiga "ato de terrorismo". Suspeito, um cidadão americano do Texas, carregava bandeira do Estado Islâmico. (01/01)